quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

900 - TELEGOLPE (Republicado em homenagem aos 6 anos do blog Pedra de Clarianã)



     Antes de qualquer conflito doméstico, cabe logo esclarecer que o fato aconteceu quando eu era solteiro e morava em um pequeno apartamento do Bairro Buritizal, em Macapá. 

          Em meados da década de noventa recebi uma conta mensal registrando vários telefonemas para países como Guiana, Suriname e outros. Para minha desagradável supresa, o valor da fatura veio quatro vezes maior que o normal.

            Imediatamente vesti o paletó e me dirigi para a loja de atendimento da privatizada TELEAMAPÁ, que à época funcionava na esquina da Rua São José com Avenida General Gurjão, no centro comercial de Macapá. Ao chegar, depois de alguns minutos de espera, fui atendido em um balcão, ao lado de vários outros consumidores.

          A jovem recepcionista, muito educada, perguntou qual o assunto da minha reclamação. Eu, com certa arrogância, fui logo falando:

         - Olhe aqui minha conta. Tem várias ligações internacionais, todas feitas de madrugada. Eu só ligo pro interior do Ceará, pra Várzea Alegre. E nem venham me dizer que outra pessoa fez a ligação que eu moro sozin.

         A jovem, sempre sorridente, comunicou-me que ia verificar o acontecido e passou a examinar a conta em seu terminal de computador. Após cerca de um minuto, levantou o olhar em minha direção e, polidamente, falou:

        - Senhor, esses números são do telesexo. São ligações internacionais porque as empresas foram proibidas de funcionar no Brasil.

        Duas senhoras que também eram atendidas me dirigiram um olhar de inquisidoras. Eu fiquei sem saber o que dizer. Havia esquecido daquelas ligações. Meses antes eu realmente sucumbira. Chegava sozinho em casa e, ao ligar a tevê, sempre aparecia uma bela moça, vestindo roupas sumárias, repetindo insistentemente: ligue, ligue, ligue.

        Vendo que aumentava o número de olhares a me avaliar, tomei a contestada conta das mãos da atendente, e, antes de sair às pressas, sem sequer agradecer, inventei:

         - Agora me lembrei. Foi aquele tarado do meu primo que veio passar uns dias lá em casa.


Postado originalmente em 18 de julho de 2009
(imagem Google)

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

899 - PAIXÃO ANIMAL (Republicado em homenagem aos 6 anos do Blog)



     O difícil trabalho de investigação requer uma atitude de desconfiança permanente. Mesmo com as modernas técnicas, ainda hoje os policiais enfrentam enorme dificuldade na elucidação dos crimes, especialmente os sexuais, cometidos na clandestinidade.

     Meu avô materno, Antônio Alves Costa, na década de cinqüenta, foi delegado de polícia no interior do Ceará. Naquele período, pela completa falta de estrutura, o importante cargo exigia do seu ocupante um grau ainda maior de perspicácia na apuração dos delitos.

     Em certa manhã, o Delegado Antônio Costa foi acionado para atender um desesperado cidadão que desejava “dar parte” do rapto de sua filha de vinte anos de idade. Imediatamente intimado a comparecer na Delegacia, o suspeito confessou que “roubara” a moça. Porém, temendo as conseqüências, principalmente a obrigação de casar, buscou diminuir sua responsabilidade. Assim, mesmo admitindo que fizeram uma longa viagem juntos, o rapaz insistiu que não havia “bolinado” a jovem.

      A frágil versão apresentada só aumentou a desconfiança do Delegado, que, com seu alto e rouco tom de voz, argumentou:

     - Meu rapaz, não queira que eu acredite nessa história. Pois quando solteiro, eu fui para um samba num local bem mais perto. Do sítio Umari até o Junco**. E só na ida eu namorei com a minha burra Gasolina duas vezes.


Publicada originalmente em 25 de março de 2009.
** atual município de Granjeiro

898 - RADIO SEM DEFEITO (Republicado em homenagem aos 6 anos do blog)

     Além do canário citado em postagem anterior, Chico Piau negociou com vários outros animais e objetos. Possuía tudo para vender, especialmente objetos antigos.

     Há cerca de trinta anos, logo que inaugurou a Rádio Cultura de Várzea Alegre, um antigo morador do sítio Carrapateira procurou Chico Piau para comprar um aparelho de rádio. O vendedor logo apresentou seu produto:

      - Eu tenho um motorádio dos bons, pega até a Hora do Brasil. Tá todo mundo querendo comprar, mas parece que tava esperando você.

     Dias depois do negócio concretizado, o comprador procurou Chico, reclamando:

        - Eu vim devolver o rádio caro que você me vendeu. Não funciona direito. Pois pega a rádio Salgado de Lavras, a Montevidéu do Cedro, a Educadora do Crato, só não pega a Rádio Cultura aqui de Várzea Alegre.

     Chico não gaguejou para justificar:

      - Isso que dá negociar com gente sem conhecimento. Rapaz, quando esse motorádio foi fabricado não existia ainda a Rádio Cultura, por isso não pega.

      Com a resposta, o comprador coçou a cabeça e saiu sem dizer nada, levando de volta o velho aparelho comprado de Chico Piau


Publicado originalmente em 08 de março de 2009
Colaboração: Antônio Alves da Costa Neto
(imagem Google)

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

897 - DEFEITO NO JIPE (Republicado em homenagem aos 6 anos do Blog)

   

    O jeep fabricado pela Willys se notabilizou na última metade do século passado pela resistência e durabilidade. O automóvel dificilmente apresentava problemas na sua mecânica ou lataria. Tamanho foi o sucesso do carro que até hoje é admirado, cultuado e usado em clubes do Jeep espalhados pelo mundo inteiro.

Mas todo caso tem exceção.

Certo dia, em Várzea Alegre, o conhecido barbeiro Vicente Cesário e outros amigos alugaram um Jeep para comparecer em um velório na Varzinha, sítio próximo à sede do município. Após prestar as homenagens ao falecido, quando já voltavam para a cidade, o barbeiro Vicente Cesário sugeriu para o chofer e proprietário do carro:

- Não dá pra esse jipe fazer uma dobra lá pelo cabaré não?

O motorista do veículo logo respondeu:

- Vicente, esse carro não anda em cabaré não.

O barbeiro, outro varzealegrense espirituoso, retrucou imediatamente:

- Vixe Maria, se eu tivesse um jipe com um defeito tão grande eu passaria logo pra frente…

Publicado originalmente em 6 de março de 2009
Colaboração: Antônio Alves da Costa Neto
(imagem Google)

896 - PASSARINHO CANTADOR (Republicado em homenagem aos 6 anos do Blog)



    A criação em cativeiro de pequenos pássaros sempre foi comum no Brasil, notadamente nas pequenas cidades do interior. E em que pese a proibição da comercialização dos animais, o costume infelizmente ainda persiste.

     Há anos, Francisco das Chagas Bezerra, o popular Chico Piau, anunciou um canário à venda dizendo que se tratava de um passarinho muito bom. Com a propaganda do animal logo apareceram vários compradores. Chico Piau, negociante nato, aproveitou a boa procura e vendeu seu passarinho por um ótimo preço.

     Passadas algumas semanas, o comprador encontrou Chico Piau pela rua e reclamou:

     - Chico, você me enganou. Esse canário que me vendeu não canta nada, vive triste e calado na gaiola.

     Chico Piau, espirituoso como poucos, respondeu de imediato:

      - Enganei nada, rapaz. Esse canário não canta, mas é ótimo compositor.


Postado originalmente em 3 de março de 2009.
Colaboração: Luiz Fernando Costa Cavalcante
(imagem Google)

domingo, 22 de fevereiro de 2015

895 - FUTEBOL NO CEDRO (Republicado em homenagem aos 6 anos do blog)



           O time de futebol de Várzea Alegre se preparava para viajar até o vizinho município do Cedro, onde, ainda no final da tarde daquele mesmo dia, as duas seleções protagonizariam um esperado embate. A rivalidade entre os dois pequenos municípios cearenses não se limitava ao esporte, tudo motivava discussão entre os moradores das duas cidades. Os cedrenses se gabavam por ter suas terras cortadas pela estrada de ferro, responsável por impulsionar seu desenvolvimento. Do outro lado, os varzealegrenses respondiam dizendo que pouco adiantava a linha do trem se no Cedro não havia sequer água.

          Na efervescência de toda essa rivalidade, os atletas da  terra do arroz subiam no velho caminhão que os transportaria até o campo de chão batido da vizinha cidade. Muitos assistiam à saída da equipe de atletas, outros tentavam subir no caminhão para acompanhar o jogo . Não havia espaço suficiente na carroceria para acomodar a equipe de futebol, a comissão técnica, os dirigentes e os inúmeros torcedores que desejavam ver o clássico regional.
 
          No meio daquela confusão, um conhecido e assumido homossexual de Várzea Alegre, com seus trejeitos afeminados, tentou subir no caminhão. A reação foi imediata. Vários jogadores e torcedores recusaram a presença do diferenciado torcedor. Uns mais afoitos e sem as idéias atuais do politicamente correto empurraram o pobre rapaz e gritaram:

          - Viado não sobe nesse caminhão.

          O torcedor pederasta, aborrecido com a inesperada recusa, entristecido com a ação preconceituosa ainda maior naquela época, olhou seriamente para os jogadores, comissão técnica e torcedores, e gritou:

           - Eu não vou nesse caminhão, mas aí em cima vão mais dois outros viados.

          Fez-se silêncio tumular entre os presentes. Ninguém, nem mesmo os mais esquentados dos jogadores esboçou qualquer reação. Nenhum outro torcedor quis acompanhar o grupo. Outros não desceram do caminhão temendo que a atitude levantasse suspeita sobre a sua opção sexual. Assim, o veículo deu partida e seguiu na antiga estrada em direção ao vizinho município. No percurso de várias léguas não houve as conversas de costume, como os importantes debates sobre as estratégias para o confronto. Os passageiros se olhavam discretamente procurando pistas dos dois outros referidos pelo homossexual excluído do grupo.

        Chegando ao Cedro, a equipe de futebol varzealegrense não repetiu os bons desempenhos dos enfretamentos anteriores. De igual forma, os torcedores e os dirigentes que acompanharam o time não conseguiram elevar o ânimo dos atletas. Logo o escrete vizinho tomou conta da partida e venceu facilmente o clássico. No término do jogo ninguém falou sobre a derrota, não houve qualquer menção aos motivos do fracasso daquela tarde. Afinal, todos reconheceram a impossibilidade de se concentrar na partida. Nos pensamentos dos passageiros do caminhão só havia espaço para descobrir quem seriam os dois outros homossexuais que naquele dia foram disputar o clássico ou assistir ao jogo de futebol no Cedro. 


Publicado originalmente em 23 de fevereiro de 2009.
(imagem Google)

sábado, 21 de fevereiro de 2015

894 - PEDRA DE CLARIANÃ (Republicado em homenagem aos 6 anos do blog)


     
     Desde criança, lá pelas bandas do sertão cearense, escutei uma interessante história narrada por seu Alberto, antigo empregado do meu avô materno. Aquele humilde homem, de mãos calejadas pela vida de lavrador, nos intervalos de sua faina diária, contava a todos sobre a existência de um reino distante onde habitava uma linda princesa. Uma donzela, plena de virtudes e beleza, que ansiosa, de braços abertos, aguardava a chegada do seu príncipe, o próprio Alberto.

     Além de possuir o coração da linda herdeira, seu Alberto também era proprietário de uma pedra de ouro. Não se tratava de uma pedrinha ou de uma pepita qualquer, era uma pedra imensa, gigantesca, a Pedra de Clarianã. Toneladas e toneladas de ouro maciço, tudo pertencente a seu Alberto. A fortuna em metal precioso transformava aquele pobre homem no mais rico da terra em todos os tempos. Tamanha propriedade espantava qualquer dúvida sobre a existência do amor distante. Claro que havia uma linda princesa encastelada esperando a chegada do príncipe Seu Alberto. 
A rica imaginação daquele homem habitou por muito tempo a fantasia de inúmeras crianças. Eu, mesmo não ouvindo a história contada diretamente pelo afortunado Alberto, também viajei na lúdica narrativa da enorme pedra de ouro e da bela princesa.

     Outro dia, por acaso, descobri que realmente existe uma pedra enorme com nome parecido e há anos cantada por poetas populares: a Pedra do Claranã, localizada no outro lado da chapada do Araripe, no sertão pernambucano, no município de Bodocó.

     Não sei se a pedra de Bodocó tem toneladas de ouro ou se naquele sertão existe um reino com bela princesa. Porém, ninguém duvida que Seu Alberto e as crianças que ouviram aquela história jamais perderam a esperança de encontrar a verdadeira Pedra de Clarianã. Lúdicas histórias, com reinos, castelos, princesas e fortunas sugerem um final feliz. Nós todos ainda vamos encontrar a verdadeira pedra de Seu Alberto.

(imagem Google)

Postada originalmente em 21 de fevereiro de 2009.

893 - 6 ANOS DO PEDRA DE CLARIANÃ





     Há seis anos surgiu este espaço lúdico destinado a contar histórias pitorescas do nosso povo. Nesse período, graças a especial contribuição dos leitores, postamos quase 900 "causos", lidos centenas de milhares de vezes.

    Nos próximos dias, para marcar o sexto aniversário do blog, republicaremos algumas postagens que marcaram esses seis anos de blogosfera.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

892 - "ESTRAGADO" (Republicado em homenagem aos meus 24 anos de Amapá)




            Em 1991 quando cheguei ao Amapá logo me impressionei com a orla do gigantesco Rio Amazonas. Todas as noites, após o expediente no escritório situado ali próximo, o passeio pelo encantador lugar era sagrado. Melhor ainda quando surgia uma boa conversa regada a cerveja em lata com sal e limão preparada pelo vendedor Lourival.

             Numa dessas noites, lá pelas vinte e duas horas, chegou ao aprazível local o amigo Marcos Nogueira, advogado que me trouxe e me apresentou ao Amapá. Um pouco mais tarde, depois de esvaziar várias latas de cerveja, Marcos se afastou para cumprimentar uns colegas, ocasião em que Lourival comentou baixinho:

            - Doutor Marcos  estragado, não é?

            Eu, mesmo não concordando, confirmei com a cabeça. Achei estranha a observação do vendedor de cerveja porque Marcos sempre foi muito vaidoso e cuidadoso, aparentando ter menos idade. Só depois que fui saber que “estragado”, nas terras tucujus, também significa bastante alcoolizado.

           Um pouco mais tarde, nossa descontraída conversa foi interrompida por uma discussão bem próxima de nós envolvendo duas mulheres. Formou-se uma grande confusão e uma das mulheres passou a esbravejar para a outra:

     - Sua caceteira sem vergonha. Sua caceteira vagabunda...

           Logo as duas briguentas foram retiradas e a calma voltou ao lugar. Mas eu, na minha ignorância de cearense do sertão, mais uma vez estranhei o palavreado. Curioso e desconfiado, perguntei ao amapaense Lourival o que significava “caceteira”. O vendedor, também tomando a sua cerveja, explicou:

         - Mano, sapateira é de guardar de sapato. Lancheira é de guardar lanche. Então caceteira é de guardar...



(imagem Google)