quarta-feira, 16 de outubro de 2013

804 - O CATABI E O MUCUMBU



Em um fim de tarde de domingo da década de 1970, na carroceria de um caminhão, o corretor de algodão Antônio Ulisses, o comerciante Alberto Siebra e várias outras pessoas voltavam de um divertido passeio à barragem do Riacho do Machado, situada no sítio Cachoeira Dantas, em Várzea Alegre.

Naquela época, a maior parte da rodovia de acesso ao movimentado balneário não possuía pavimentação asfáltica e o veículo lotado seguia de um lado para outro da estrada desviando dos buracos.

Em determinado momento do trajeto, o velho caminhão passou por uma ondulação da via, provocando um enorme solavanco e sacudindo os passageiros. Após se recuperar do susto,  Antônio Ulisses comentou:

-Eita catabi* grande!

Alberto se arrumou no assoalho da carroceria,  sentando-se apenas com um lado da bunda, e afirmou:

- Deixou o mucumbu** doeno...

Conhecendo a espirituosidade e a irreverência do amigo, Antônio Ulisses perguntou:

- Alberto, e onde é o mucumbu?

O simpático comerciante, buscando sentar-se em uma posição mais confortável, disse:

- E tu num sabe Antônio Ulisses? Pois é o osso do cu de empurrar bosta...

(imagem Google)

*segundo o dicionário informal, catabi é o nome popular do quebra molas.
** mucumbu, conforme o mesmo dicionário, é um termo regional do Estado do Ceará que identifica o osso terminal da coluna vertebral, o cóccix. 

domingo, 13 de outubro de 2013

803 - TELEFONE GRAMPEADO (Pedra de Clarianã há dois anos)




Atualmente no Brasil há muito mais celulares que habitantes. A telefonia móvel invadiu o país, permitindo a comunicação rápida  entre pessoas de diferentes e distantes regiões. 

Mas nem sempre houve tanta facilidade. Quando na década de oitenta morei em Fortaleza, minha querida avó Maria Amélia mantinha o seu movimentado apartamento com os parcos proventos de professora aposentada. Com muita economia, equilibrava o orçamento doméstico e ainda guardava uma reserva.

Entre as várias despesas controladas se destacava o gasto com o telefone. Para limitar as ligações, o antigo aparelho permanecia bloqueado com um cadeado afixado no disco. A chave permanecia no bolso do vestido da simpática e esperta velhinha até quando ela dormia.

Certo dia, saí cedo da manhã para o colégio e de lá segui para o campo de futebol. Me entreti com os amigos e perdi a hora. Só voltei para a casa já proximo ao final da tarde. Ao chegar, fui recebido à porta com a reclamação da minha avó:

Flavin, eu fiquei muito preocupada, onde você tava esse tempo todo? Eu já ia fazer uma carta contanto tudo pro seu pai...

Mesmo conhecendo o rígido controle do telefone de minha querida avó, me surpreendi:

- Vovó, nem para avisar que eu tava sumido a senhora ia gastar um interurbano pra Várzea Alegre....


(imagem Google)

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

802 - A LIÇÃO DE COQUIN






Nos dias de hoje, mesmo com o avanço nas lutas contra o preconceito e com o reconhecimento de direitos, se assumir como homossexual continua sendo um processo difícil para muitas pessoas.

Na década de 1970, em Várzea Alegre, sertão cearense, eram poucos os homossexuais declarados. Um deles, de apelido Coquin, não sofria discriminação apenas por sua orientação sexual. Além disso, padecia por ser velho, negro, pobre e alcoólatra.

Certa tarde, eu e um grupo de amigos jogávamos bola na pequena praça onde é hoje o Calçadão Antônio Alves Costa, quando ali passou o cambaleante homossexual. Eu e os demais colegas nos aproximamos do velho homem e passamos a pertubá-lo, dizendo:

- Coquin baitola, Coquin viado, Coquin fresco...

 Acossado pelos meninos, Coquin se desequilibrou e caiu na sarjeta da calçada do Bar de Alberto. Quando nos aproximamos ainda mais para continuar os insultos, o velho homem se levantou com dificuldades, limpou  o rosto com a mão e advertiu:

- Vocês faz pouco de Coquin, mexe com Coquin, judeia com Coquin... Só que qualqué um pode ter um fii, um neto, um irmão, um sobrin, com o mermo gosto de Coquin...

(imagem Google)


domingo, 6 de outubro de 2013

801 - O DÓLAR FURADO




Nos últimos dias, o cinema mundial perdeu, vítima de acidente automobilístico, aos 75 anos de idade, o ator italiano Giuliano Gemma, protagonista de inesquecíveis clássicos do chamado westerns spaghetti, como O Dólar Furado, filmado em 1965.

Na década de 1970, em Várzea Alegre, a garotada vibrava com a pontaria, a agilidade e o carisma dos personagens imortalizados por Giuliano Gemma e vistos na grande tela do cine Alvorada, dos irmãos Raimundo e Zé de Borgin.

Após a sessão, os meninos da pequena cidade cearense deixavam o cinema da antiga Rua Major Joaquim Alves se imaginando o próprio Ringo, um dos mais famosos tipos interpretados pelo ator italiano.

Municiados com a fantasia da idade e estimulados pelas histórias mostradas na grande tela, os garotos seguiam para suas casas pela estreitas e irregulares vias de Várzea Alegre propondo ingênuos duelos em que os revólveres eram as próprias mãos e o dedo indicador servia como o cano da arma.

Com o sopro na ponta do dedo, o mais ágil dos meninos comemorava a rapidez no saque da arma imaginária e perpetuava em suas lembranças o sucesso dos filmes de faroeste que marcaram a infância de todos que viveram a época de ouro do Faroeste e do inesquecível Cine Alvorada.

(imagem Google)