segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

320 - OS OVOS DO DEPUTADO



           Na segunda metade do século passado, em plena campanha política, um importante deputado, candidato a reeleição, decidiu pedir votos em Mangabeira, pequeno distrito de Lavras da Mangabeira.

          Após visitar alguns eleitores do povoado do centro-sul cearense, o candidato parou no café de Denis Padeiro para um rápido lanche com seus inseparáveis assessores. Sentado à mesa do modesto ambiente, o político, cheio de pose, pediu café, pão e ovos mexidos.

         Apanhado de surpresa pela chegada da comitiva do deputado, o proprietário do estabelecimento pediu que um garoto fosse comprar meia dúzia de ovos em uma bodega ali perto.

        Passados dez minutos e sem que o menino voltasse com a encomenda, o deputado, já tomando café, com voz postada, como se falasse na tribuna, reclamou:

        - Mas, rapaz, é muito difícil ovos aqui em São José*, não é?

        O barbeiro Aquino Duarte que merendava na mesa ao lado, incomodado com a postura arrogante do parlamentar, saiu imediatamente em defesa do seu querido lugar:

        - É nada, dotô. Difícil aqui é deputado. Nós só vê de quatro em quatro ano.



*Antiga denominação do distrito de Mangabeira.

Colaboração: Vicente Ferreira Lima Filho (Lima Discos)

(imagem Google)

sábado, 29 de janeiro de 2011

319 - A INSISTÊNCIA DO ROMEIRO



         Na segunda metade do século passado, o mangabeirense Chico de Bino foi visitar a cidade de Juazeiro do Norte, onde conheceria, na colina do horto, a portentosa estátua erguida em homenagem ao Padre Cícero.

         Às cinco horas da manhã apanhou no distrito de Mangabeira o ônibus da empresa Varzealegrense e se sentou em uma poltrona bem próxima ao motorista. Já na saída, o mangabeirense perguntou:

          - Esse expresso passa em Farias Brito?

         - Passa sim, depois de Várzea Alegre passa em Farias Brito – respondeu atenciosamente o motorista.

        Poucos quilômetros depois, Chico de Bino voltou a perguntar ao condutor do ônibus:

         - Vai passar mesmo em Farias Brito, né?

         - Passa, passa sim.

         Na parada em Várzea Alegre, Chico de Bino insistiu:

        - Esse expresso vai por Farias Brito mesmo?

       O motorista, não mais suportando as reiteradas perguntas do passageiro, gritando, respondeu:

        - Passa na puta que pariu.

       O curioso passageiro, sem se incomodar com a contundente resposta, continuou:

         - Mas depois ele passa em Farias Brito, passa?



Colaboração: Vicente Ferreira Lima Filho(Lima Discos)

(imagem Google)



quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

318 - MEMÓRIA CURTA



 
           Natércio Vicente Andrade e Luiz Proto de Morais, amigos e compadres, por várias décadas trabalharam como respeitados comerciantes em Várzea Alegre, município do sertão cearense.

           Na segunda metade do século passado, em uma manhã de domingo, o boêmio Luiz Proto convidou Natércio para um passeio pela cidade. Assim, na companhia de mulheres e regados a muita bebida, os dois, em um veículo modelo corcel, passaram o dia em uma animada farra, parando em vários bares da pequena cidade. Somente à noite, os comerciantes voltaram para suas casas.

           No dia seguinte, cedo da manhã, Natércio, paraibano radicado em Várzea Alegre, mais recatado e bastante preocupado com a repercussão da aventura, foi à loja de móveis e eletrodomésticos de Luiz Proto e alertou:

          - Cumpade, tá todo mundo falando da nossa saída de ontem. Lá no mercado num tem outro comentário.

          Sentado tranquilamente em sua cadeira, Luiz Proto, após um trago do seu inseparável cigarro marca Charm, com sua peculiar irreverência, sugeriu:

         - Cumpade Natércio, pra língua do povo só tem um jeito. É nós darmos uma farra ainda maior hoje. Só assim esquecem a de ontem.

 
Colaboração: Fátima Andrade

(imagem Google)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

317 - "BARBEIRAGEM"



        Por muitos anos, a empresa Vale de Jaguaribe operou a linha Fortaleza - Várzea Alegre, transportando a população entre o interior e a capital cearense. No percurso de quase quinhentos quilômetros, passando por várias cidades, o ônibus cumpria sua última parada em Mangabeira, pequeno distrito de Lavras.

       Certa madrugada, um motorista novato, ao chegar a Mangabeira, numa manobra arriscada, subiu com o ônibus e danificou a calçada do bar de João Arcanjo. Imediatamente avisado por um passageiro, o comerciante acordou e veio verificar o prejuízo. Com voz mansa, foi logo perguntando:

       - Quem é o motorista?

       - Sou eu. Por quê? - respondeu secamente o novato funcionário da empresa de ônibus.

       - Sabia que você vai ter que fazer minha calçada? - continuou, o comerciante.

       - Mas eu num sou pedreiro - retrucou.

      - Então cace outra profissão pra você, pois motorista também num é – finalizou o dono do Bar.



Colaboração: Vicente Ferreira Lima Filho(Lima Discos)

(imagem Google)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

316 - DO AMAZONAS AO VELHO CHICO



 
          Em recente e divertida viagem pelo nordeste brasileiro passamos por especiais lugares do nosso país. Com esposa, filhas, mãe e sobrinho navegamos pelos imponentes cânions do Rio São Francisco e visitamos umas das importantes usinas hidrelétricas de Paulo Afonso.

          Em seguida, após cruzar de carro o peculiar sertão nordestino, em especial a região do Raso da Catarina, terreiro predileto do cangaceiro Lampião, fomos ao belo litoral norte baiano. Na bem frequentada Praia do Forte, conhecemos o interessante projeto Tamar, de proteção às tartarugas.

          Em Salvador, depois de uma visita ao Pelourinho, com a criançada já reclamando de fome, buscamos na Cidade Baixa um restaurante para almoçar. Como pouco conhecia a histórica capital baiana, saí em busca aleatória de um self service para acalmar o estômago dos turistas.

         Ao avistar a primeira placa fui logo entrando com o carro. No estacionamento percebi que se tratava de um estabelecimento diferenciado, de muito luxo. Não deu mais pra recuar, as crianças correram e sentaram-se à mesa que nos foi indicada, com vista para a belíssima Baía de Todos os Santos. Estávamos no Amado, um dos mais premiados restaurantes de Salvador.

         Depois de provar diferentes pratos e receber a conta, indaguei ao garçom sobre o delicioso mas tão caro peixe servido no almoço. Com a informação do chef, o simpático garçom voltou dizendo que o pescado vinha das bandas do Pará.

          Na verdade, ainda deslumbrados com o luxuoso ambiente, descobrimos que saímos do extremo norte do Brasil para nos deliciar com uma apetitosa pescada amarela originária da piscosa costa do nosso rico Amapá.


(imagem Google)

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

315 - BARBEARIA



          Por muito tempo a barbearia representou bem mais que o estabelecimento para remover os pelos do rosto. Era um lugar separado do mundo profano comum, quase sagrado para os homens. Um ponto de encontro, um espaço para conversar sobre os assuntos mais palpitantes.

          Mas no fim do século dezenove, quando o caixeiro viajante americano King Camp Gillette inventou a lâmina descartável de barbear, se iniciou a triste decadência da milenar profissão de barbeiro.

           Na vila de Mangabeira, a barbearia de Chiquinho da Carnaúba significou para aquele distrito cearense o que o estabelecimento do barbeiro Vicente Cesário representou para a cidade de Várzea Alegre.

          Na década de setenta, antes da popularização das lâminas de Gillete, Chiquinho da Carnaúba se preparava para fazer a barba do agricultor Zeca Duarte quando verificou a completa falta de água no estabelecimento. Sem perder tempo, o barbeiro cuspiu discretamente no sabonete para produzir a necessária espuma. Embora já deitado na cadeira especial, o cliente viu a repugnante cena e reclamou:

          - Chiquin, cuspindo no sabonete?

         Já com o pincel repleto de espuma na mão, o barbeiro mangabeirense respondeu

         - Hômi, você tá é com sorte. Tem gente que eu cuspo é na cara...



Colaboração: Vicente Ferreira Lima Filho(Lima)

(imagem Google)

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

314 - BODE MAGRO


         Dias atrás, em Várzea Alegre, interior cearense, acompanhei o meu tio José Macedo de Santana em visita ao ferreiro Francisco Basil de Oliveira. Com oitenta anos recém completados e se tratando de insuficiência renal, Chico Basil, como conhecido, continua contando histórias com sua peculiar irreverência.

         No decorrer da animada conversa, em sua modesta casa, sem se queixar do sofrível tratamento, o velho ferreiro explicou com suas simples mas eloquentes palavras como se dava o processo artificial de filtragem e depuração do seu sangue.

         Vendo Chico sem camisa, ainda mais magro por conta da restrição alimentar, o amigo de vários anos comentou:

         - Chico Basil, você com peso de bode magro.

         Imediatamente, o extrovertido ferreiro recordou:

         - Macedo, é porque você não conheceu mãe. Ela era tão maga que passava uma chuva grossa, sem se moiá, debaixo de um fi de energia.


(imagem Google)

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

313 - BOÊMIO




          Em Várzea Alegre, sertão cearense, até hoje, para pedir uma cerveja bem gelada, o freguês diz ao garçom :

          - Traga uma das de Luiz Proto.

         A expressão surgiu porque durante muitos anos no conhecido e bem frequentado bar de Toinha Bo’água a cerveja mais gelada era guardada especialmente para o comerciante Luiz Proto de Morais. Amante de serenatas e serestas o próspero empresário curtia a vida boêmia com elegância e simpatia.

        Certo domingo, no início da década de setenta, cedo da manhã, o empresário caminhava pela calçada de sua casa, fumando um cigarro, quando o vizinho José Alves de Lima, Zé de Ginu, se aproximou e reclamou da Le Bizu, local de tertúlias onde a mocidade curtia os ritmos dançantes da jovem guarda:

        - Luiz Proto, Várzea Alegre sem autoridade. Eu acho que vou me mudar pra Varjota. Você conseguiu dormir com o barulho?

         O empresário deu um trago profundo no seu cigarro, olhou para o vizinho e falou:

        - Zé de Ginu, quem é do mar não enjoa.



Colaboração: Doutor Rolim

(imagem Google)

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

312 - O NOVO CUNHADO





            No início da década de setenta, dos cunhados de Antônio Ulisses, apenas Francisco Pinheiro Bezerra, extensionista da antiga ANCAR*, conseguia acompanhá-lo com desenvoltura nas mesas de bar. Os metódicos e disciplinados comerciantes Luiz Cavalcante e Sergio Pimpim ainda se atreviam, mas raramente bebiam mais que dois ou três copos de cerveja.

        Em 1971, chegou a Várzea Alegre José Macedo de Santana, à época iniciando namoro com Maria Zélia. Desde o primeiro momento, Macedo, empregado do grupo Edson Queiroz em Fortaleza, se mostrou gentil, simpático e disciplinado. O desarrumado Antônio Ulisses logo desconfiou que o novo cunhado, que já amanheceu limpo, penteado e bem vestido, também não seguiria seu ritmo.

         Mesmo assim, pela manhã, Antônio Ulisses e Pinheiro convidaram Macedo para dar uma volta e conhecer a pequena cidade cearense. Depois do rápido city tour, os guias e o visitante decidiram tomar uma cervejinha no bar de Zé de Zuza. O simples aperitivo para a refeição se tornou uma alegre e descontraída folia. Em vez de uma garrafa os três beberam mais de uma grade, esquecendo o almoço programado para recepcionar o novo cunhado.

          Já à noite, com Macedo completamente ambientado, sem camisa, dançando e cantando em volta da mesa, Antônio Ulisses, com satisfação, comentou com Pinheiro:

          - Esse é dos nossos!!!!



* antigo órgão de assistência e extensão rural sucedido pela atual EMATER

Colaboração: José Macedo de Santana

(imagem Google)

domingo, 16 de janeiro de 2011

311 - O BANCO DE DIRCEU



          Por muitas décadas do século passado o próspero empresário Dirceu de Carvalho Pimpim trabalhou como usineiro de algodão em Várzea Alegre. Com a mesma desenvoltura, também desempenhou atividades na agricultura e no comércio da região centro-sul cearense.

           Certo sábado, em seu antigo escritório da Rua Major Joaquim Alves, onde também praticava a agiotagem, compareceu um cidadão e lhe pediu quinhentos mil réis emprestados.

          O Coronel Dirceu precisava de um prazo para colher informações sobre a capacidade de endividamento e de pagamento do novo cliente. Cauteloso, o comerciante combinou:

          - Passe na segunda que o dinheiro já vai trocado.

          No dia avençado o interessado não veio, retornando ao escritório somente na quarta-feira. Como nesse intervalo descobriu a fama de mau pagador do cliente, o empresário, sem constrangimento,  negou o empréstimo, dizendo:

           - Se pra pegar o dinheiro você atrasou dois dia. Avali quando fosse pra resgatar a promissória.



Colaboração: Paulo Danúbio Carvalho Costa

(imagem Google)

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

310 - RAPADURA DOCE



         No fim da década de sessenta, Antônio Ulisses iniciou namoro com uma jovem de um sítio localizado perto da cidade de Várzea Alegre. Nos primeiros dias do relacionamento, em um começo de noite, o cearense resolveu visitar a namorada.

         Amante de uma boa prosa e cheio de histórias para contar, Antônio Ulisses sentou na calçada da casa do sogro e se danou a conversar com todos da família. O papo fluiu e o visitante nem percebeu a hora passar. Já tarde da noite, o pai da namorada, bocejando, disse que precisava se deitar e educadamente ofereceu dormida ao novo genro.

        Uma limpa e cheirosa rede foi armada no armazém ao lado da casa. Antes de se recolher, Antônio Ulisses foi ao pote e bebeu vários canecos com água. Não houve como conter a sede. Provara bastante da rapadura servida na hora da agradável conversa.

         O sol ainda raiava, quando Antônio Ulisses acordou e percebeu que o temido acontecera. Mijara durante o sono e uma grande poça se formou no piso embaixo da rede. Tentando modificar a reprovável cena, usou o lençol para enxugar o chão. Desconfiado, sequer esperou pelo café. Pulou a janela do armazém e partiu sem se despedir da namorada e de sua família.

         Dias após, na cidade, Raimundin Piau, interessado em uma das irmãs da namorada do amigo, convidou:

         - Ei Antônio Ulisses, vambora na casa das meninas hoje na boca da noite?

          Ainda decepcionado com a inoportuna recaída da sua incontinência urinária, Antônio Ulisses, que não mais voltou à residência da namorada, respondeu:

          - Raimundin, num vou não. A rapadura de lá é doce demais. Dá uma mijadeira danada.



(imagem Google)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

309 - ELEGÂNCIA DA CAPITAL



         No início do século passado, como em todas as pequenas cidades, Várzea Alegre vivia em completo isolamento. Os velhos e tradicionais hábitos só sofriam abalo quando alguns raros visitantes traziam novidades da moda ou do comportamento.

          Na década de vinte, minha avó Maria Amélia e suas amigas se impressionaram com uma jovem que chegara de Fortaleza. Além de usar belas roupas e calçados modernos, a moça andava de uma forma nunca vista pelo interior cearense.

       Não tardou para que minha e todas as amigas copiassem a original maneira de caminhar da visitante. Rosa Gonçalves, conhecida como “Dosa”, ao ver sua filha com uns passos estranhos, perguntou:

         - Maria Amélia, por que você tá andando assim?

         - Mamãe, agora na capital as moças andam desse jeito. A senhora não viu a menina que veio de Fortaleza?

          - Minha filha, aquela moça levou uma queda da rede e ficou manca. Cachinga desde pequena.



Colaboração: Terezinha Costa Cavalcante

(imagem Google)

domingo, 9 de janeiro de 2011

308 - VERÃO PERMANENTE



         No sertão nordestino, mesmo com sol escaldante o ano inteiro, criamos o hábito de nos queixar do calor. Como se houvesse uma estação fria, toda hora falamos ou escutamos reclamações sobre a constante e alta temperatura:

          - Eita calor desgraçado!

         - Urubu voando com uma asa e se abanando com outra.

         - O sol de rachar!

        Certa tarde, no mês de novembro, em meio a uma longa estiagem, o vendedor Zé de Dairo do Coité chegou à cidade cearense de Várzea Alegre e ouviu muitas reclamações da quentura. Ironizando os constantes protestos sobre o sol escaldante, o vendedor varzealegrense disse:

         - Hômi, quente é no Juazeiro. Hoje eu fui entrando na cidade e quando olhei pra cima tava a estátua de Padin Ciço se abanando com o chapéu.


Colaboração: Fátima Morais

(imagem Google)

sábado, 8 de janeiro de 2011

307 - A DISCIPLINA DA BURRA



          Na década de 80, com as constantes falta d’água nas torneiras de Várzea Alegre, o agricultor Zé de Lula decidiu ganhar uns trocados, distribuindo o precioso líquido. Para tanto, adquiriu uma carroça-pipa e negociou com Chico Piau uma burra para puxar o rudimentar meio de transporte.

        Na negociação, mesmo com a burra tentando morder e dar coices em Zé de Lula, Chico Piau elogiou bastante o animal, dizendo ser mansa, boa de marcha e apropriada para o serviço.

         No mesmo dia, Zé de Lula, com dificuldade, conseguiu prender a burra na carroça, encheu a pipa no cacimbão de Zé de Ginu e saiu para distribuir água pela cidade do sertão cearense. Logo ao entrar na Rua dos Perus, o velhaco animal se assustou com a buzina de um Jipe, deu marcha ré e tombou com a carroça na calçada de Fransquin Crente, amassando e estourando a pipa de zinco e derramando toda a água.

          Decepcionado com o prejuízo, Zé de Lula procurou Chico Piau para contar o ocorrido e reclamar do negócio. O espirituoso vendedor do animal ouviu atentamente o comprador e disse:

         - , eu esqueci de falar que você precisava vestir uma farda.

         - Valha e é pra que? – estranhou, Zé de Lula.

         - É porque essa burra eu comprei de um sargento lá em Souza, na Paraíba. Ela só obedece a quem tá fardado.


Colaboração: Daniel Rocha

(imagem Google)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

306 - CABEÇA DE PORCO



         Até mesmo para famosos matemáticos, há certa dificuldade na operação salomônica de “repartir com arte sem ficar com a maior parte”.

         Certa manhã, na década de noventa, em seu Sítio Santa Rosa, próximo à sede do Município cearense de Várzea Alegre, o corretor de algodão Antônio Ulisses pediu ao morador José Airton (Doda) que matasse um porco. Em retribuição ao serviço extra, caberia a Doda, como sempre, a cabeça do animal.

           Concluída a trabalhosa matança e preparação do porco, o morador do sítio foi entregá-lo ao patrão, e comentou:

           -Seu Antôi, eita bacurin miúdo!

          Percebendo que o jovem e esperto morador avançara em sua parte, pois dividira o animal muito abaixo da cabeça, o sagaz e irreverente Antônio Ulisses ironizou:

          - É Doda, pequeno e cabeçudo que só cearense. E do jeito que você cortou é mais vantajoso eu ficar com a cabeça e você com o corpo.



(imagem Google)









quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

305 - TOLERÂNCIA POLÍTICA





           Um dos maiores e mais árduos desafios do ser humano é conviver com diferenças políticas, sociais, culturais, e religiosas. Para tanto, cada pessoa precisa aceitar as formas de pensar diferentes dos outros.

           Em Milagres, sertão cearense, como em toda pequena cidade do interior brasileiro, as disputas políticas são ainda mais acirradas. O clima divergente da eleição, do confronto de idéias e posições, permanece por muito tempo após o pleito.

         Naquele município do sul cearense, o comerciante Luiz Alberto, de apelido Lula, encontrou uma maneira de evitar os embates e as diferenças políticas. Em seu bar, no centro da cidade, adversário não entra. Nem adianta insistir, pois no botequim de Lula só é permitido o ingresso de correligionários.

           Já a professora Lucélia, irmã de Lula, desenvolveu uma maneira menos radical para tolerar a presença de alguns adversários. Ao se deparar pela rua com um dirigente do partido oposto, especialmente o atual prefeito, a professora fecha os olhos e segue caminhando. Só volta a abrir quando imagina que o adversário já sumiu de seu campo de visão.


Colaboração: Rosa Amélia Costa Macedo
(imagem Google)





quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

304 - PSICOLOGIA DA COBRANÇA



         Os modernos especialistas ensinam que é fundamental conhecer o perfil do devedor para que a abordagem e a cobrança sejam a mais produtiva possível.

          Em Várzea Alegre, sertão cearense, na década de 1980, o corretor de algodão Antônio Ulisses também fazia experiências com os seus devedores. Sentados na calçada alta do escritório, o corretor e o ferreiro Chico Basil, durante todo o dia, observavam o movimento de pessoas pela Rua dos Perus. Quando por ali passava algum devedor do escritório, o corretor, sentado na sua cadeira de balanço, dizia ao inseparável amigo:

           - Chico, olha só quem tá passando aí. Me deve algodão da safra de 77. Veja se ele lembra da conta e olha pra mim...

         Com a visão de seu olho sadio, Chico Basil acompanhava toda a caminhada do devedor pela outra calçada da rua. Só quando perdia o mau pagador de vista, o irreverente ferreiro falava ao ansioso corretor:

          - Eita, seu Antôi, bote essa conta no cofre das almas. O veaco subiu a ladeira assubiando e não espiou pra você nem com o rabo do oi.



Colaboração: Jonas Moraes

(imagem Google)

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

303 - PRECONCEITO NATALINO



         Em um fim de ano da década de oitenta, Maria Laís Iolanda Costa, à época primeira dama de Várzea Alegre, convidou Antônio José de Souza, músico conhecido como Pelé, para representar o Papai Noel nas festas natalinas da cidade cearense.

        Mesmo envaidecido com o convite da dinâmica primeira dama, Pelé relutou:

         - Dona Lolanda, esse negócio num vai dá certo. Onde já se viu um Papai Noel pretin assim que nem eu?

        Por fim, Pelé aceitou e, com as vestimentas tradicionais do bom velhinho, iniciou sua atuação pelas escolas do município. Contrariando as expectativas do músico, as apresentações no Colégio São Raimundo Nonato e na escola Antão Bitu do Sanharol ocorreram normalmente.

        As comemorações natalinas se encerraram no Centro Social Urbano, onde crianças carentes aguardaram a chegada do simpático velhinho. O suado Papai Noel, com um saco cheio de presentes, entrou no ambiente festivo correndo e gritando:

        - Rô, rô, rô, rô...

       Quando enxugou o suor do rosto e levantou os olhos, Pelé estranhou o silêncio no agora vazio salão. Não restou uma única criança no recinto. Todas correram desesperadas, entre elas um dos filhos do Papai Noel.



Colaboração: Antônio José da Silva (Pelé)

(imagem Google)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

302 - BANHO NA CAPITAL



        O empresário Samuel Holanda contratou e levou o varzealegrense de apelido Bonitin para pintar sua casa em Fortaleza. Em uma semana de intensivo trabalho, o eficiente pintor concluiu seu trabalho na capital alencarina.

         Logo que voltou para Várzea Alegre, Bonitin passou a ligar insistentemente para o conterrâneo Samuel. Diversas chamadas foram feitas para o escritório, residência e número do telefone móvel do empresário varzealegrense. No entanto, não foi fácil o contato com o ocupado Samuel. Depois de vários dias de insistência, finalmente o pintor recebeu uma ligação do empresário:

         - Bonitin, recebi seu recado, eu tava viajando. Tudo certo ou fiquei devendo a você?

          - Nada não, dotô Samuel. Tá tudo pago. Quando o senhor vem na Várzea Alegre?

         - Vou no carnaval, se Deus quiser. Por que, Bonitin?

          - Esqueci aí na capital meu sabonete senador. Ainda tá na metade. Traga pra mim, dotô?



Colaboração: Kleber Dackson (Manin de Saraiva)

(imagem Google)

domingo, 2 de janeiro de 2011

301 - ORAÇÃO AOS MORTOS



         Fernando de Zé de Zacarias trata-se de um dos muitos cearenses que migraram em busca de novos horizontes pelo Brasil afora. Nascido em Várzea Alegre, o veterinário, político e perito, construiu sua vida profissional no novo e progressista Estado do Tocantins.

        Bastou um rápido e animado encontro de fim de ano em nossa cidade natal, para o simpático amigo de infância nos brindar com várias e interessantes histórias.

       Fernando contou que, em um dia de finados, no fim da década de 90, sua querida esposa Verônica parou em frente a uma agência bancária de Tocantinópolis, ajoelhou-se, e, de mãos postas, começou a rezar.

       Um homem que passava, estranhou a cena e alertou:

        - Senhora, aí não é o cemitério. É um banco.

        - Eu sei senhor, eu sei que é. Mas é porque meu marido tá enterrado até o pescoço aí dentro desse Banco - respondeu a dedicada esposa do à época endividado mas sempre bem humorado varzealegrense.


 
Colaboração: Fernando de Zé de Zacarias

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sábado, 1 de janeiro de 2011

300 - A REMUNERAÇÃO DE PELÉ





         No final da década de 90, Antônio José de Souza, conhecido músico varzealegrense de apelido Pelé, recebeu convite para acompanhar o cantor e compositor cearense Neo Pi Neo em uma turnê pela região sudeste do Brasil.

        Como também era servidor público municipal, para regularizar o afastamento, Pelé recebeu orientação de Francisco Alves Bezerra(Talvan), à época responsável pelo setor de pessoal da prefeitura de Várzea Alegre:

        - Pelé, pra essa viagem você pode tirar uma licença sem remuneração.

        Com pouco conhecimento na área administrativa, o simpático e extrovertido trompetista indagou:

        - E é bom sem essa remuneração?

        - Claro que é. Do jeito que você precisa – finalizou Talvan.

       Com a licença rapidamente concedida, Pelé viajou despreocupado e passou cerca de três meses tocando na banda do Neo Pi Neo. No entanto, o serviço extra não rendeu ao músico o dinheiro esperado, mal cobrindo as despesas do período.

        Ao retornar, Pelé se dirigiu imediatamente ao banco para sacar os salários acumulados nos meses da viagem. Porém, para sua surpresa, seu saldo era negativo. Decepcionado, da casa bancária o músico seguiu direto para o departamento de recursos humanos da prefeitura, onde reclamou:

       - Talvan, você num me disse que a licença sem a tal de remuneração era boa? Fui no banco e num tinha nadinha meu lá.

      - Claro que não podia ter, Pelé. A licença sem remuneração é sem vencimento, é sem salário – explicou o funcionário.

      - Vixe. E é? E eu achando essa palavra bonita, certin que sem remuneração era “sem preocupação”.



Colaboração: Antônio José de Souza(Pelé)

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