quarta-feira, 29 de abril de 2009

33 - ESPANANDO A CRISE

Em tempos de dificuldade financeira as grandes empresas planejam melhores estratégias para aumentar o seu faturamento. Buscam reduzir custos, inovar na propaganda, aproximar os clientes, incrementando mais ainda a forte concorrência do mercado. Mas a acirrada disputa e busca de alternativas não são exclusividades dos maiores estabelecimentos comerciais.

Em Várzea Alegre, na década de sessenta, em meio a uma crise nas vendas, o comerciante Zé Petronílio, recém estabelecido no centro da cidade, recebeu alguns clientes em sua pequena bodega. Todos perguntavam se no comércio havia espanadores, utensílios com cabos em madeira e penas de pássaros na ponta, usados principalmente para “espalhar poeira”. O novo comerciante, temendo afastar a clientela, sempre se desculpava com os interessados:

- Rapaz, eu fiz um pedido de espanador pr'uma firma da Capital. Sem demora eu recebo a mercadoria.

A intensa procura dos clientes pelo produto se justificava. Era mês de setembro, tempo de terras secas, época em que os “ridimue” (redemoinhos) do sertão levantam muita poeira. A partir de então, Zé Petronílio passou a observar no comércio local quem possuía o cobiçado espanador. Já na "cabeça" da ladeira da antiga Rua do Juazeiro Zé Petronílio encontrou o produto no comércio de José Alves de Lima, o Zé de Ginu. Para não perder a oportunidade de bons negócios, Petronílio não economizou, comprando todo o volumoso estoque de espanadores que Zé de Ginu possuía.

Feliz com a compra, à espera dos bons negócios, Zé Petronílio pendurou vários espanadores na entrada do seu pequeno comércio. Eram tantos que a bodega parecia um poleiro de aves.

Porém, decorridas várias semanas, para decepção de Zé Petronílio, ninguém procurou pelos espanadores. Só depois de algum tempo descobriu-se que Zé de Ginu pedira a várias pessoas para indagar se no comércio de Zé Petronílio havia espanador para vender.



* Colaboração: Klébia Fiúza

domingo, 26 de abril de 2009

32 - DEVASSA NA BODEGA





        Pode não ser verdade que nós cearenses temos o comércio no sangue, mas na minha família todo mundo sempre gostou da intermediação. Há várias gerações muitos se dedicam à atividade comercial.

        Meu querido pai, desde bem jovem, trabalha por trás do balcão, vendendo açúcar, sabão, querosene, rapadura e outras inúmeras mercadorias. O pequeno comércio – Casa São Raimundo - foi inaugurado em abril de 1946 por meu avô paterno Raimundo Cavalcante, conhecido por Raimundo Silvino.

         Se hoje os pequenos empresários sofrem com a complexidade das regras tributárias, quando meu avó se iniciou no comércio era ainda mais difícil compreender as normas do fisco.

        Essa dificuldade transformou as visitas dos fiscais da fazenda em momentos extremamente desagradáveis para os pequenos comerciantes. Tudo se agravava porque nunca possuíram condições de contratar os serviços especializados de um contador, o antigo guarda-livros.

        No final da década de 50, meu avô recebeu em sua bodega uma dessas antipáticas equipes de fiscalização. Ao ver os livros obrigatórios, os fiscais estranharam no registro de saída sempre um mesmo valor todos os dias durante o ano inteiro.

      O arrogante chefe da fiscalização, desejando amedrontar o pequeno comerciante, e, possivelmente, propor um imoral acerto, comunicou que tal fato geraria uma grande multa ao estabelecimento.

        Mas meu avô, destemido e inteligente, com seu jeito matuto e extrovertido, desarmou logo o fiscal com sua justificativa:

        - Ôxi seu Dotô, quando junto cem cruzeiro na gaveta, já fico sastifeito com o apurado, fecho a budega e vou pra casa.


sábado, 25 de abril de 2009

31 - O SENTINELA APAIXONADO*

Cabe lembrar que se vivia um dos auges do militarismo no Brasil. Naquele período, o país era sucessivamente presidido por generais, de modo que pertencer a qualquer das forças armadas representava um enorme destaque na sociedade.

Nessa época, depois de algum tempo na caserna, Antônio Ulisses foi escalado para tirar serviço como sentinela na residência oficial do Comandante-Geral da 10ª Região Militar, em Fortaleza.

Sua tarefa, bem mais fácil que as desempenhadas no interior do quartel-general, era vigiar uma bela mansão localizada na Aldeota. Na enorme casa, viviam apenas o general, a esposa, e uma bela filha do graduado militar.

Mesmo para os soldados que desempenhavam suas tarefas na residência era difícil ver mais detidamente a linda filha do Comandante, pois a moça passava o dia no interior da casa. Nas raras saídas, era acompanhada do seu pai, e, temendo possíveis punições, os soldados não se atreviam a olhar para aquela jovem.

Certa tarde, quando Antônio Ulisses cumpria seu mister no portão de entrada da mansão, a moça, por várias vezes, apareceu na janela da casa e dirigiu o olhar em direção à guarita onde estava o Sd Costa Filho. Toda vez que a moça surgia, o coração de Antônio Ulisses batia forte, pois sentia que a jovem estava lhe paquerando.

Os colegas de farda não iriam acreditar quando soubessem que ele em breve namoraria a cobiçada filha do Comandante. Por um instante, sonhou entrar naquela mansão de braços dados com a linda moça. Seu conseqüente casamento com a donzela, além de preencher seu coração, abriria as portas para uma promissora carreira militar. Logo deixaria a difícil vida de praça e alcançaria o cobiçado oficialato. Por várias horas aquela agradável fantasia habitou a mente do jovem militar, até porque a moça continuou a olhar em direção à frente da residência-oficial.

No entanto, de repente, chamou a atenção o barulho de um avião que sobrevoava a cidade. Não demorou, em frente à residência, estacionou um táxi trazendo um jovem rapaz vestindo galante uniforme azul da Aeronáutica. Infelizmente, o elegante oficial que desembarcava era o namorado da filha do General. A moça, ansiosa, não aguardou a entrada da sua paixão. Veio correndo do interior da residência e, chamando-o de meu amor, se jogou nos braços do rapaz.

A romântica cena aconteceu a poucos metros da guarita e diante dos olhos frustrados do nosso humilde soldado. O castelo de sonhos construído naquela tarde desabou completamente.



*extraído do livro "Conte Essa, Conte Aquela - Histórias de Antônio Ulisses

terça-feira, 21 de abril de 2009

30 - A CAIXA DA RODOVIÁRIA

Quando estudei em Fortaleza, aos cuidados da minha querida avó Maria Amélia, toda tarde de domingo eu ia à Rodoviária apanhar uma caixa com mantimentos enviada de Várzea Alegre por meu pai. Eu não era o único. No mesmo dia, vários adolescentes cumpriam meio a contragosto aquela tarefa, que findava se transformando em um agradável encontro de estudantes.

Nas várias caixas de papelão, bem amarradas com barbantes, despachadas do sertão, havia um pouco de tudo. Não faltava feijão verde, paçoca de carne seca, queijo de coalho, carne de criação, tijolo de leite, bolacha maria e cream cracker, mariola, pasta kolynos, sabonete phebo. E, claro, algumas barras da apreciada e indispensável rapadura.

Em um desses domingos, depois de muito procurar no bagageiro do ônibus, fui informado por seu Guimarães, conhecido motorista da empresa Vale do Jaguaribe, que meu pai não estivera naquela manhã no ponto de Zé de Ginu, onde costumeiramente despachava a caixa.

Quando voltei para casa ainda sem entender o acontecido, minha avó admitiu que meu pai telefonara pela manhã avisando que não enviara a encomenda naquele domingo. Eu fiquei inconformado por não ser alertado, pois aproveitaria para assistir no castelão ao clássico rei – Ceará versus Fortaleza. Minha querida avó, com seu jeito original de controlar as coisas, certamente temendo que eu me viciasse no futebol do domingo e largasse a responsabilidade semanal da caixa, buscou em vão me convencer:

- Flavin, foi bom você ter ido pra rodoviária mesmo. Vai que seu pai se enganou e mandou a caixa.

domingo, 19 de abril de 2009

29 - BARAÚNAS

Na fase adulta reaparece com mais ênfase aquilo de bom e marcante da nossa infância. Nos últimos anos, pensamentos recorrentes surgiram em minha mente trazendo ótimos momentos vividos em passeios pela zona rural de Várzea Alegre e municípios vizinhos. Adorava ir para São Cosme, Cajazeiras, Cotovelo, Baraúnas, Vacaria e outros sítios.

Quando visitava Baraúnas, dos meus tios Valter e Rita, receava dormir, pois temia que aquele tão esperado momento fosse apenas um sonho. Ali eu fazia tudo que criança adora. Corria livremente, brincava, caçava armado com baladeira, assistia a lida diária com os animais, observava o duro trabalho no campo. Éramos recebidos com uma irretocável hospitalidade. Tanto nossos tios, como os primos Vanusa e Romeu, nos acolhiam nas Baraúnas com enorme carinho e atenção.

Tio Válter nos deixava circular pelos currais, armazéns, riachos e roças. Apresentava um cuidado especial no tratamento dos animais, especialmente com os cavalos. Eduardo Bitu, também sobrinho e freqüentador do lugar, afirmou que até hoje se recorda da maneira detalhista e cuidadosa como o Tio Válter se vestia e preparava seu animal para as Cavalhadas e Vaquejadas.

Por um curto tempo, a alegre Vanusa passou a estudar em nossa casa na sede do município. Já eu, menino, não era muito receptivo em meu terreiro. Certo dia, quando servido o almoço, reparando o acentuado apetite da menina Vanusa, comentei:

- Tio Válter devia mandar um saco de arroz da Baraúna na bagagem de Vanusa.

sábado, 18 de abril de 2009

28 - GUIA RODOVIÁRIO



Meu tio Sérgio Pinto de Carvalho, conhecido comerciante de Várzea Alegre, sempre apreciou o estudo de mapas rodoviários. Mesmo antes dos atuais e modernos guias de estrada e sistemas de localização por GPS, ele já conhecia todas as distâncias e percursos entre as principais cidades.



Por uma época, para facilitar o transporte das suas cargas, tio Sérgio adquiriu um caminhão marca Mercedes-Benz juntamente com o comunicativo Raimundo Bezerra de Queiroz, Barroso.


Sempre que o caminhão seguia suas viagens, conduzido por Barroso, tio Sérgio, do seu birô, acompanhava todo o roteiro através dos mapas existentes em seu Armazém.


Numa das viagens, com previsão de poucos dias, o experiente Barroso demorou o dobro do tempo esperado para voltar a Várzea Alegre. Bastou estacionar o caminhão em frente ao Armazém, tio Sérgio foi logo cobrando:


- Barroso, por que você demorou tanto tempo?


- Sérgio, seu mapa mostra os buracos e atoleiros da estrada do algodão ?


Como os mapas não conseguiam acompanhar o surgimento dos buracos e atoleiros de nossas sofridas estradas, tio Sérgio e Barroso resolveram negociar o caminhão.


(imagem Google)

sábado, 11 de abril de 2009

27 - A MÍMICA DA PROFESSORA



Visitando o meu Ceará mato a saudade de lindas paisagens. Nesta época de chuvas, numa incrível mudança, o verde toma conta de boa parte do cenário. Bem diferente dos meses de setembro a dezembro, chamados borrobros, quando a cor cinza monopoliza as imagens do sertão.

Observando a bucólica paisagem e sua incrível mudança de cores, lembrei das aulas na sexagenária Escola de Primeiro Grau José Correia Lima, quando minha mãe Terezinha tornou-se também minha professora. Era o ano de 1977 e eu cursava a terceira série do falecido primeiro grau, hoje ensino fundamental.

Toda a turma estava reunida resolvendo uma prova escrita de geografia. Em cópias reproduzidas no velho mimeógrafo, com uso de estêncil e em papel com cheiro de álcool, os ansiosos alunos buscavam responder várias perguntas, entre as quais a seguinte: Qual a vegetação típica do semi-árido nordestino ?

No meio da turma, meu querido colega Francisco Eduardo Bitu de Freitas, sempre muito traquino e esperto, passou a insistir com a professora:

- Tia Terezinha, por favor, dê só uma dica dessa questão.

Depois de muita insistência de Eduardo, a professora, diante de toda turma, fez apenas um gesto, com uma das mãos abanando na frente do nariz.

O persistente e astuto aluno Eduardo preencheu e devolveu sua prova com a resposta esperada: CAATINGA. Porém, no exame escrito de outro estudante, a professora encontrou uma surpreendente resposta: BUFA.

Minha mãe guarda a sete chaves o nome do estudante, pois, mesmo com nossa imensa curiosidade, até hoje não revelou quem foi o autor da original resposta da prova de geografia.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

26 - 147 DA SORTE




O modelo 147, produzido em Betim a partir de 1976, marcou a chegada da Fiat no Brasil. O controvertido veículo da montadora italiana, embora cheio de inovações para a época, construiu uma fama pouco recomendável. É raro encontrar alguém com saudade do seu Fiat 147.

Eraum final de tarde de sexta-feira, na movimentada Avenida Caxangá, em Recife, quando o engenheiro Irapuan Costa parou seu 147 em um semáforo. Puan, como conhecido, aguardava o sinal verde, momento em que foi surpreendido por um forte barulho de freio. Um Mercedes de luxo, após deslizar no asfalto, tocou levemente no pára-choque traseiro do seu Fiat. Pelo retrovisor, viu descer do carro uma mulher de meia idade, bem vestida, que, bastante nervosa, foi logo dizendo:

- Querido, mil desculpas, eu vinha dirigindo preocupada com os meus negócios e mal percebi o sinal fechado, visse. Mas o senhor não sofrerá nenhum prejuízo, visse.

A motorista abriu sua bolsa, retirou várias notas, e, sem sequer conferir, entregou a Irapuan. Ainda meio atordoado com a inesperada reação da motorista, Irapuan guardou o dinheiro no bolso e foi ver as avarias em seu carro. O choque causara apenas um pequeno arranhão no pára-choque, que não resistiria a um simples polimento.

O dinheiro chegou na hora certa. Não para conserto do velho carro, mas para remediar a liseira daquele final de mês. Puan comprou um jogo de pneus para o Fiat, quitou umas dívidas pendentes e ainda sobrou uma boa quantia para as cervejas do final de semana.

Meu tio Antônio Ulisses contava que depois daquele dia, toda sexta-feira, Puan parava seu Fiat 147 no mesmo sinal da Avenida Caxangá e esperava ansiosamente uma milagrosa batidinha do Mercedes.

(imagem Google)

terça-feira, 7 de abril de 2009

25 - BANCO DE ZAQUEU



Em duzentos anos de história o Banco do Brasil acumulou gigantesco patrimônio e invejável credibilidade. Recentemente, a instituição financeira criada por Dom João VI anunciou um patrimônio líquido de mais de trezentos e noventa bilhões de reais.

A casa bancária possui mais de doze mil postos de atendimentos em todo país. Uma das suas milhares de agências está localizada em Várzea Alegre, no centro-sul cearense.

Na década de oitenta, o folclórico agricultor e poeta popular varzealegrense Zaqueu Guedes se dirigiu até o Banco do Brasil no interesse de contrair um empréstimo para financiamento de equipamentos agrícolas.


O gerente, muito educado, pediu para Zaqueu se sentar, ofereceu um cafezinho e perguntou:

- Seu Zaqueu, quanto o senhor pretende financiar?

O agricultor, com seu jeito de matuto desinibido, logo respondeu:

- Meu gerente, diga primeiro quanto o banco tem no cofre para emprestar.