quarta-feira, 29 de setembro de 2010

253 - POLITICAMENTE CORRETO





              Atualmente se exige redobrada atenção para o uso de palavras politicamente corretas. Algumas receberam sinal vermelho e devem ser descartadas. Cartilhas oficiais recomendam substituir negro por afrodescendente, pobre por menos favorecido, cego por deficiente visual e favela por comunidade.

        Muito embora haja certo exagero, algumas palavras realmente carregam um tom preconceituoso e grosseiro. Mas o cuidado com o que se fala não para por aí. Cabe também evitar certas perguntas cujas respostas causam enormes constrangimentos. É seu filho? Não meu marido. É seu pai? Não, meu esposo.

        Certo dia, reencontrei uma amiga que não via há alguns meses. Sabendo da sua gravidez, percebendo que ela apresentava uma barriguinha bem saliente, perguntei:

         - E esse bebezinho? Quando nasce?

         Minha amiga, com um sorriso amarelo, respondeu:

         - O bebezinho nasceu há seis meses.



(imagens Google)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

252 - HORA DE CASAR





           Um conceito antigo sustenta que o “namoro é o primeiro passo para o casamento”. Porém, nos tempos atuais, simplesmente “ficar” tornou-se a regra dos relacionamentos entre os jovens. Raramente buscam o modelo do namoro antigo, estável e duradouro.

          Mas em Várzea Alegre, centro-sul cearense, na década de oitenta, uma mulher olhou para o namorado e falou:

          - Meu bem, faz mais de vinte anos que a gente namora. Você não acha que tá na hora da gente casar?

          - É verdade minha querida, tá mesmo. Se demorar mais vamos terminar no caritó*.

         Quando os olhos da namorada já brilhavam de felicidade, o namorado completou:

          - Mas será se ainda encontramos quem queira casar com nós?



*pequena prateleira para guardar coisas pouco usadas.

(imagem Google)

sábado, 25 de setembro de 2010

251 - O PRIMEIRO CHOPE





           Em Várzea Alegre, na barbearia de Vicente Cesário, além de cortar o cabelo e tirar a barba, o cliente também tomava uma cerveja gelada. Por muitos anos, o estabelecimento situado na antiga Rua Major Joaquim Alves serviu como animado ponto de encontro da pequena cidade do interior cearense.

          Na década de 1970, Francisco levou o pai Vicente para conhecer Recife. Logo ao chegar à bela e cultural capital pernambucana, o velho barbeiro foi levado a um concorrido bar e restaurante na famosa praia de Boa Viagem.

          Mal se acomodaram no sofisticado bar, Francisco falou:

          - Pai, agora você vai beber algo que não tem em Várzea Alegre. Garçom, traga dois chopes, por favor.

          Depois de vários chopes servidos, Francisco olhou para o turista do sertão e perguntou:

           - E aí, pai, o que achando do chope? Gostou?

         Depois de mais um gole, o espirituoso barbeiro respondeu:

           - Demais bom. Pode mandar encher as canecas de novo. É o bicho mais parecido com cerveja que já bebi.



Colaboração: Ricardo Batista

(imagem Google)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

250 - ZÉ DE NANINHA





          Quando no início do século passado Euclides da Cunha escreveu que “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”, faltavam alguns anos para José Caldas de Oliveira nascer em Várzea Alegre, sertão cearense. Portanto, o escritor e jornalista cunhou a famosa frase mesmo sem testemunhar a fortaleza do conhecido varzealegrense.

         Com incansável disposição para o trabalho, o simpático sertanejo trabalhou na roça até os 86 anos de idade. Só parou na última quarta-feira, após sofrer um acidente fatal na sua lida diária com o gado, quando laçava uma vaca no sítio Bebedouro.

        Mas Zé de Naninha, como popularmente conhecido, aproveitou a vida com a mesma disposição e sabedoria que exerceu seu trabalho, participando alegremente de eventos festivos da cidade.

        Meses atrás, em um domingo, por volta das duas da madrugada, Francisco Caldas de Oliveira, conhecido como “Baianin”, encontrou Zé de Naninha no concorrido “forró do Fuleiragem”, e aconselhou:

           - Pai, o galo vai cantar e o senhor ainda aqui? Como pode uma coisa dessa? Vá pra casa, pai.

          Sem perder a animação, bebendo cerveja e dançando, o viúvo agricultor respondeu ao filho:

            - Conversinha é essa... Vá você pra sua casa. Você tem muié esperano...



(imagem Google)

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

249 - USE CAPACETE






           Anos atrás, em Várzea Alegre, sertão cearense, agentes de trânsito abordaram o agricultor Zaqueu Guedes e apreenderam sua motocicleta. Além de outras irregularidades, o velho motociclista não usava o importante e necessário capacete.

           Com cerca de oitenta anos de idade, o agricultor resistia em se enquadrar às regras básicas de trânsito. Temendo pela segurança, os filhos de Zaqueu se reuniram para recomendar ao querido pai algumas cautelas no tráfego, especialmente o uso do capacete. No encontro, repetiram insistentemente:

           - Pai, pelo amor de Deus, use sempre o capacete. Além de proteger o senhor, protege seu bolso. Se não vai ser multa atrás de multa. Tem que usar em todo canto. Pra onde o senhor for nunca tire o capacete.

          Dias após, com as multas pagas e a motocicleta liberada, Zaqueu voltou a usar seu meio de transporte. Na moto, se dirigiu imediatamente à agência do banco, para ser informar sobre a abertura de um crédito rural. Dentro da casa bancária, mesmo de capacete foi logo reconhecido e cumprimentado pelo gerente:

          - Bom dia, seu Zaqueu. Pode sentar e tirar seu capacete.

          - Carece não. Mió ficar com ele. Os guardas no meu pé direto. – retrucou o agricultor e poeta popular.

           - Aqui dentro do banco o senhor não é multado não. Pode tirar o capacete. - insistiu o educado gerente.

          - E aqueles dois ali que não tira os ói de mim? – falou o agricultor, apontando para os atentos vigilantes da agência bancária.



Colaboração Gilberto Correia de Oliveira (Gilberto de Zaqueu)

(imagem Google)

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

248 - ZAQUEU NO ELEVADOR






               A invenção do elevador é muito antiga. Cem anos antes de Cristo o arquiteto romano Vitruvius já descrevia o princípio de uma plataforma suspensa dentro de uma cabina vertical para o transporte de pessoas ou materiais pesados.

          Mas, somente, na década de 1970, quando viajou para tratar de uns negócios em Fortaleza, o agricultor varzealegrense Zaqueu Guedes conheceu esse meio de transporte comum nas altas e modernas construções.

          Era a primeira vez que o homem da roça e poeta popular andava numa cidade grande. Um amigo e conterrâneo que morava na capital alencarina levou Zaqueu para conhecer sua residência, situada no 10º. andar de um prédio próximo ao centro da cidade.

          Depois da alegre visita, o conterrâneo acompanhou Zaqueu até a porta do elevador. Nesse momento, o visitante, com seu jeito autêntico de sertanejo, falou:

          - Conterrâneo, eu num sei tanger esse bicho não.

        O amigo, com espontânea cortesia, acompanhou Zaqueu até térreo, ocasião em que o agricultor e poeta perguntou:

         - Quanto é a corrida lá de riba inté cá pra baixo?

        Rindo, o amigo, respondeu:

        - Nada não, Zaqueu.

        O matuto, impressionado com a rápida e eficiente descida, apontando para o elevador, sugeriu:

         - Esse negócio faz curva? Vumbora nele lá no centro da cidade resolver u’as questão minha.



Colaboração: Gilberto Correia de Oliveira (Gilberto de Zaqueu)

(imagens Google)

sábado, 18 de setembro de 2010

247 - A GRATIDÃO DE ZÉ DE LULA






        O agricultor varzealegrense Zé de Lula, por seu jeito irreverente e descontraído, mantém um enorme grupo de amigos, entre os quais o bem-sucedido contador Demontiê. Numa rodada de conversa ou numa mesa de bebidas não há como ficar sério com as surpreendentes tiradas e cômicas histórias contadas pelo conhecido agricultor.

         Em um feriado prolongado, Demontiê trouxe de Fortaleza, onde mora, uma encomenda para Zé de Lula. Cumprindo promessa, o defensor público Ricardo Cézar, filho do contador, mandara três bermudas para o aposentado agricultor.

          Dias depois, no aprazível sítio Sanharol, próximo à cidade de Várzea Alegre, Zé de Lula, Demontiê e outros bebiam no bem frequentado Bar de Buzuga, quando Ricardo ligou para o telefone celular do pai. Ao ouvir a conversa, o agricultor logo pediu para falar com o filho do contador, certamente para agradecer o envio das bermudas.

           Ao receber o telefone móvel, Zé de Lula foi logo dizendo:

         - Ricardo, arrume um portador de confiança. Da próxima vez mande por Anésia, sua mãe. Sabe a bermuda que você mandou com cinquenta real no bolso? Pois seu pai num tirou a oncinha, hômi...

 
(imagem Google)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

246 - AMOR NÃO TEM IDADE





         Décadas atrás o ditado popular “pra cavalo véio o remédio é capim novo” inspirou os parceiros Zé Clementino e Luiz Gonzaga a compor uma música que tratou de controvertido assunto. Até hoje, relações com parceiras ou parceiros muito mais novos provocam discussão e despertam indisfarçáveis preconceitos.

         Com oitenta anos de idade, Quim, comerciante de uma pequena cidade do sertão cearense, enviuvou pela segunda vez. Depois de algum tempo, temendo a solidão, tratou de buscar uma nova companheira.

        Logo o velho comerciante encontrou entre as pretendentes uma mulher da sua simpatia. Após iniciar o novo relacionamento, Quim foi abordado por Mafalda, sua ciumenta filha caçula:

         - Papai, soube que o senhor tá com uma namorada da minha idade. O senhor não acha que ela é muito nova não?

        O experiente Quim desconcertou a sua querida filha de 35 anos, perguntando:

        - Mas Mafalda, quem disse que tu  é muito nova?




(imagem Google)

domingo, 12 de setembro de 2010

245 - COMÍCIO




         Na segunda metade do século passado, um candidato a prefeito de uma pequena cidade do interior do nordeste iniciou a campanha pelas comunidades rurais.

        Numa das visitas, o esforçado candidatou chegou com a comitiva a um pequeno e longínquo distrito, subiu em um banco de madeira e começou a discursar:

        - Povo da comunidade. Se aproxime para escutar o que tenho pra fazer por aqui quando eu assumir a prefeitura.

       Cansados das falsas promessas, os moradores não deram muita atenção ao vazio discurso. Apenas um velhinho, com passos lentos, se aproximou do entusiasmado orador.

       - Senhor, Muito obrigado por atender a meu pedido e se aproximar. – disse o satisfeito candidato.

       O velhinho, com ar cansado, tirou o chapéu de palha da cabeça e disse:

        - Já acabou o falatório? Tou aqui é esperando o sinhô desocupar meu banco...



Colaboração: Vilani Alencar

(imagem Google)

sábado, 11 de setembro de 2010

244 - "TINGUI" NO BAR





           No nordeste, o homem da roça sempre sofreu com o clima árido. Mas além dessa dificuldade na agricultora em razão do irregular período de chuvas, na pecuária o sertanejo também precisa transpor outros obstáculos.

         Mesmos nos pastos secos da caatinga nordestina aparece uma erva chamada tingui que provoca a intoxicação no gado. O problema surge especialmente quando os animais que ingerem o tingui são submetidos a uma maior movimentação, um deslocamento rápido. Os animais afetados apresentam dificuldade em se manter em pé, convulsões e morrem.

         Na década de oitenta, numa manhã de sábado, na cidade cearense de Várzea Alegre, o agricultor Zé de Lula participava de uma rodada de bebida com várias pessoas no animado  Bar da Castanhola. De repente, o agricultor foi chamado pelo proprietário do estabelecimento, Jonas Moraes, que disse:

         - Zé de Lula, a cerveja acabou. Vá correndo ali em Toinha Boágua e compre meia grade de Bhrama.

         O agricultor, com sua peculiar irreverência e confessada preguiça, resmungou:

            - Vou correndo não, pois comi tingui.



Colaboração: Socorro Costa

(Imagem Google)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

243 - A MORTE DA DONA DO CAFÉ






          Na segunda metade do século passado, na cidade de Farias Brito, a obesa Maria do Piquiá mantinha um café bastante frequentado. Naquela época, no interior do Ceará, estabelecimentos como esse ofereciam aos clientes os serviços semelhantes aos das atuais lanchonetes. E o concorrido café servia os melhores bolos, pães-de-ló e doces da pequena cidade do cariri cearense.

         Tudo transcorria bem com o comércio,  até que um dia Maria do Piquiá apresentou um quadro grave de doença e foi levada às pressas para um hospital do Crato. A cidade de Farias Brito ficou ansiosa por informações. Em menos de quarenta e oito horas chegou da cidade vizinha a notícia que muitos temiam. A dona do café morrera.

         As providências para o velório e o enterro foram rapidamente tomadas pelos amigos e fregueses da falecida. As coroas de flores e velas, encomendadas. As carpideiras, com véus e vestidos pretos, chegaram cedo à casa da comerciante para chorar sua morte e puxar rezas e cânticos.

         Quando, no final da tarde, o carro trazendo o corpo chegou a Farias Brito já havia uma multidão em frente à casa de Maria do Piquiá. Em sinal de sentimento e pesar, os homens tiraram o chapéu de palha da cabeça para receber o defunto. A porta do veículo foi aberta e de dentro saiu uma gorda senhora. Espantada, a mulher não entendia a razão de tanta gente em frente à sua residência. O povo ali presente se surpreendeu mais ainda. O alvoroço foi grande. As crianças saíram correndo. No meio delas, uma pequena garota gritava:

       - Maria do Piquiá enviviceu. Maria do Piquiá enviviceu...



Colaboração: Vilani Alencar

(imagem Google)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

242 - AZAR NO JOGO, SORTE DO HUMOR




          Outro dia, assisti a uma entrevista no programa do Jô Soares com o doutor Hermano Tavares, psiquiatra que trata de pessoas com compulsão pelos jogos de azar. Segundo o renomado especialista “a perda de controle sobre o jogo é gradual e é a principal característica do jogador compulsivo”.

         Nas conversas descontraídas de Várzea Alegre, sempre surge uma boa história envolvendo o bem humorado casal Raimundo Bitu (Padin) e Cotinha. E a interessante entrevista me fez lembrar um inusitado fato contado há algum tempo no bem visitado Blog do Sanharol*.

          Na segunda metade do século passado, Cotinha, em sua aprazível casa do sítio Sanharol, reclamou do esposo que acabava de chegar de uma demorada rodada de jogos de cartas:

         - Raimundo, você muito viciado nesse carteado. Quando você morrer, no lugar das flor, vou mandar espaiar umas cartas de baralho no seu caixão.

          O espirituoso agricultor Raimundo Bitu, certamente ainda chateado com a pouca sorte no pif e paf, com seu característico rompante, suplicou:

         - Cotinha, escolha umas carta boa, uns melé, pra mode eu chegar já batido no céu.





* http://blogdosanharol.blogspot.com/

* Curinga (português brasileiro) ou joker (português europeu), também conhecido como coringa ou melé em algumas regiões, é a carta do baralho que, em certos jogos, muda de valor conforme a combinação de cartas que o jogador tem em mãos.(wikepédia)

(imagem Google)

sábado, 4 de setembro de 2010

241 - CALOTEIRO AMIGO






          Quase todo mundo já foi vítima de um amigo que adora tomar dinheiro emprestado e sempre se esquece de pagar. Normalmente eles não cumprem os compromissos. São péssimos de negócio, mas ótimos de conversa. O dilema sempre aparece: perder o amigo, o dinheiro ou os dois?

          Em Várzea Alegre, na década de 1970, um desses conhecidos velhacos, com um bom papo, conseguiu enganar os irmãos e comerciantes Luiz, Pista e Zé do Norte. Não satisfeito, na mesma época, passou a procurar o pai dos três, dizendo que teria um negócio a tratar.

          Preocupado que o seu querido pai também caísse no golpe do caloteiro, Luiz, filho mais velho, alertou:

          - Papai, fulano tá procurando o senhor. Com certeza é pra pedir dinheiro emprestado. Cuidado. Eu, Zé do Norte e Pista já fomos enganados por ele.

          O velho Raimundo Silvino, experiente comerciante do sertão cearense, certamente incomodado com a ingenuidade dos filhos, com sua ironia matuta, retrucou:

         - É danado! Você, Antôi e José foram os bozin. Emprestaram o dinheiro e eu que vou negar. Luiz, vocês querem que o rim seja eu?



(imagem Google)

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

240 - MEDO DO INFERNO






          Para muitas pessoas o temor do inferno supera o verdadeiro amor a Deus. Nas poucas vezes que ajudam os outros, agem apenas para garantir um lugar no céu e não motivados por espontânea soidariedade ao próximo.

          Há séculos nas doutrinas religiosas prepondera a psicologia do medo, onde o diabo exerce o papel de protagonista. Em que pese o misericordioso e compassivo amor de Deus, muitos ensinam que Ele condena os pecadores a tortura num contínuo inferno de fogo.

          No entanto, meu avô paterno Raimundo Cavalcante, agricultor e comerciante, possuía entendimento diverso. Na segunda metade do século passado, no sertão nordestino, o destemido Raimundo Silvino costumava dizer:

         - Esse negócio de inferno é invenção das muié casadas pra fazer medo os maridos e os meninos.

 
(imagem Google)