terça-feira, 28 de abril de 2015

914 - DÍVIDA SANGRENTA (Republicado)



     Diariamente os noticiários policiais mostram trágicas histórias de assassinatos motivados por dívidas. Em muitos casos, são irrisórios os valores envolvidos nas discussões que dão causa aos violentos crimes.

        Certo dia, na pacata Várzea Alegre, sertão cearense, o agricultor aposentado Zé de Lula encontrou seu amigo e contador Demontiê Batista e, com ar sério, falou:

        - Tiê, tou devendo sete real no bar de Buzuga. Por amor ao nosso padroeiro São Raimundo, me arrume dois real pra pagar e evitar uma morte.

        - Zé de Lula, porque só dois reais se você deve sete? – Retrucou o preocupado contador.

        - É porque Buzuga desce a ladeira do Gibão* muntado numa bicicleta na maior carreira. Quando me vê solta o guidon e com as mão me mostra sete dedos. Cinco numa e dois noutra. Quero pagar dois pra mode ele desocupar uma das mão e agarrar no guidon.



* sítio localizado próximo da sede do município de Várzea Alegre

Colaboração: Kleber Dakson Fiúza(Manin de Saraiva)

sexta-feira, 17 de abril de 2015

913 - A GRAÚNA DE OURO (Republicado)



       Um dia chegou às minhas mãos um livro explicando a origem dos nomes próprios. Em uma ação automática, fui logo à letra “F” e descobri que Flávio, de origem latina, significava "da cor do ouro”. Embora com o cabelo preto que nem “a asa da graúna*”, não posso negar que gostei dessa qualidade aurífera do meu nome.

       Anos antes, na década de setenta, em férias por Fortaleza, assisti na TV preto e branco da minha avó Maria Amélia ao programa do Jornalista Flávio Cavalcante. Lembro que ele, encerrando cada trecho do programa, chamava a propaganda levantando o dedo indicador e falando firmemente:

        - Nossos comerciais, por favor.

       Eu era ainda menino e naquele primeiro momento não gostei do apresentador. Achei aquele homem antipático e arrogante. Numa humilhante atitude, ele quebrava e jogava no lixo o disco diante do cantor convidado ao programa. Imaginei logo que meu nome fosse alguma homenagem ou referência àquele presunçoso jornalista e apresentador de TV.

      Quando retornei a Várzea Alegre, no sertão cearense, abordei meu pai e perguntei:

      - Papai, o senhor escolheu meu nome por causa do apresentador Flávio Cavalcante?

       Meu querido pai acabava chegar da sua budega. Depois de um dia inteiro de balcão, ele, calçando sua confortável chinela japonesa, me olhou e disse:

       - Meu fi, quando você nasceu aqui não tinha nem energia elétrica direito, quanto mais televisão. É que, depois de Tereza Amélia, a gente resolveu dar aos filhos nomes com a letra “F”: Fernando, Flávio e Flaviana. Você não vê que até o cachorro de vocês se chama Flay.



* Ave típica do nordeste brasileiro usada em alegoria do escritor cearense José de Alencar para explicar a cor negra dos cabelos de sua personagem Iracema.

(imagem Google)

segunda-feira, 13 de abril de 2015

912 - CEARENSE EM PARIS (Republicado)

      


      Pode parecer esnobe para um cearense do sertão, mas em outubro de 1997 eu conheci Paris. A cidade me encantou com sua história, cultura e beleza. Contudo, como o mundo não falava noutro assunto, eu também desejava ver o local exato onde ocorrera o fatídico acidente que dias antes vitimara a carismática Princesa Diana.

       Em uma tarde livre da excursão me informei com o recepcionista do hotel como fazer para chegar ao túnel onde morreu Lady Di e seu namorado milionário. Ele me apresentou um mapa com as diversas linhas de metrô e me disse que descesse na Estação D’Alma, bem próximo ao túnel de mesmo nome, onde ocorreu o sinistro.

       Com o mapa na mão e uns francos* no bolso tomei o metrô da “Cidade Luz”. Ao chegar à estação indicada, desceu apenas um casal que saiu na frente. Eu segui atrás e vi quando o rapaz e a moça cruzaram tranquilamente a porta.

       Na minha vez de passar eu fiquei bloqueado na saída da estação. Procurei a maçaneta e não a encontrei. Tentei empurrar com o ombro, porém a porta nem se moveu. Por alguns minutos fiquei sem saber o que fazer. Pensei em retornar ao desembarque e buscar outro caminho, mas vi que havia uma câmera apontada para mim. Se voltasse, a segurança do local desconfiaria de uma invasão ao metrô. 

       Já estava me batendo um desespero quando vi o contorno de uma mão riscado na porta. Encostei minha mão sobre o desenho e as duas bandas da porta se abriram de repente. 

       Ufa! Só assim o matuto cearense foi solto e pude finalmente ver de perto e chorar no exato local onde a eterna princesa britânica faleceu.


(imagem Google)

terça-feira, 7 de abril de 2015

911 - O LADRÃO ESFAQUEADO (Republicado)


Logo após o seu casamento com Maria Aparecida Feitosa Costa, ocorrido em 1976, Antônio Ulisses foi residir na rua Coronel Pimpim, no imóvel onde hoje funciona a Sorveteria Ki-Delícia.

Certa madrugada, foi acordado por sua esposa, que, assustada com um estranho barulho, desconfiava que havia um ladrão dentro de casa.

Assim, Antônio Ulisses tomou coragem e foi ver o que acontecia. Na cozinha, percebeu que o larápio havia desarrumado algumas coisas e preparado outras para levar. Como a porta do banheiro estava entreaberta, desconfiou que o ladrão estava naquele cômodo.

Empunhando uma faca tipo peixeira, decidiu enfrentar o meliante. Tentou entrar no banheiro, mas o ladrão segurava a porta, impedindo sua passagem. Disposto a encará-lo, Antônio Ulisses planejou empurrar a porta com força e desferir uma única facada no perigoso bandido.

Não deu outra. Em uma ação rápida e eficiente, com extrema força, empurrou com o ombro a porta do banheiro e desferiu um golpe transfixante na barriga do elemento.

Felizmente não se tratava do larápio, a facada atravessou um saco com roupa suja que sua esposa guardava pendurada dentro daquele cubículo. Era o saco que impedia a total abertura da porta. Em vez de atingir o abdômen do ladrão, furou várias peças de roupa, inclusive algumas das que mais gostava, como a calça do conjunto de mescla azul que usara em seu casamento.


* extraído do livro "Conte Essa, Conte Aquela - Histórias de Antônio Ulisses"
(imagem Google)


sexta-feira, 3 de abril de 2015

910 - OS MENINOS DA BARÃO


Maria Aldair Carvalho, natural de Várzea Alegre, reside em Fortaleza desde meados no século passado. Após morar em outros endereços da capital alencarina, fixou-se na Rua Barão de Aratanha, Bairro de Fátima, onde criou seus cinco filhos e instalou uma movimentada boutique, negociando com famosas marcas de roupas masculinas e femininas.

Na década de 1970, com outras crianças do bairro, seus filhos mais novos Francisco Otávio e Carvalho Neto brincavam em frente ao Prédio da Barão, quando Francisco Otávio, inadvertidamente, jogou uma pedra em direção a uma árvore, atingindo um veículo marca Chevrolet, modelo Opala, que passava pela rua.

A inocente pedrada provocou uma pequena e quase imperceptível avaria no luxuoso veículo. Mesmo assim, o descontrolado motorista parou imediatamente o carro e saiu correndo atrás do garoto. Assustado, o pequeno Francisco entrou rapidamente no prédio onde morava. O enfurecido motorista, logo atrás, subiu as escadas e bateu fortemente à porta de um dos apartamentos. Mal a comerciante Aldair atendeu, o ofegante motorista perguntou:

- Foi aí que entrou um menino que jogou uma pedra no meu carro?

Enquanto Francisco se escondia embaixo da cama, Aldair, com muita calma, fixou o olhar no furioso proprietário do carro, e, serenamente, respondeu:

- Não, meu senhor. Não tenho filho. Meu sonho é ter um...

Colaboração: Terezinha Costa Cavalcante

(Imagem Google)

quarta-feira, 1 de abril de 2015

909 - CABEÇADA DE JÚLIO (Republicado em homenagem ao amigo aniversariante)


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Até início da década de 1980, no meio da Rua Duque de Caxias, local onde atualmente existe o Calçadão Antônio Alves Costa, havia um espaço bastante disputado pelos garotos da tranquila cidade de Várzea Alegre.

A pracinha estreita, com três bancos, e com um pedestal para televisão servia como improvisada quadra de futebol para os meninos das ruas próximas. Ali perto, na Casa Zé Augusto, de Alberto Siebra, funcionava uma agência de passagens das empresas Itapemirim e Rápido Crateús. Mas nem mesmo a aproximação dos ônibus ou o movimento dos demais veículos pelas ruas laterais à pracinha interrompia as partidas.

Certa tarde, em uma acirrada disputa pela bola, o robusto Antônio Ênio Meneses deu um escorão e jogou o franzino Julio Bastos Leandro contra a lateral de um ônibus que recolhia passageiros na agência de Alberto. O barulho foi enorme. Júlio ficou tonto e com um enorme galo na testa, pois bateu fortemente com a cabeça na lateral do veículo de transporte coletivo.

Imediatamente o motorista da empresa largou a direção do ônibus e se aproximou. Quando todos imaginavam que acudiria o pequeno garoto, perguntou:

- Quem é o pai desse minino cabeçudo que amassou o oinbus. Vai ter que pagar o prejuizo.

Colaboração: Júlio Bastos Leandro

(imagem Google)