sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

114 - CAFÉ NO BULE





          Graças a Deus, Dona Benedita Gomes Fiúza, conhecida como Enedy, funcionária aposentada da Justiça Eleitoral, vem se recuperando de um problema de saúde.

        Em Várzea Alegre, Dona Enedy e seu esposo Delfonso mantém um agradável sítio no Baixio do Exu. Como o terreno rural fica bem próximo à sede do município, lá costumeiramente recebem visitas.

         Recentemente, bem cedo da manhã, ali chegou o espirituoso Carlin de Dalva, vizinho e amigo da família. Aproveitando-se da mesa do café posta, Carlin foi logo se servindo, comendo as tapiocas preparadas para a primeira refeição de Delfonso. Como o apetitoso visitante era de casa, dona Enedy reclamou:
 
         - Ei Carrin, o que é que faz aqui tão cedo? Num já acabou ontem a carroça que Delfonso encomendou?

        Mastigando a apetitosa tapioca e entre os goles do café quentinho, Carlin olhou para o filho de dona Enedy e falou:
 
       - Eduardo, tua mãe já tá boazinha, né ?

       - Por quê? - indagou Eduardo.

      - Porque ela já tá de novo com as piadinhas dos Fiúza.



Colaboração: Klébia Fiúza
(imagem Google)





domingo, 24 de janeiro de 2010

113 - MNEMÔNICA




        O professor Paulo Danúbio se mudou para Fortaleza desde o início da década de setenta. Mas, como a grande maioria dos varzealegrenses, adora passear em sua cidade natal. Todo feriado, folga ou férias viaja para Terra do Arroz.
 
        Quando ainda solteiro, o dinheiro curto nunca era suficiente para o longo período das férias em Várzea Alegre. Assim, Paulo deixava algumas contas penduradas com a promessa de mandar a quantia de Fortaleza pelo primeiro portador.
 
       Certa vez, já na capital alencarina, como sua mãe Maria Amélia viajaria para Várzea Alegre, pediu que ela levasse o dinheiro que ficara devendo a vários proprietários de bar. Um dos que mais recomendou o pagamento foi para Pingo, conhecido proprietário da Fina Flor, bar que por muitos anos funcionou no interior do mercado velho.
 
       Quando sua mãe retornou da viagem ao interior do Estado, ainda na rodoviária, Paulo perguntou:
 
       - Mamãe, a senhora pagou minhas contas?
 
       - Meu filho, paguei aos Cunés, Maria Araripe, Zé de Zuza, Toinha Boágua, só não consegui encontrar o tal de Gota.

 
(imagem Google)



sábado, 23 de janeiro de 2010

112 - CONTRAMÃO





        Só quando o homem abandonou os animais como meio de transporte para usar os veículos automotores surgiu a necessidade de regulamentação de sinais e de estabelecer outras normas de trânsito. Assim, as placas de “pare”, “contramão”, “proibido estacionar” e outras têm pouco mais de cem anos.
 
        As regras e punições surgiram inicialmente nas cidades maiores e mais ricas. Porém, como os carros e motocicletas invadiram o planeta, as pequenas cidades também precisaram organizar a circulação dos seus veículos.
 
         Recentemente algumas estreitas ruas de Várzea Alegre passaram a ter sentido único de trânsito, entre elas parte da Rua Coronel Pimpim, conhecida também por Rua dos Peru.
 
          Logo que houve a mudança, o agricultor e poeta popular Zaqueu Guedes subia em uma motocicleta pela Rua dos Peru quando foi abordado por um guarda de trânsito. Ao receber a informação de que não mais poderia seguir em frente, o extrovertido Zaqueu reclamou:
 
        - Só no Crato mesmo! Desde minino subo a ladeira da Rua dos Peru. Já passei aqui a pé, de jumento, bicicleta, trator e moto. É danado! Agora com oitenta ano no lombo num posso mais.


(imagem Google)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

111 - ARAMANAÍ




        Neste mês de janeiro de 2010, saindo de navio do Porto de Santana, Estado do Amapá, viajei com esposa, filhas, sogra e cunhada para Santarém, município do oeste paraense. A viagem inicia com a beleza do percurso pelo majestoso rio Amazonas – ou Solimões.

       Na chegada a Santarém, fomos muito bem recebidos pelo impressionante espetáculo do encontro dos rios Solimões e Tapajós. Suas águas teimam em não se misturar. De um mirante próximo à orla da cidade é possível observar os rios de cores diferentes correndo lado a lado.

       As praias de areia branca e as águas claras impressionam. O rio Tapajós pode não ser o rio mais bonito do mundo, mas certamente disputa as primeiras posições. Na região, são tantos os lugares interessantes que uma visita só é insuficiente pra conhecê-los: Alter do Chão, Ponta do Cururu, Serra da Piroca, Ponta de Pedras, Pajuçara, Aramanaí e várias outros.

       Em Aramanaí, Município de Belterra, me deliciei com a paisagem e com o tucurané na manteiga servido na beira do rio. Chamou-me atenção o nome do lugar. Um experiente pescador cuidou logo em me contar uma popular versão sobre a origem do nome da bela praia.

        Segundo o velho morador, um rapaz e uma moça, irmãos, caminhavam pela beira do rio Tapajós, retornando de uma festa em Belterra, onde beberam e comeram bastante. Chegando naquela praia, a moça se viu agoniada e perguntou ao irmão:

      - Mano, tou apertada. Onde eu posso mijar?

      O irmão, apontando para a praia que ganhou o nome, respondeu:

      - Ara mana aí.

(imagem Google)





sábado, 16 de janeiro de 2010

110 - INSÔNIA





        Segundo a Mitologia Grega, Hipnus era o Deus do sono. Vivia em silêncio na tranqüilidade de um palácio construído no interior de uma caverna escura, onde o sol nunca aparecia. O estudo desse mito grego demonstra que um ambiente adequado é fundamental para um sono reconfortante e restaurador.

        No início da década de setenta, minha querida mãe Terezinha sofreu uma crise de depressão e se tratou com especialistas em Fortaleza, onde morava sua mãe Maria Amélia. No período em que passou na capital alencarina dividiu um quarto da acolhedora casa com sua tia Rosália. As duas, mamãe e tia Rosália, sofriam com insônia, e raramente conseguiam dormir.

        Certa ocasião, depois de uma madrugada inteira sem pregar o olho, finalmente, quando já amanhecia o dia, minha mãe conseguiu cochilar. Tia Rosália, que também não dormira ainda, ao ver a companheira de quarto fechar os olhos, bateu no punho da rede e reclamou:

        - Terezinha, minha sobrinha, larga de ser mentirosa. Tu não disse que não conseguia dormir?

*Colaboração: Terezinha Costa Cavalcante





terça-feira, 12 de janeiro de 2010

109 - OUTRA PROFECIA




        Em certos anos a estação chuvosa demora ainda mais para começar no sertão nordestino. Tanto que até 19 de março, dia de São José, padroeiro do Ceará, os sertanejos esperam que o líquido precioso caia com abundância do céu.
 
       A angústia do nordestino se explica pelo transcurso demorado da estação seca. Quando chegam os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro, chamados borrobrós, o sertão seca e a cor cinza predomina na paisagem.
 
        Anos atrás, no final do mês de dezembro, depois de uma longa e sofrida estiagem, Mané Fôia, conhecido profeta e adivinho, foi convidado para apresentar suas previsões para o ano seguinte em um programa matinal da Rádio Cultura de Várzea Alegre. Sobre a próxima estação chuvosa mostrou pessimismo. Para tristeza dos ouvintes, o profeta varzealegrense previu que as primeiras chuvas só molhariam as terras do município lá pelo mês de fevereiro.
 
       Mas, depois de cerca de meia hora de previsões, quando o profeta deixou o isolado estúdio, a recepcionista da rádio foi logo falando:
 
      - Seu Mané, vou emprestar meu guarda-chuva pro senhor não se molhar . Lá fora tá caindo o maior toró, relampejando e trovoando.

 
Colaboração: Antônio Ênio Máximo de Menezes
(imagem Google)

domingo, 10 de janeiro de 2010

108 - MEDO DE AVIÃO




        Não é à toa que um grande número de pessoas receia viajar de avião. Embora o invento do brasileiro Santos Dumont seja um dos meios de transporte mais seguros e confiáveis, quando os acidentes aéreos acontecem ocupam enorme espaço nos jornais, impressionando pela relevância social dos envolvidos e pelo número de vítimas.

       Ainda hoje o Ceará se lembra do trágico acidente ocorrido em junho de 1982, quando o avião da VASP se chocou contra a Serra de Aratanha em Pacatuba, provocando a morte prematura de mais de uma centena de pessoas. Tamanha foi a violência do choque que muitas famílias sequer encontraram e sepultaram os corpos de seus entes queridos.

       Dias após o sinistro, o agricultor varzealegrense Zaqueu Guedes viajou ao vizinho município de Iguatu para resolver umas questões na agência do INSS. No final da tarde, com as soluções previdenciárias encaminhadas, o comunicativo Zaqueu parou em um modesto “café” na saída da cidade, próximo à ponte sobre o Rio Jaguaribe, onde decidiu aguardar um transporte de volta para Várzea Alegre. Para saciar a fome, foi logo pedindo:

      - Sinhora, cozinhe meia dúzia de ovo pra mode eu dá conta de chegar na razalegre.

       Zaqueu e a dona do café passaram a conversar. O assunto não poderia ser outro. Falavam do impressionante acidente da VASP. Enquanto comia os ovos, o agricultor varzealegrense se dizia penalizado com o estrago nos corpos das vítimas. Poucas pessoas foram reconhecidas. O resgate só conseguiu localizar partes dos corpos. Quando Zaqueu já terminava sua exagerada merenda, o caminhão de Livardino passou em direção a Várzea Alegre. O agricultou, com pressa, levantou-se e correu em direção ao último transporte daquele dia para sua cidade. A dona do café, desesperada, gritou:

       - Seu Zé. E os ovos?

       Zaqueu, já subindo na carroceria do caminhão, respondeu gritando:

      - Muié, se não acharam nem os braços e pernas dos passageiro, avali os ovos.


(imagem Google)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

107 - PREVISÃO INFALÍVEL



        Todo ano o bravo povo do sertão nordestino aguarda ansiosamente pela estação das chuvas. Vendo o pasto secar, o gado emagrecer, a água rarear, o longo período de estiagem parece não ter fim. Por conta dessa interminável angústia surgem observadores da natureza que prevêem a quantidade de água do próximo inverno.

       Os “profetas da chuva” observam cuidadosamente as árvores, os animais, as estrelas, a lua, sempre no interesse de buscar alguma experiência que indique de que modo as chuvas cairão na caatinga nordestina.

       Anualmente os profetas se reúnem em Quixadá, no sertão central cearense, para discutir sobre a próxima estação chuvosa. Baseado no conhecimento empírico, na observação da natureza, muitos acertam suas previsões meteorológicas.

       Já em Várzea Alegre, depois de uma prolongada estiagem, quando o tempo muda, meu tio Sérgio Pinto de Carvalho, comerciante experiente e observador, olha para o céu nublado e vaticina:

      - Se não chover daqui pra meia-noite, chove da meia noite pra adiante.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

106 - BEBENDO E APRENDENDO

        Muito embora os grandes debates e descobertas científicas ocorram quase sempre nas cátedras das universidades, a sabedoria também habita os lugares mais simples.

       Todo mundo que viveu na década de cinqüenta em Várzea Alegre conheceu o Bar de Zé de Souza. Localizado na antiga Rua Major Joaquim Alves, bem no centro comercial da cidade, o lugar era bastante freqüentado naquela época.

       Certo dia um cliente do bar, encostado ao balcão, depois de consumir várias pingas, tomou coragem e falou:

        - Zé, tua muié é miudinha demais!

        O dono do bar, arrumando as garrafas de cachaça nas prateleiras, olhou para o indiscreto freguês e disse sem gaguejar:

        - É assim mesmo, hômi. Muié não tem isso de tamanho. São tudo boa. Tanto faz uma roça grande de duzentas tarefas* como uma rocinha pequena de tarefa e meia. A cancela pra entrar é tudo quase uma largura só.

 

* medida de área típica do sertão nordestino

colaboração: Luiz Cavalcante