domingo, 8 de setembro de 2013

793 - SERVIÇO DE ALTO-FALANTE




Na segunda metade do século passado, em Mangabeira, sertão cearense, o serviço de som tocava músicas, divulgava notícias e fazia a publicidade dos negócios do simpático distrito cearense. Além disso, era através daqueles alto-falantes que os rapazes do lugar mandavam recados para suas pretendentes.
 
Em um domingo da década de 1970, um garoto se dirigiu ao Mercado onde funcionava o modesto estúdio da amplificadora e trouxe um pedido para tocar a música Pedaço de Morena, do cantor potiguar Elino Julião. Em seguida, entregou um bilhete com o recado para ser lido pelo locutor: “OX oferece essa musca pra morena de vestido incarnado”.

O curioso locutor perguntou:

- E quem é OX ?

O menino se aproximou do responsável pela locução da amplificadora e, com a mão na boca e em voz baixa, respondeu:

- Ele num qué que diga não, mas foi Ontõe Xofé que mandou o biête...


Colaboração: Ronaldo Lima
(imagem Google)

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

792 - O SAPATO DO SETE DE SETEMBRO



     Minha avó materna Maria Amélia nutria fervoroso amor à Pátria e buscava transmitir esse sentimento aos seus inúmeros filhos. Cultuava os heróis, respeitava os símbolos e comemorava as datas nacionais.

     Em 1951, na pacata Várzea Alegre, minha mãe Terezinha estudava no Grupo Escolar, atual Escola José Correia Lima, e se preparava para o desfile cívico em homenagem à independência do Brasil que ocorreria no dia 7 de setembro.

   Naquela época os parcos recursos não possibilitavam melhor vestir e calçar os numerosos membros da família. A saia da farda da pequena estudante estava bastante desbotada, mas minha avó, mesmo sem prática na tinturaria, cuidou de  tingi-la. A aluna também estava sem calçado, por isso minha avó tomou emprestado os sapatos novos que vira Julinha, esposa de seu primo Valdimiro, usando na igreja.

    No dia esperado, Terezinha saiu com a saia manchada e calçando o sapato de Julinha, com numeração bem superior a usada pela menina. Para melhor acomodar os pequenos pés da estudante, minha avó encheu os sapatos com algodão.

     Mas nada disso diminuiu o orgulho da pequena aluna do Grupo Escolar em participar das comemorações pelo Dia da Independência. Ao contrário, a menina Terezinha chinchelou* o sapato, ajustou a saia e marchou pelas ruas da pequena cidade do interior cearense. 

     No dia seguinte ao desfile, a menina foi obrigada pela mãe a devolver o sapato que tomara emprestado.  Ainda hoje Terezinha não sabe qual a reação da dona ao ver o calçado novo bastante amassado. Pois, em vez de entregar diretamente, a tímida garota, ciente do estrago que causara, deixou o par de sapato atrás da porta de entrada da residência de Julinha e voltou correndo para casa.  

* no sertão nordestino, "chincelar" significa pisar na parte posterior do calçado

Colaboração: Terezinha Costa Cavalcante
(imagem Google)   

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

791 - CERTIDÃO DE NASCIMENTO (Pedra de Clarianã hå dois anos)



Recentemente, Ronaldo Nazário, o nosso fenônemo do futebol, protagozinou uma peça publicitária sobre a importância do registro de nascimento. Patrocinada pelo governo federal, a campanha visa garantir que crianças e adultos possuam o registro de nascimento. 

Se ainda hoje, com maior acesso a  informações, existem milhares de pessoas sem registro, imagine há cerca de setenta anos no sofrido sertão nordestino.

Em um fim de tarde da década de trinta, depois de um dia de estafante trabalho, uma casal da zona rural de um pequeno município cearense conversava na calçada da sua modesta residência quando um dos seus vários filhos apareceu na porta.

A agricultora, amamentando uma filha no colo, referindo-se ao garoto seminu que surgira na entrada da casa, perguntou ao marido:

- Zezin tá dento dos cinco anoNum tá na hora de ir na rua*  tirá o documento desse mininu ?

O modesto agricultor, pitando um cigarro de fumo, lembrando-se com tristeza de outro filho que morrera dois anos antes, sugeriu:

- Carece não, muié.  Rumbora aproveitar o registro de chiquin que pegou quebranto* e morreu ano retrasado.


* ir na rua é o mesmo que ir à cidade, á sede do município.
* Quebranto tambem siginifca estado mórbido atribuído pela crendice popular cearense ao mau-olhado.
(imagem Google)

sábado, 31 de agosto de 2013

790 - OS MENINOS DO PARQUE MAIA




Durante os dez últimos dias do mês de agosto, em Várzea Alegre, vive-se o animado período da festa do padroeiro São Raimundo Nonato. Enquanto os adultos participam dos eventos religiosos e circulam pelas barracas do arraial, as crianças acompanham a movimentação do parque de diversões que se instala na cidade cearense. O sonho da meninada dura até o dia 31, quando começa a rápida, triste e angustiante desmontagem da pesada estrutura.

No final da década de 1970, os meninos Júlio Bastos Leandro, Geraldo Leandro Filho e Fernando de Zé de Zacarias moravam na antiga Getúlio Vargas, uma das ruas onde o tradicional Parque Maia* era montado. Sem dinheiro, passavam os dias e as noites de festa circulando pelo “carrossel”, buscando uma forma alternativa de “rodar” nos brinquedos.

Uma vez, cedo da manhã, os garotos cataram do chão os bilhetes usados e rasgados na noite anterior e colaram com  grude de goma. Mas os atentos funcionários do parque descobriram facilmente a grosseira montagem.

No mesmo ano, em uma noite movimentada, encostados à grade, os meninos da Getúlio Vargas conseguiram abrir um pouco as barras de ferro e acessar o brinquedo conhecido como Cavalinho pela alargada brecha do gradil. O primeiro a entrar clandestinamente, Geraldo Filho, montava alegremente em um dos animais de madeira, quando Fernando alertou:

- Geraldo, bora voltá, seu irmão Julin ficou com cocão inganchado na grade...


* Parque de diversões que, junto com o Parque Lima, por várias décadas, montou seus brinquedos em Várzea Alegre.

Colaboração: Júlio Bastos Leandro
(imagem Google)

terça-feira, 27 de agosto de 2013

789 - APOSENTADORIA DE CHICO BASIL





 
Os moradores da pacata cidade de Várzea Alegre, especialmente os fiéis frequentadores da antiga Rua dos Perus, atual Coronel Pimpim, adoravam ouvir as infindáveis histórias do ferreiro Chico Basil

Por vários anos, todos os dias, nas suas inúmeras passagens pela movimentada rua, o velho ferreiro encontrava grupos de amigos e narrava uma situação pitoresca vivida por ele ou talvez criada por sua fértil imaginação.

Certa vez, Chico contou que viajara ao vizinho município de Iguatu para encaminhar o seu pedido de aposentadoria rural. No balcão de atendimento, o funcionário do instituto de previdência, após analisar a documentação do ferreiro, com uma dose de frieza burocrática, questionou:

- Seu Francisco, o senhor só pode pleitear a aposentadoria rural se provar que trabalha no campo. Qual a sua ligação com o meio rural?

O velho ferreiro, apertou o olho cego, esfregou as mãos entre as pernas e disse:

- Eu boto o povo praí pra roça na vazalegre...

- Como assim, seu Francisco? Indagou o intrigado servidor da previdência.

Chico Basil completou:

- Sou eu que bato o ferro na brasa, amolo o facão e faço a enxada pru mode eles levá pra roça...


Colaboração: Paulo Roberto Bezerra Bitu
(Imagem Google)

domingo, 25 de agosto de 2013

788 - AULA VAGA





Nasci em Várzea Alegre, sertão cearense, mas, no início da década de 1980, me mudei para Fortaleza, onde cursei o segundo grau, atual ensino médio, no tradicional Colégio Cearense Sagrado Coração.


Certa manhã, um dos professores faltou e, para nossa tristeza, o rígido e antipático coordenador foi substitui-lo. Para ocupar o espaço ocioso, propôs aos inquietos alunos que compusessem versos usando as últimas palavras da estrofe do soneto O Vinho de Hebe do poeta parnasiano Raimundo Correa:  


Quando do Olimpo nos festins surgia

Hebe risonha, os deuses majestosos

Os copos estendiam-lhe, ruidosos,

E ela, passando, os copos lhes enchia...


         Vários colegas compuseram belas e românticas poesias e até hoje não entendo porque a minha foi a mais votada da sala. Ganhei o prêmio e adquiri a permanente vigilância e "simpatia" do carrasco servidor da escola, com os despretensiosos versos:


Ao longe o coordenador surgia

Com ares de arrogância e majestosos

E a turma de alunos ruidosos

Agora de raiva se enchia…


(imagem Google)