terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

120 - RETIRO MOMINO





          Na década de oitenta, o Clube Recreativo de Várzea Alegre – CREVA – promovia quatro bailes de carnavais. A folia, iniciada nos desfiles matutinos de irreverentes blocos e organizadas escolas de samba, culminava com os concorridos eventos noturnos do tradicional clube da cidade cearense.

         Contudo, no ano de 1987, o jovem bancário Júlio Bastos, após certa resistência, aceitou o convite de Dalva e foi passar os feriados mominos em Fortaleza. Na verdade, Dalva pretendia afastar seu querido irmão dos ambientes festivos. Júlio andava exagerando no consumo de bebida alcoólica, preocupando bastante sua família.

          Desse modo, para tranqüilidade dos seus pais, naquele ano, o bancário fugiu da agitação, curtindo programas alternativos e saudáveis na capital alencarina. Porém, como trabalharia a partir do meio-dia da quarta-feira de cinzas, na noite de terça viajou de volta.

          Às quatro horas da madrugada chegou a Várzea Alegre. Já em casa, se preparando para dormir, Júlio escutou os acordes dos Originais do Frevo vindos do CREVA: taran, taran, taran, taranranranran. Foi o suficiente para despertar a vontade de ver os últimos momentos do baile final daquele ano. Contra a vontade da cuidadosa Delmir, Júlio falou:

         - Mãe, se preocupe não, tá no finzin. Vou só dar uma espiadinha.

         Na entrada do clube se deparou com sua namorada agarrada a outro rapaz. A cena aguçou ainda mais a vontade de tomar um gole. Não bastasse, a orquestra tocava “oh, quarta-feira ingrata, chegou tão depressa...” O folião retardatário rumou direto para o bar e pediu:

        - Zé de Zuza, uma dose dupla pra mim.

        Após o primeiro gole seguiram muitos outros. Acabou o baile, findou o carnaval, e Júlio não retornou para casa. Raiou o dia pelos bares da cidade. Às onze da manhã, foi visto descalço e sem camisa pulando em cima do caput de uma velha rural. Naquela quarta-feira de cinzas não foi trabalhar.

        Depois de alguns anos Júlio felizmente conseguiu vencer as armadilhas do álcool. Neste Carnaval, em uma mesa de animado botequim, o bancário, com brilho nos olhos, falou para os amigos:

          - Faz dezoito festas de agosto* que eu não bebo.




* período festivo do mês de agosto em homenagem ao padroeiro de Várzea Alegre, São Raimundo Nonato.



Colaboração: Júlio Bastos

domingo, 14 de fevereiro de 2010

119 - PERDENDO O AMIGO





            A sabedoria popular ensina que ao emprestar dinheiro a um amigo o prejuízo torna-se praticamente inevitável. Como na maioria das vezes não há como negar, perde-se em dobro: o dinheiro e o amigo.

            Em Várzea alegre, no interior cearense, o saudoso Francisco das Chagas Bezerra, com seu bom senso e bom humor, sempre contornava com esperteza esses delicados momentos. Certo dia, Chico Piau, como popularmente conhecido, estava em sua casa quando foi procurado por um velho amigo com uma solicitação de empréstimo:

           - Me arrume cinqüenta reais, Chico. É só por um dia, amanhã eu pago a você.

           Chico Piau, com sua invejável capacidade de reação, respondeu de imediato:

           - Hômi, seno assim passe por aqui amanhã.



Colaboração: Jonas Moraes

(imagem) Google)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

118 - DIETA PERFEITA






             Os conceitos giram e mudam junto com o planeta. E em matéria alimentar essas mudanças acontecem ainda mais constantemente. Uma comida ou bebida deixa de ser ou se transforma em vilã de uma hora para outra. Um dos exemplos observa-se no velho ditado “sai de mim abacaxi que eu tomei leite”, sentença popular desmoralizada nos últimos anos. Hoje o suco da fruta tropical fica ainda mais saboroso e saudável quando misturado ao leite.

         No final da década de setenta, Sérgio Pinto de Carvalho, conhecido comerciante de Várzea Alegre, foi se consultar com um famoso médico em Fortaleza. Como os exames reveleram pressão arterial um pouco elevada, o experiente profissional receitou alguns medicamentos. Preocupado, o paciente perguntou:

         - Dotô até quando eu vou precisar tomar esses remédios da pressão?

          - Tome até a missa de sétimo dia. – respondeu o médico.

           - E a dieta, dotô?, O que é que eu posso comer?

           - Coma tudo. E o que ofender você não coma mais.


(imagem Google)

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

117 - BARBEARIA






           Os estabelecimentos modernos, independente do ramo principal de atividade, oferecem aos clientes diversos produtos e serviços. Em um só lugar o consumidor encontra vários itens. Hoje, os supermercados comercializam pneus, as farmácias negociam chinelos, e os postos de combustíveis oferecem tudo, até gasolina.
 
          Por muitos anos, na cidade cearense de Várzea Alegre, a barbearia do espirituoso Vicente Cesário, estabelecida na antiga Rua Major Joaquim Alves, já oferecia vários serviços e produtos. No mesmo ponto comercial, além de cortar cabelo e fazer a barba, o cliente também tinha à sua disposição uma alfaiataria, cerveja gelada e o uso do banheiro.
 
         Certo dia, um represente comercial visitava alguns clientes da pequena cidade quando sentiu uma forte cólica intestinal. Suando frio, indagou onde havia uma privada disponível. Todos indicaram a barbearia de Vicente Cesário. Ali, o uso do precário sanitário, instalado em um piso inferior, possuía preço tabelado pelo conhecido proprietário do lugar. O banho custava dois cruzeiros; defecar, um cruzeiro; e, urinar, cinqüenta centavos.
 
         O visitante, por uma escada de madeira, desceu até o escuro subterrâneo da barbearia e, sob o olhar de alguns cururus nos cantos do úmido cômodo, aliviou-se na pouca higiênica retrete. Ao subir, o usuário se dirigiu ao dono da barbearia e foi logo pagando:

        - Senhor, tome aí um cruzeiro.
 
        - Conversa é essa. Me passe mais cinqüenta centavo. Você já viu um sujeito cagar sem mijar? – retrucou o barbeiro

 
(imagem Google)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

116 - O SACO DE MANGA





              Salomão, personagem bíblico anterior a Cristo, reinou sobre Israel durante cerca de quarenta anos. Ganhou notoriedade pela sua riqueza, reinado sem guerras e, especialmente, pela grande sabedoria. Sua famosa e iluminada decisão na disputa por um bebê entre duas mulheres que se intitulavam mãe da criança encontra registro na Bíblia, no livro de Reis, capítulo 3, versículos 16 a 28.

                O exemplo de paz e sabedoria salomônica espalhou-se pelo mundo. Em Várzea Alegre, pequena cidade do sertão cearense, no final da década de setenta, o comerciante José Gonçalves, conhecido como Zé Manga Mucha, recebeu de um freguês o presente de um saco de manga jasmim. Imediatamente, Zé chamou seu filho Josimar, conhecido por Mazin, e disse:

                  - Vá deixar esse saco de manga em casa.

                  Josimar retrucou, resmungando:

                 - É danado, por que pai não manda Jossian, que é mais velho?

                  Ao ser citado, Jossian logo se recusou a carregar o saco.

                - Pai, mande Josibel, pois eu tou ocupado.

               - ôxi, Mazin e Jossian não quis levar. Eu também não vou não. – disse Josibel.

              Como os três filhos se recusaram carregar o presente até sua casa, localizada bem próxima da bodega, o comerciante Zé Manga Mucha levantou a voz com rispidez e determinou ao filho Josimar:

             - Mazin, vá agora mesmo levar esse saco de manga em casa. Não quero conversa.

           Josimar dessa vez não argumentou. Sob o olhar severo do pai e percebendo o sorriso irônico dos irmãos, apanhou o saco e saiu em direção à sua casa. Quando o carregador retornou, o comerciante se dirigiu a Jossian e ordenou:

           - Vá agora lá em casa e traga o saco de Manga.

          Os filhos entranharam a determinação. Só se o pai não quisesse mais saborear a deliciosa fruta tropical. Porém quando o saco de manga voltou a bodega trazido por Jossian, seu Zé determinou a Josibel:

        - Agora você vá levar de novo o saco de manga lá em casa.




Colaboração: Josimar Caldas Bezerra, Mazin

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

115 - FÃ NUMERO UM


         



          Airton Senna emocionou torcedores do Brasil e do resto do mundo. O fantástico piloto conseguiu transformar a elitizada Fórmula Um em esporte de massa no país. É certo que as vitórias brasileiras começaram com Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet, mas a relação com o público tornou-se mais forte com o carismático Senna.

         Surgiram milhões de torcedores em todo Brasil. Até em Várzea Alegre a primeira categoria do automobilismo ganhou inúmeros fãs. Mas certamente nenhuma pessoa no mundo admirou tanto Airton Senna quanto o cabo reformado José Saraiva da Cruz. Não perdia a transmissão de nenhuma das corridas do ano, nem mesmo as acontecidas nos autódromos da Ásia oriental, cujo sinal chegava ao Brasil na madrugada.

         No fim da década de oitenta, em uma manhã de domingo da pacata Várzea Alegre, o cabo Saraiva se preparava para assistir a mais uma corrida do grande campeão quando ouviu um estrondoso trovão. O sinal da TV desapareceu. Bateu um desespero no torcedor, pois o horário da largada se aproximava e a televisão só chiava. Imediatamente resolveu ligar para o seu filho, Sargento Klécio Dawinson, que fazia um curso no Rio de Janeiro.

           Logo Saraiva e o seu filho descobriram uma maneira rápida de sanar a falta do sinal de TV em Várzea Alegre. Na Cidade Maravilhosa Klecin pôs o telefone na caixa de som da televisão para seu querido pai escutar em Várzea Alegre toda a narração da corrida.

           O torcedor ouviu tudo, inclusive as propagandas e os comentários do expert Reginaldo Leme. Só desligou o telefone depois que ouviu o famoso tema da vitória e a ansiada frase do narrador Galvão Bueno:

           - Airton Senna do Brasillllllllllllllllll...


Colaboração: Klébia Fiúza

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

114 - CAFÉ NO BULE





          Graças a Deus, Dona Benedita Gomes Fiúza, conhecida como Enedy, funcionária aposentada da Justiça Eleitoral, vem se recuperando de um problema de saúde.

        Em Várzea Alegre, Dona Enedy e seu esposo Delfonso mantém um agradável sítio no Baixio do Exu. Como o terreno rural fica bem próximo à sede do município, lá costumeiramente recebem visitas.

         Recentemente, bem cedo da manhã, ali chegou o espirituoso Carlin de Dalva, vizinho e amigo da família. Aproveitando-se da mesa do café posta, Carlin foi logo se servindo, comendo as tapiocas preparadas para a primeira refeição de Delfonso. Como o apetitoso visitante era de casa, dona Enedy reclamou:
 
         - Ei Carrin, o que é que faz aqui tão cedo? Num já acabou ontem a carroça que Delfonso encomendou?

        Mastigando a apetitosa tapioca e entre os goles do café quentinho, Carlin olhou para o filho de dona Enedy e falou:
 
       - Eduardo, tua mãe já tá boazinha, né ?

       - Por quê? - indagou Eduardo.

      - Porque ela já tá de novo com as piadinhas dos Fiúza.



Colaboração: Klébia Fiúza
(imagem Google)





domingo, 24 de janeiro de 2010

113 - MNEMÔNICA




        O professor Paulo Danúbio se mudou para Fortaleza desde o início da década de setenta. Mas, como a grande maioria dos varzealegrenses, adora passear em sua cidade natal. Todo feriado, folga ou férias viaja para Terra do Arroz.
 
        Quando ainda solteiro, o dinheiro curto nunca era suficiente para o longo período das férias em Várzea Alegre. Assim, Paulo deixava algumas contas penduradas com a promessa de mandar a quantia de Fortaleza pelo primeiro portador.
 
       Certa vez, já na capital alencarina, como sua mãe Maria Amélia viajaria para Várzea Alegre, pediu que ela levasse o dinheiro que ficara devendo a vários proprietários de bar. Um dos que mais recomendou o pagamento foi para Pingo, conhecido proprietário da Fina Flor, bar que por muitos anos funcionou no interior do mercado velho.
 
       Quando sua mãe retornou da viagem ao interior do Estado, ainda na rodoviária, Paulo perguntou:
 
       - Mamãe, a senhora pagou minhas contas?
 
       - Meu filho, paguei aos Cunés, Maria Araripe, Zé de Zuza, Toinha Boágua, só não consegui encontrar o tal de Gota.

 
(imagem Google)



sábado, 23 de janeiro de 2010

112 - CONTRAMÃO





        Só quando o homem abandonou os animais como meio de transporte para usar os veículos automotores surgiu a necessidade de regulamentação de sinais e de estabelecer outras normas de trânsito. Assim, as placas de “pare”, “contramão”, “proibido estacionar” e outras têm pouco mais de cem anos.
 
        As regras e punições surgiram inicialmente nas cidades maiores e mais ricas. Porém, como os carros e motocicletas invadiram o planeta, as pequenas cidades também precisaram organizar a circulação dos seus veículos.
 
         Recentemente algumas estreitas ruas de Várzea Alegre passaram a ter sentido único de trânsito, entre elas parte da Rua Coronel Pimpim, conhecida também por Rua dos Peru.
 
          Logo que houve a mudança, o agricultor e poeta popular Zaqueu Guedes subia em uma motocicleta pela Rua dos Peru quando foi abordado por um guarda de trânsito. Ao receber a informação de que não mais poderia seguir em frente, o extrovertido Zaqueu reclamou:
 
        - Só no Crato mesmo! Desde minino subo a ladeira da Rua dos Peru. Já passei aqui a pé, de jumento, bicicleta, trator e moto. É danado! Agora com oitenta ano no lombo num posso mais.


(imagem Google)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

111 - ARAMANAÍ




        Neste mês de janeiro de 2010, saindo de navio do Porto de Santana, Estado do Amapá, viajei com esposa, filhas, sogra e cunhada para Santarém, município do oeste paraense. A viagem inicia com a beleza do percurso pelo majestoso rio Amazonas – ou Solimões.

       Na chegada a Santarém, fomos muito bem recebidos pelo impressionante espetáculo do encontro dos rios Solimões e Tapajós. Suas águas teimam em não se misturar. De um mirante próximo à orla da cidade é possível observar os rios de cores diferentes correndo lado a lado.

       As praias de areia branca e as águas claras impressionam. O rio Tapajós pode não ser o rio mais bonito do mundo, mas certamente disputa as primeiras posições. Na região, são tantos os lugares interessantes que uma visita só é insuficiente pra conhecê-los: Alter do Chão, Ponta do Cururu, Serra da Piroca, Ponta de Pedras, Pajuçara, Aramanaí e várias outros.

       Em Aramanaí, Município de Belterra, me deliciei com a paisagem e com o tucurané na manteiga servido na beira do rio. Chamou-me atenção o nome do lugar. Um experiente pescador cuidou logo em me contar uma popular versão sobre a origem do nome da bela praia.

        Segundo o velho morador, um rapaz e uma moça, irmãos, caminhavam pela beira do rio Tapajós, retornando de uma festa em Belterra, onde beberam e comeram bastante. Chegando naquela praia, a moça se viu agoniada e perguntou ao irmão:

      - Mano, tou apertada. Onde eu posso mijar?

      O irmão, apontando para a praia que ganhou o nome, respondeu:

      - Ara mana aí.

(imagem Google)





sábado, 16 de janeiro de 2010

110 - INSÔNIA





        Segundo a Mitologia Grega, Hipnus era o Deus do sono. Vivia em silêncio na tranqüilidade de um palácio construído no interior de uma caverna escura, onde o sol nunca aparecia. O estudo desse mito grego demonstra que um ambiente adequado é fundamental para um sono reconfortante e restaurador.

        No início da década de setenta, minha querida mãe Terezinha sofreu uma crise de depressão e se tratou com especialistas em Fortaleza, onde morava sua mãe Maria Amélia. No período em que passou na capital alencarina dividiu um quarto da acolhedora casa com sua tia Rosália. As duas, mamãe e tia Rosália, sofriam com insônia, e raramente conseguiam dormir.

        Certa ocasião, depois de uma madrugada inteira sem pregar o olho, finalmente, quando já amanhecia o dia, minha mãe conseguiu cochilar. Tia Rosália, que também não dormira ainda, ao ver a companheira de quarto fechar os olhos, bateu no punho da rede e reclamou:

        - Terezinha, minha sobrinha, larga de ser mentirosa. Tu não disse que não conseguia dormir?

*Colaboração: Terezinha Costa Cavalcante





terça-feira, 12 de janeiro de 2010

109 - OUTRA PROFECIA




        Em certos anos a estação chuvosa demora ainda mais para começar no sertão nordestino. Tanto que até 19 de março, dia de São José, padroeiro do Ceará, os sertanejos esperam que o líquido precioso caia com abundância do céu.
 
       A angústia do nordestino se explica pelo transcurso demorado da estação seca. Quando chegam os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro, chamados borrobrós, o sertão seca e a cor cinza predomina na paisagem.
 
        Anos atrás, no final do mês de dezembro, depois de uma longa e sofrida estiagem, Mané Fôia, conhecido profeta e adivinho, foi convidado para apresentar suas previsões para o ano seguinte em um programa matinal da Rádio Cultura de Várzea Alegre. Sobre a próxima estação chuvosa mostrou pessimismo. Para tristeza dos ouvintes, o profeta varzealegrense previu que as primeiras chuvas só molhariam as terras do município lá pelo mês de fevereiro.
 
       Mas, depois de cerca de meia hora de previsões, quando o profeta deixou o isolado estúdio, a recepcionista da rádio foi logo falando:
 
      - Seu Mané, vou emprestar meu guarda-chuva pro senhor não se molhar . Lá fora tá caindo o maior toró, relampejando e trovoando.

 
Colaboração: Antônio Ênio Máximo de Menezes
(imagem Google)

domingo, 10 de janeiro de 2010

108 - MEDO DE AVIÃO




        Não é à toa que um grande número de pessoas receia viajar de avião. Embora o invento do brasileiro Santos Dumont seja um dos meios de transporte mais seguros e confiáveis, quando os acidentes aéreos acontecem ocupam enorme espaço nos jornais, impressionando pela relevância social dos envolvidos e pelo número de vítimas.

       Ainda hoje o Ceará se lembra do trágico acidente ocorrido em junho de 1982, quando o avião da VASP se chocou contra a Serra de Aratanha em Pacatuba, provocando a morte prematura de mais de uma centena de pessoas. Tamanha foi a violência do choque que muitas famílias sequer encontraram e sepultaram os corpos de seus entes queridos.

       Dias após o sinistro, o agricultor varzealegrense Zaqueu Guedes viajou ao vizinho município de Iguatu para resolver umas questões na agência do INSS. No final da tarde, com as soluções previdenciárias encaminhadas, o comunicativo Zaqueu parou em um modesto “café” na saída da cidade, próximo à ponte sobre o Rio Jaguaribe, onde decidiu aguardar um transporte de volta para Várzea Alegre. Para saciar a fome, foi logo pedindo:

      - Sinhora, cozinhe meia dúzia de ovo pra mode eu dá conta de chegar na razalegre.

       Zaqueu e a dona do café passaram a conversar. O assunto não poderia ser outro. Falavam do impressionante acidente da VASP. Enquanto comia os ovos, o agricultor varzealegrense se dizia penalizado com o estrago nos corpos das vítimas. Poucas pessoas foram reconhecidas. O resgate só conseguiu localizar partes dos corpos. Quando Zaqueu já terminava sua exagerada merenda, o caminhão de Livardino passou em direção a Várzea Alegre. O agricultou, com pressa, levantou-se e correu em direção ao último transporte daquele dia para sua cidade. A dona do café, desesperada, gritou:

       - Seu Zé. E os ovos?

       Zaqueu, já subindo na carroceria do caminhão, respondeu gritando:

      - Muié, se não acharam nem os braços e pernas dos passageiro, avali os ovos.


(imagem Google)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

107 - PREVISÃO INFALÍVEL



        Todo ano o bravo povo do sertão nordestino aguarda ansiosamente pela estação das chuvas. Vendo o pasto secar, o gado emagrecer, a água rarear, o longo período de estiagem parece não ter fim. Por conta dessa interminável angústia surgem observadores da natureza que prevêem a quantidade de água do próximo inverno.

       Os “profetas da chuva” observam cuidadosamente as árvores, os animais, as estrelas, a lua, sempre no interesse de buscar alguma experiência que indique de que modo as chuvas cairão na caatinga nordestina.

       Anualmente os profetas se reúnem em Quixadá, no sertão central cearense, para discutir sobre a próxima estação chuvosa. Baseado no conhecimento empírico, na observação da natureza, muitos acertam suas previsões meteorológicas.

       Já em Várzea Alegre, depois de uma prolongada estiagem, quando o tempo muda, meu tio Sérgio Pinto de Carvalho, comerciante experiente e observador, olha para o céu nublado e vaticina:

      - Se não chover daqui pra meia-noite, chove da meia noite pra adiante.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

106 - BEBENDO E APRENDENDO

        Muito embora os grandes debates e descobertas científicas ocorram quase sempre nas cátedras das universidades, a sabedoria também habita os lugares mais simples.

       Todo mundo que viveu na década de cinqüenta em Várzea Alegre conheceu o Bar de Zé de Souza. Localizado na antiga Rua Major Joaquim Alves, bem no centro comercial da cidade, o lugar era bastante freqüentado naquela época.

       Certo dia um cliente do bar, encostado ao balcão, depois de consumir várias pingas, tomou coragem e falou:

        - Zé, tua muié é miudinha demais!

        O dono do bar, arrumando as garrafas de cachaça nas prateleiras, olhou para o indiscreto freguês e disse sem gaguejar:

        - É assim mesmo, hômi. Muié não tem isso de tamanho. São tudo boa. Tanto faz uma roça grande de duzentas tarefas* como uma rocinha pequena de tarefa e meia. A cancela pra entrar é tudo quase uma largura só.

 

* medida de área típica do sertão nordestino

colaboração: Luiz Cavalcante

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

105 - VACAS DE DIVINAS TETAS






          Há lugares, animais e pessoas que, mesmo não fazendo jus aos nomes, possuem inúmeras outras qualidades. Na cidade de Várzea Alegre, conhecida e cantada como Terra do Contrastes, não poderia ser diferente.

         Em meados do século passado, Raimundo Pretin vendia carne no Sanharol, agradável e acolhedor sítio localizado próximo a sede do Município. Além do trabalho de marchante, cuidava diretamente do seu rebanho bovino, inclusive ordenhando algumas vacas.
 
        Cedo da manhã, Raimundo sofria em seu curral tentando acalmar uma das vacas. Embora muito boa de leite, Delicada era arisca, não aceitava ser peada e amarrada ao bezerro. Todo dia, na hora de tirar o leite, era o mesmo sofrimento:

        - ÊÊÊ Delicada, ÔO vacaaaaaa. Delicada...ÊÊÊ....

        Mas não adiantava o aboio de vaqueiro e o esforço de Raimundo. Delicada, enfurecida, empurrava e virava o balde do leite, soltava a peia, dava coices e chifradas.

        Certa manhã, vindo do sítio Chico pra comprar carne, Joaquim Vieira encostou-se à porteira do curral e comentou:

       - Você ainda chama essa vaca de Delicada, homi.

        Raimundo, enfezado e cansado com a difícil lida com o gado leiteiro, respondeu:

       - Ela é que nem Linda, tua muié.


Colaboração: Zé de Bastião da Boa Vista
(imagem Google)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

104 - PRATO CAMUFLADO






       Gostamos ou sentimos cada parente, cada amigo, cada pessoa de maneira especial, porém distinta. Não há como comparar os sentimentos, afinal há amor suficiente para distribuir entre todos. Assim, nada mais constrangedor para uma criança do que responder às tradicionais perguntas: “nenê gosta mais do papai ou da mamãe? Quer mais bem a vovó sicrana ou a vó fulana ?

        Mesmo amando todos, na casa de cada um de seus filhos ou filhas minha avó materna Maria Amélia tinha preferência por alguns netos. Que me perdoe minha irmã Flaviana, mas lá de casa eu e Fernando gozávamos de certo prestígio com nossa querida avó.

       Meu irmão merecia os créditos adicionais que recebia. Afinal, era muito paciente e dedicado. Trocava as resistências do ferro de engomar e lia as intermináveis bulas de remédio da nossa velhinha.

       Nascidos no interior cearense, eu e inúmeros primos moramos vários anos com nossa avó na capital alencariana. Eu percebi claramente a preferência no horário das refeições. Vovó se mantinha modestamente com os proventos de professora. Na sua acolhedora casa não havia tempero suficiente para atender o voraz e interminável apetite dos vários netos que ali estudavam.

        Mas até pra demonstrar suas preferências minha vozinha era inteligente e criativa. Para não provocar ciúmes, aparentemente meu cardápio era igual ao demais. Contudo, sutilmente, vovó escondia um segundo bife em meu prato, encoberto pelas fartas porções de arroz e feijão servidas no almoço.


(imagem Google)

domingo, 20 de dezembro de 2009

103 - ÁGUA MINERAL



        Se comunicar sempre foi uma necessidade entre os seres humanos. Nos tempos remotos, para se entender, os homens usaram gestos, sinais, códigos, que só depois de um longo período se organizaram em uma linguagem. Mas aquilo que surgia como fator de integração entre os povos nem sempre cumpriu completamente esse papel. Os indivíduos traduzem as informações recebidas de acordo com fatores sociais, culturais, religiosos e muitos outros.

       Certo dia, um novo garçom foi apresentado para gentilmente servir água, café e outros lanches em todas as inúmeras salas do nosso trabalho. Com atenção, cuidou em verificar as particularidades de cada um dos diferentes doutores que trabalhavam naquele importante órgão público. Uns preferiam café preto, outros com leite. Uns com açúcar, outros com adoçante. Uma bela e jovem doutora, cuidadosa com os seus dentes e estômago, atenta às orientações dos especialistas, logo alertou:

        - Eu gosto da minha água natural, tá? Sempre natural.

        A partir daquele dia, o dedicado garçom não deixou faltar a água solicitada. Antes mesmo de ser chamado já aparecia na sala trazendo em sua equilibrada bandeja o precioso líquido. Porém, passados alguns meses, no meio de uma manhã, recebeu uma ligação para ir imediatamente ao gabinete. Ao chegar, foi logo cobrado pela chefa:

        - Por que ainda não trouxe minha água? Você não sabe que eu costumo beber bastante água pela manhã?

        - Perdão, doutora, mas desde cedo tá faltando água. Tão trocando uns canos da rua. Mas desculpa eu perguntar. Por que a senhora prefere água da torneira?


(imagem Google)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

102 - PROFUNDA INSPIRAÇÃO



        As belas paisagens da natureza sempre inspiraram os poetas. Mirar a infinidade do mar, passear por um florido jardim ou correr por campos verdejantes permitiram aos artistas a criação de impressionantes obras poéticas.

         Mas recentemente me surpreendi com versos de um autor desconhecido registrados em um espaço inusitado. Após almoçar em um badalado restaurante da orla de Fortaleza fui ao bem cuidado banheiro do lugar. Logo ao trancar a porta da higiênica cabine e sentar no “trono”, me deparei com uma original poesia escrita na parede. Em que pese a natureza predatória e reprovável das pichações em lugares públicos, aqueles criativos versos permaneceram em minha memória e provocaram uma reflexão sobre o dedicado momento:


              Neste lugar solitário

              Onde a vaidade se acaba

              Todo covarde faz força

              Todo valente se caga

(imagem Google)

sábado, 21 de novembro de 2009

101 - FECHANDO O GOL



           Grande parte do povo brasileiro acredita e faz uso de simpatias, feitiços, magias, mandingas, encantamentos, orações, amuletos, talismãs, feitiçarias, benzimentos e tudo mais relacionado com as ciências ocultas.

           No popular ambiente futebolístico as crenças estão ainda mais presentes. Os torcedores e os próprios atletas mantêm comportamentos supersticiosos buscando elevar o rendimento, pois acreditam que ajudam a equipe no alcance de suas metas. Há jogadores que não trocam a chuteira ou a cueca porque na primeira vez que as usou fez gols ou jogou bem.

          Eu não acreditava muito nessas coisas, mas recentemente minha amiga e conterrânea Klébia Fiúza me ensinou uma mandinga infalível. A simpatia cita um popular e irreverente varzealegrense, conhecido por suas histórias engraçadas. Consiste simplesmente em repetir umas palavras no momento em que o time adversário ataca. A frase, repetida com fé, fecha a nossa meta, impedindo o gol da equipe contrária.

         Neste final de semana, quando meu Fortaleza joga suas últimas chances de permanecer na série B e o querido Flamengo tem jogo decisivo na disputa pelo título do Brasileirão, usarei mais uma vez a frase mágica. No momento em que a bola chegar ao campo de defesa dos meus times eu repetirei insistentemente:

       - Cu de Zé de Lula. Cu de Zé de Lula. Cu de Zé de Lula...


(imagem Google)