domingo, 31 de maio de 2009

41 - SEU LUNGA VARZEALEGRENSE





             Desconheço a razão. Mas quando joguei no time de futebol infantil de “Zé Taíde” as bolas constantemente furavam. Por isso, no meio do treinamento, várias vezes fui com outros pequenos atletas levar as bolas murchas para Mundin remendar. O artífice era um dos primeiros moradores de uma área da cidade que hoje abriga o populoso bairro Varjota.

            Sempre mal humorado, Mundin da Varjota recebia em sua casa aquele grupo de garotos barulhentos. Porém, mesmo carrancudo, nos atendia com presteza, rapidamente costurando as sofridas bolas de couro. Permitia, assim, a continuidade das prazerosas partidas de futebol na quadra da Escola Municipal Presidente Castelo Branco.

           Aquela cara amarrada e seu comportamento estressado tinham lá seus motivos. Na delicadeza e cortesia, ou na sua falta, Mundin empatava com Seu Lunga, o famoso Juazeirense. Contam, em Várzea Alegre, que, certa noite, quando já deitado, Mundin foi acordado por sua esposa Cecília, que, sentido fortes dores no abdômen, reclamou:

          - Mundin, tá me dando uma coisa.
 
          - Se tão dando, receba – respondeu secamente o marido.

         - Mas é coisa ruim – insistiu a esposa Cecília.

         - Então não queira muié – gritou Mundin, cobrindo o rosto com um lençol de saco de açúcar.


(imagem Google)

sábado, 30 de maio de 2009

40 - O DESEJADO CRATO

             Arivaldo Siebra, primo de Alberto, morava no desenvolvido município do Crato, mas com freqüência passava as férias em Várzea Alegre, hospedando-se na casa dos tios Seu Zé Augusto e Dona Zulmira. Como havia nascido e se criado no progressista município caririense sempre trazia novidades e brincadeiras diferentes que deixavam os meninos Antônio Ulisses e Alberto boquiabertos.

             Numa dessas vindas à “Terra do Arroz”. Arivaldo convidou seu primo Alberto para ir ao Cariri, conhecer as novidades e os progressos daquela região.

             Antônio Ulisses, ouvindo atentamente o convite, desejou acompanhar seu amigo e vizinho na viagem. Porém, como não poderia, pediu a Alberto que, quando voltasse do passeio, lhe contasse detalhadamente como era o Crato. Alberto, muito sabido, asseverou que só contaria se o colega levasse sua mala até o caminhão misto de Seu Lourival Clementino, que partiria da frente da Prefeitura. Na época, não existiam as sofisticadas e leves malas de hoje. Estas eram feitas em madeira e pesavam bastante, mesmo quando ainda vazias.

            Sem conseguir esconder a ansiedade, no dia marcado para o retorno, o garoto esperou o misto na entrada da cidade, onde é hoje o bairro Betânia, aproveitando pra pegar um “bigu”, pendurado na traseira do caminhão do Seu Lourival. Na boléia, cheio de pose, vinha o turista Alberto.

             Ao chegar no ponto de desembarque, Alberto determinou que seu amigo apanhasse a mala na carroceria do caminhão e a levasse de volta pra casa. Em face das novidades trazidas do Cariri, a bagagem pareceu ainda mais pesada; contudo o carregador, desejoso de ouvir as histórias, cumpriu com muito esforço a tarefa de trazer a mala até o interior da residência do Sr. Zé Augusto. Ao chegar ao destino, ainda ofegante, disse:

           — Pronto, Alberto, me conte agora como foi a viagem.

           O amigo, com muita banca, afirmou que, por estar cansado, iria se deitar e, somente no dia seguinte, falaria sobre a viagem. Assim, Antônio Ulisses já amanheceu o dia debaixo do hoje sexagenário “Pé de Figo”.

           Lá pelas tantas, finalmente, Alberto se acordou, e seu amigo passou a implorar pelas histórias prometidas. O pequeno turista disse que só contaria depois que merendasse. Ao findar o café da manhã, Alberto finalmente resolveu contar as novidades ao seu amigo.

           Antônio Ulisses ouviu atentamente todas as histórias. Se, em Várzea Alegre, a água era trazida para as casas no lombo dos animais, dentro das ancoretas, no Crato, o precioso líquido jorrava de dentro das paredes das casas. Se aqui o velho motor gerador, de responsabilidade de Seu Julio e Zé Saldanha, só funcionava em parte da noite, no vizinho e à época distante município, a luz acendia de dia e de noite. Na capital do Cariri, havia gelo com gosto de goiaba, abacaxi e várias outras frutas. O nosso pobre menino não conhecia o delicioso picolé; só havia provado do gelo do bar do Seu Zé de Souza, que funcionava próximo do prédio onde hoje é o Armazém Progresso, de Seu Vandir Viana.

           Alberto não esqueceu de contar que, na Serra de São Pedro, na ida e na volta, ficou impressionado com a denominada “curva da morte”. Antônio Ulisses exigiu detalhes daquele perigoso e comentado trecho da estrada. Alberto, sem medo de exagerar, contou que a curva era tão fechada que, no meio dela, da boléia, dava para ver a traseira e a placa do caminhão.

            Por fim, Alberto disse que, no Cariri, havia o fascinante transporte ferroviário. O trem era uma fila de carros amarrados um no rabo do outro e o da frente dizendo:

            — Café com pão, bolacha, não; café com pão, bolacha, não.

            Em frente à estação ferroviária, havia uma bela praça e, naquele lugar, Alberto viu um galeguinho, parecidíssimo com o amigo de Várzea Alegre. Ouvindo calado e atento a todas essas maravilhosas histórias, Antônio Ulisses, com voz forte e suspirante, exclamou:
         — Ah se fosse eu!


* extraído do Livro Conte Essa, Conte Aquela - Histórias de Antônio Ulisses.

domingo, 24 de maio de 2009

39 - CARA OU COROA




          Eu não devia ter mais que 8 anos. Como todo menino, aliás, como todo ser humano, já gostava de dinheiro. Assim, deitado no chão, de boca aberta, usando uma faca de mesa, violava o recheado cofre da minha irmã Flaviana, quando, por descuido, engoli uma moeda que escapou pela fenda da cobiçada caixa.

          Logo após sentir o objeto escorrer com dificuldade pela garganta, eu mesmo disparei o alarme, gritando e confessando minha peripécia. Uma correria se instalou em minha casa, todos preocupados com o inusitado acontecimento. Temiam que a moeda entupisse minhas tripas. Naquele mesmo dia fui encaminhado ao vizinho município de Iguatu, onde um médico, examinando uma radiografia de tórax, concluiu que a peça de metal já passara pelos tubos mais delicados do meu aparelho digestivo.

         De todo modo, por cautelosa recomendação médica, minhas fezes passaram a sofrer intensa investigação. Fiquei proibido de usar a privada. Somente depois de três dias, o dinheiro foi expelido no quintal da casa de tia Rosa Amélia. Carregando a moeda já um pouco enferrujada ou amarelada por outro motivo, eu e meu primo Serginho corremos em direção à Bodega do meu pai para comunicar a boa nova. Quando chegamos, tio José Cavalcante Cassundé, em meio a fregueses, conversava com meu pai no balcão do pequeno comércio. Diante de todos, “sem papa na língua” e com sua “voz de megafone”, tio Zé do Norte, como conhecido, espantado com o estranho fato, imediatamente comentou:

        - Meu irmão Luiz agora enrica de vez. Tem um filho cagando dinheiro.


(imagem Google)

sábado, 23 de maio de 2009

38 - O MENINO DAS CAJAZEIRAS

Durante toda sua vida, Antônio Ulisses freqüentou o Sítio Cajazeiras. Manteve estreitos laços de amizade com vários moradores daquela conhecida comunidade rural.

Numa dessas constantes visitas, após jantar um saboroso baião de dois, com fava e carne de porco torrada, sentou-se na agradável calçada da residência de Dudu de Chico Costa. Dali viu passar pela estrada um grupo de barulhentos garotos, dentre os quais um que se destacava pela falta de beleza. Sobre a aparência física do menino, comentou:

— Dudu, quando esse menino terminar de ficar feio, no que é que vai dar?


* extraído do livro “Conte Essa, Conte Aquela – Histórias de Antônio Ulisses”

sábado, 16 de maio de 2009

37 - MÃO E CONTRAMÃO

No início tarde do sábado, no programa televisivo Estrelas, da loiríssima Angélica, o cantor Xororó afirmou não beber, não fumar, nem fazer outras extravâncias, diferente do seu irmão e parceiro Chitãozinho. E que, por conta da vida disciplinada, sempre recebe do bem-humorado sertanejo Leonardo o seguinte comentário:

- Xororó não quer viver, quer durar.

É verdade que cada pessoa escolhe o estilo e o ritmo de sua vida. Uns preferem um comportamento mais recatado, sem exageros. Outros, uma trajetória mais ousada, com extravagâncias e aventuras.

O conterrâneo Chico Piau foi um dos muitos que desde jovem trilhou por caminhos mais tortuosos, preocupando bastante sua religiosa mãe, dona Heroína. Certo dia, depois de escutar demorados conselhos de sua querida mãe, que desejava mudanças no comportamento atirado do filho, Chico se saiu com esse original e polêmico argumento:

- Mãe fala assim porque não sabe como é bom ser rim.

sábado, 9 de maio de 2009

36 - ORELHA QUENTE



No ano de 1968 vivia-se o auge da Jovem Guarda, movimento que mesclava música, comportamento e moda. Mas em resistência à massificação do ritmo iê-iê-iê, os rádios brasileiros tocavam o seguinte xote:

"Cabra do cabelo grande
Cinturinha de pilão

Calça justa bem cintada

Custeleta bem fechada

Salto alto, fivelão

Cabra que usa pulseira

No pescoço medalhão

Cabra com esse jeitinho

No sertão de meu padin

Cabra assim não tem vez não(…)”

Os versos bem humorados do Xote dos Cabeludos, do grande compositor varzealegrense José Clementino, imortalizados pelo Rei do Baião, Luiz Gonzaga, traduzem a desconfiança do sertanejo com a aparência pouco convencional dos membros e adeptos da Jovem Guarda.

Alguns anos depois, quando adolescentes, eu e vários outros primos, entre os quais Hildemburg (Nenê) e Hildemberg (Bega), decidimos usar brincos. Além das dores decorrentes da inflamação nas orelhas, sofremos comentários e críticas em face do à época pouco comum comportamento de jovens do interior cearense.

Em um fim de tarde estávamos reunidos no Calçadão Antônio Costa, no Bar de Toinha Boa Água, quando nosso tio Francisco da Chagas (Chico Nenê) se aproximou e passou a nos observar. Estranhando seus sobrinhos com adornos enfeitando as orelhas, Chico, com sua voz retumbante e indiscreta sinceridade, comentou:

- Meus sobrinhos, não se enfeze comigo não, mas se tivesse com vontade de dar o cu eu não faria esse arrodeio todo não.


segunda-feira, 4 de maio de 2009

35 - DEPILANDO OS PADRÕES

Mesmo não acompanhando mais detidamente o enfadonho Big Brother Brasil da Rede Globo, ouvimos atentamente as discussões acerca dos padrões de beleza surgidos com a última versão do controvertido programa. A participante Priscila, com suas roliças pernas, pôs em risco a ditadura de beleza da mulher magra e esquálida imposta pelas quase anoréxicas modelos de passarela.

Bom lembrar que essas mudanças nos padrões de beleza feminina ocorrem desde o começo do mundo. E o recente debate sobre a grossura das pernas de Priscila fez ressurgir uma história sempre contada pela conhecida e dedicada educadora de Várzea Alegre, professora Rivandir.

Há algumas décadas, a adolescente Rivandir depilava suas pernas quando o seu querido pai Raimundo Nonato de Moraes, Mundin Tibúrcio, simpático escrivão da coletoria de impostos, comentou:

- Rivandi, minha filha, suas pernas já são finas e você ainda tirando os pelos. Vão ficar ainda mais finas.

Rivandi, sempre inteligente e bem humorada, logo respondeu:

- Ora, papai. Sabe por que são finas? O senhor teve dezesseis filhos, faltou material para tanta gente.



Colaboração: Rivandir Moraes de Menezes

sexta-feira, 1 de maio de 2009

34 - MOTORISTA BOA PRAÇA



Durante algumas décadas, os motoristas de praça, conduzindo com segurança passageiros em corcéu, belina, fusca, jipe e outros veículos, realizaram valoroso trabalho em Várzea Alegre. Hoje, a tradicional atividade sofre com a forte concorrência dos inúmeros mototaxistas que surgiram nos últimos anos.

Idelfonso Ferreira Lima, ou apenas Delfonso, misto de agricultor e motorista, conhecido por sua simpatia e reações bem humoradas, sempre animou os debates da Praça do Abrigo, único ponto de táxi de Várzea Alegre.

Certo dia, já tarde da noite, Delfonso e sua esposa Enedi, moradores da Rua do Figueredo, em frente ao Pronto Socorro, foram chamados para ajudar na retirada de uma gorda senhora de dentro da ambulância.

Delfonso, atencioso, saiu imediatamente para prestar sua colaboração. Sua esposa, Enedi, antiga e valorosa funcionária da Justiça Eleitoral, muito organizada, ainda se vestindo, alertou:

- Delfonso, espera aí, vai pelo menos colocar tua chapa.

O motorista, em um repente, com avoz modificada pela falta da dentadura, retrucou:

- Ô besteira Nedi, eu vou é ajudar a muié, né morder ela não.



Colaboração: Klébia Fiúza