sexta-feira, 30 de novembro de 2012

682 - ABAIXO O PRECONCEITO ( Pedra de Clarianã há dois anos)



          Antes das construções e melhorias das estradas, popularização dos meios rápidos de transportes, eletrificação rural, televisão e outras conquistas do mundo moderno, as comunidades do interior viviam isoladas. Nessa época, as moças só namoravam e casavam com rapazes do mesmo lugar, pois pouco se relacionavam com pessoas de outras localidades.

          Na segunda metade do século passado, um jovem de Lavras da Mangabeira, de cor negra, foi a um forró em uma pequena e distante localidade do vizinho Município de Aurora, no sul cearense. Ao chegar ao local, conhecido como sítio Pau Branco, a festa já acontecia, com vários casais dançando ao som de um sanfoneiro em um salão de terra batida.

         O forasteiro se animou ao ver as belas jovens do lugar e passou a convidá-las para dançar. Porém, para sua tristeza, foi recebido friamente pela moças. Depois de várias recusas, o rapaz indagou de uma das jovens a razão para a incompreensível rejeição. Com visível timidez, ela respondeu:

         - É porque nós só dança com rapaz de Pau Branco.

        Foi o suficiente para o decepcionado visitante revidar:

          - Ai é? Se subesse eu tinha mandado caiar* o meu.



* pintar com cal diluída em água; branquear.

Colaboração: Maurício Bezerra

(imagem Google)

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

681 - SUSTO NO SUPERMERCADO




Meu querido primo Eduardo Souza Cavalcante, professor em Fortaleza, costuma ir ao supermercado duas a três vezes por semana e, como se cumprisse um ritual, sempre para o seu veículo no mesmo lugar do estacionamento, próximo a um posto de vigilância.

Em certo sábado, após uma estressante semana de trabalho, Eduardo foi mais uma vez às compras. Concluída a tarefa, voltou para onde costumeiramente estacionava o carro, trazendo nas mãos várias sacolas cheias de frutas, verduras e outros produtos adquiridos. Porém, ao olhar para o estacionamento não encontrou o seu veículo. Bateu um enorme desespero, pois com certeza fora mais uma vítima do comum furto de automóveis.

Imediatamente Eduardo acionou a vigilância do estacionamento, procurou o gerente do supermercado e ligou para a polícia. Foi o maior alvoroço. Revoltado, o professor andava de um lado para outro com o telefone celular no ouvido, esbravejando que processaria a rede de supermercados por não garantir a incolumidade do seu patrimônio.

Felizmente, tudo foi resolvido, mas Eduardo preferiu passar um tempo sem fazer compras no supermercado onde ocorreu o lamentável episódio. Até que um dia resolveu voltar ao lugar. Ao chegar no estacionamento deu de cara com o mesmo vigilante do dia da subtração do carro. O empregado, com sorriso irônico, lembrando da confusão causada pelo professor, cumprimentou o encabulado cliente, dizendo:

- Bom dia. Hoje o sinhô veio no seu carro ou no da sua esposa?


Colaboração: Eduardo Souza Cavalcante

(imagem Google)

domingo, 25 de novembro de 2012

680 - FISCAL DE PADARIA (Pedra de Clarianã há dois anos)




          Com o objetivo de prevenir os riscos à saúde, os órgãos de vigilância sanitária exercem importante função fiscalizadora. Seus membros também cumprem relevante tarefa na orientação aos produtores e vendedores de alimentos.

          Certo dia, na década de oitenta, em Várzea Alegre, sertão cearense, uma equipe de fiscalização chegou à conhecida e movimentada Padaria de Senhor. Acompanhados pelo cortês Gean, filho do proprietário, os fiscais observaram e aprovaram as instalações da panificadora.

          Por fim, os servidores se dirigiram ao depósito de farinha de trigo. Terminava a inspeção quando um gato surgiu repentinamente e passou entre as pernas de um assustado fiscal. Foi o suficiente para o membro da vigilância olhar seriamente para o simpático Gean e dizer:

          - Moço, aqui neste local não pode ter gato.

          Com seu senso de humor aguçado, imediatamente o espirituoso Gean replicou:

          - E rato, pode?


Colaboração: Gean Claude Holanda (Gean de Senhor)

(imagem Google)

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

679 - CONVERSA DA ROÇA (Pedra de Clarianã há dois anos)



            Na segunda metade do século passado, o agricultor varzealegrense Vicente Vieira, já aposentado, costumava visitar os filhos que moravam no vizinho município de Iguatu. Na cidade cearense banhada pelo Rio Jaguaribe, viviam o comerciante Jose Vieira e o Padre Antonio Vieira.

           Era na porta da livraria do filho Jose Vieira, observando o movimento da progressista cidade, que o agricultor gostava de passar o tempo. Ali proseava com todos que chegavam, especialmente com as mulheres.

          Certa manhã, entrou na livraria uma bonita e simpática mulher. E Vicente Vieira foi logo puxando conversa:

             - A cumade é daqui do Iguatu mermo?

           - Sou sim, moro no sítio, na Barriga*. Na verdade, minha casa fica um pouco pra baixo da Barriga.

     - Eita lugarzin danado de bom! – exclamou imediatamente o conhecido e bem-humorado agricultor varzealegrense.


* sítio distante cerca de 20 km da sede do município de Iguatu-CE

Colaboração: Fátima Morais

(imagem Google)

terça-feira, 20 de novembro de 2012

678 - AULA PREFERIDA



Vários jovens de Várzea Alegre e de outros municípios da região do Cariri estudaram e concluíram o ensino técnico no tradicional Colégio Agrícola situado no Crato, cidade cearense de clima ameno situada no sopé da Chapada do Araripe.

Na década de 1960, uma equipe do Ministério da Educação visitava as instalações da escola e resolveu entrar em algumas salas de aula. Após cumprimentar os alunos e o professor, os técnicos de Brasília iniciaram uma informal pesquisa, perguntando aos estudantes qual aula mais gostavam:

Gosto de  todas, mas prefiro as aulas de matemática e  de química – respondeu um atento e estudioso aluno sentado na primeira fila.

- Eu prefiro as aulas de campo, como zootecnia e fruticultura – informou um outro aplicado interno da escola.

- E você aí atrás? Qual aula mais gosta? – Perguntou o técnico apontando para o estudante varzealegrense Francisco das Chagas Bezerra, conhecido como Chico Piau. O irreverente aluno, sem pestanejar, com um sorriso no rosto, respondeu:

- Aula vaga, dotô.


(imagem Google)  

domingo, 18 de novembro de 2012

677 - BOLA DE OURO




        Todo ano vários jornalistas esportivos votam para a escolha do melhor jogador de futebol do mundo. Nas últimas temporadas, em todas as listas de favoritos sempre aparecem o argentino Messi, o português Cristiano Ronaldo e o brasileiro Neymar.

         Em Várzea Alegre, por muitos anos os campos da cidade cearense viram brilhar um jogador conhecido como Fantico. Rápido como um jamaicano, o atacante foi um dos maiores e mais admirados artilheiros do futebol varzealegrense.

         Em meados da década de 1970 a seleção de Várzea Alegre desafiou o  escrete do vizinho município de Grangeiro, um saco de pancadas dos times da região. Porém, no dia do jogo, os torcedores varzealegrenses se surpreenderam com o desempenho da equipe adversária. Reforçada por alguns craques que realizavam um serviço na cidade, a seleção de Grangeiro massacrou o time local. Durante a peleja os jogadores varzealegrenses não viram a cor da bola.

         Faltando apenas cinco minutos para acabar o segundo tempo a equipe visitante ganhava pelo humilhante e irreversível placar de 9 a 1. Mesmo assim o artista popular Damião dos Bonecos não perdia as esperanças. Esbajando otimismo, ao lado do campo, o torcedor gritava insistentemente para o abatido craque da seleção varzealegrense:

- Rumbora, Fantico. Empata esse jogo, hômi...


Colaboração: Antônio Morais.
(imagem Google)

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

676 - O VENDEDOR CEARENSE (Pedra de Clarianã há dois anos)






           O manuais ensinam que para ser um vendedor de sucesso é preciso controlar a ansiedade, conhecer e acreditar no produto, ser gentil com o cliente e usar sempre a intuição.

           No Ceará, o varzealegrense Zé de Dairo do sítio Coité se tornou um vendedor premiado de uma empresa de produtos automotivos  Aproveitando o bom-humor natural e comum aos cearenses, sempre soube como abordar os clientes e apresentar seus produtos.

           Certo dia, em uma pequena cidade da região do Cariri, Zé de Dairo visitou uma loja de autopeças e passou a oferecer os produtos da linha que representava, entre os quais uma recém-lançada cera para polimento de pintura de carros. Antes de comprar várias latas, o cliente buscou saber tudo sobre o lançamento e perguntou:

            - Zé, essa cera pode passar no sol?

           O vendedor não perdeu a piada e nem melindrou o cliente. Com irreverência, respondeu:

           - Se você alcançar...

Colaboração: Carlos Leandro da Silva
(imagem Google)

terça-feira, 13 de novembro de 2012

675 - SOPRANDO NO FUTEBOL




       O futebol nunca foi privilégio dos moradores de centros urbanos ou de grandes cidades. Em todo os lugares do país, nas mais longínquas regiões, o popular esporte possui praticantes.

Um dos divertimentos preferidos dos agricultores de Várzea Alegre, sertão cearense, sempre foi jogar o chamado esporte bretão. Em meados do século passado as partidas de futebol ocorriam em campos improvisados, dentro das roças, onde os esforçados jogadores chutavam a costurada bola de couro, que possuía em seu interior uma câmara de ar feita da bexiga do boi.

Em uma dessas disputas, os agricultores dos sítios Roçado de Dentro e Açude Velho marcaram uma partida de futebol no campo da vizinha comunidade da Formiga. O vigoroso lavrador Antônio André, por sua conhecida força nos pulmões, foi chamado para soprar e encher a bola do jogo. Homem ligado ao Reisado, Penitentes e outras manifestações populares, acabou também escalado para participar  do evento daquela tarde de domingo.

Iniciada a partida, os jogadores saíram correndo atrás da bola em acirrada disputa. Já perto do fim do primeiro tempo, após muito correr pelo meio do campo, o  incansável agricultor Antônio André, demonstrando conhecimento limitado sobre as regras do jogo, abordou um outro atleta do seu time e perguntou:

- Cumpade Antonito, pra que lado mermo é que nós tamo botano?


Colaboração: Antônio Moraes
(imagem Google)

domingo, 11 de novembro de 2012

674 - CAMPOS DA VÁRZEA




Mesmo com a proximidade da Copa das Confederações e da Copa do Mundo de Futebol, todo dia surge notícia denunciando o atraso ou a suspeita de superfaturamento  nas obras dos estádios que sediarão os jogos.

A dificuldade do Brasil em concluir a estrutura para tão importantes eventos trouxe à memória os improvisados campos onde, na infância e adolescência, descalços, com bola vermelha da marca canarinho, eu e meus amigos jogávamos futebol em Várzea Alegre.

Qualquer rua tranquila, terreno sem utilização ou área abandonada se transformava facilmente em um espaço para a atividade esportiva dos garotos da pequena cidade cearense. Após uma rápida e superficial limpeza do local, com quatros pedras ou algumas forquilhas marcando as metas, o campo estava pronto para a atuação dos pequenos atletas.

Todos esperam que os estádios da copa também fiquem prontos nas datas planejadas e ali ocorram os jogos com muitos dribles, lençóis,  meia-luas (ou dribles da vaca). Pois nos campos de chão batido Várzea Alegre, essas jogadas eram comuns e os craques mirins chamavam-nas de pitus (ou traço), bãe de cuia e de'arrodei ..


(imagem Google)

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

673 - SEM A FARTURA DO PRÉ-SAL (Pedra de Clarianã há dois anos)




          Minha avó materna Maria Amélia deixou para os seus descendentes exemplos de solidariedade, otimismo e também de muita economia. Com os parcos proventos de professora ela pagava as despesas normais da casa e ainda mantinha reservas para socorrer um parente ou amigo em dificuldade.

           Nos anos oitenta, em Fortaleza, saudosa época em que morei com minha querida avó, certa manhã escutei um barulho estranho vindo da cozinha. Ao chegar próximo ao fogão me deparei com uma cena bizarra e nada recomendável. Gilza, funcionária da casa, açoitava violentamente o tambor de gás com um chileno. Parecia cena de tortura no temível e desumano “pau-de-arara”, com o infeliz recipiente apanhando e agonizando de cabeça para baixo.

          Assustado com a perigosa atitude eu perguntei à paciente empregada:

           - Gilza, o que é isso? O que foi que esse pobe fez?

           - Já disse que secou. Mas Dona Maria quer que eu tire à força um resto de gás que tem dento do tambô

(imagem Google)

terça-feira, 6 de novembro de 2012

672 - O BILHETE (Pedra de Clarianã há dois anos)






             As localidades da zona rural do município de Várzea Alegre sempre foram muito apreciadas por Antônio Ulisses. Inúmeros eram seus amigos agricultores.

             Certo dia, juntamente com seu primo Tércio, foi fazer uma visita no sítio Lagoas. Para o almoço, o proprietário Gilson Primo, casado com uma irmã de Aparecida, Divanir, havia providenciado um carneiro.

           Ainda pela manhã, antes da aguardada refeição, Tércio precisou voltar à sede do Município para tratar de um assunto particular. Na saída, já no interior do veículo, o engenheiro foi interceptado por Antônio Ulisses, que lhe pediu o seguinte:

            — Tércio, vou anotar nesse papel um remédio pra você comprar na cidade. Por favor, não esqueça. É importante. Se não tiver em João Pimpim vá em Zé de Ginu mas não deixar de trazer.

           Tércio pôs o bilhete no bolso e seguiu sua viagem. Já na cidade, após resolver suas pendências, dirigiu-se à Farmácia Confiança, de Seu João Pimpim. Ao encostar-se junto ao balcão, para saber qual o remédio encomendado, retirou o papel do bolso e leu: “Tércio, por favor, não traga Raimundo Pedro”.

         Essa foi apenas uma das muitas brincadeiras que Antônio Ulisses criou com seus amigos. Em que pese o afamado apetite de Raimundo Pedro, ao contrário do escrito, desejava era também a divertida presença do amigo na ocasião em que fosse servida à mesa a deliciosa criação no Sítio Lagoas.



*Extraído do livro “Conte Essa, Conte Aquela – Histórias de Antônio Ulisses”

(ilustração Edricy França)

sábado, 3 de novembro de 2012

671 - QUEDA DO SÓTÃO



Antigamente era comum construir casas com um sótão, compartimento situado entre o forro e a armação do telhado. Em Várzea Alegre, além de guardar objetos velhos ou de pouco uso, o espaço também servia para estocar o arroz produzido nas terras férteis do vale do Riacho do Machado.

Em uma tarde da segunda metade do século passado, na pacata cidade cearense, o beco onde eu morava fugiu da tranquilidade costumeira e viveu um momento de incomum agitação.

Um desastrado vizinho subiu ao sótão da sua casa para apanhar meia quarta* de arroz. Ao descer com o cereal, pisou em falso e escorregou da escada que usara para alcançar o compartimento. Melhor seria se o pobre homem tivesse se estatelado no chão. Porém, em vez disso, sua queda foi interrompida no meio do caminho.

Todos correram até a sala da casa para ver a inusitada cena. Alguns tentavam ajudar o agoniado homem. Mas não foi fácil tirá-lo daquela sensível enrascada. O vizinho caiu tragicamente de bunda no pontiagudo armador de rede, e ali ficou, comicamente pendurado.


* quarta é uma medida de peso comum no interior cearense

(imagem Google)


sexta-feira, 2 de novembro de 2012

670 - MESA DE FESTA



     Na década de setenta,  na minha infância em Várzea Alegre, sertão cearense, eu demorei a entender porque embaixo da mesa e das cadeiras da nossa casa havia escrito o nome do meu pai.

     Só alguns anos depois descobri o motivo da dentificação nos móveis da sala de jantar. Naquela época, os organizadores dos eventos festivos pediam emprestado as mesas e cadeiras de várias famílias da pequena cidade. Para não misturar uma com as outras e posteriormente devolver à casa certa, o nome dos proprietários era anotado nas peças em madeira

     Certa noite, meu tio paterno José Cavalcante Cassundé conhecido como Zé do Norte, participava de um baile de carnaval promovido no antigo Recreio Social, espaço de danças localizado nos fundos do prédio da Prefeitura. Como no dia seguinte abriria cedo sua sapataria, o laborioso e agoniado comerciante decidiu deixar a folia ainda no começo da festa. Saiu caminhando em volta do salão procurando a velha mesa trazida da sua casa. Ao localizá-la, o comerciante pediu licença aos ocupantes, colocou o pesado móvel em sua cabeça e gritou para a esposa: 

     - Toinha, enganche as cadeira nos da mesa que o burro véi aqui vai levar agora...

(imagem Google)