quarta-feira, 31 de agosto de 2011

461 - O VISITANTE NOTURNO




Em uma pacata cidade do sertão cearense, na década de setenta,  sempre que um conhecido morador deixava sua modesta casa para trabalhar como vigia noturno, sua esposa recebia a furtiva visita de um homem. 

Bastava o ingênuo marido sair para o serviço que a assanhada esposa tratava de se preparar para o encontro. Após arrumar os filhos pequenos para dormir, tomava demorado banho e vestia roupas íntimas especiais.

         Em certa noite, quando os vizinhos deixaram a calçada e entraram em suas residências, o visitante, elegante e perfumado, aproximou-se da casa de sua amante e bateu discretamente na velha porta de madeira. Como a mulher não veio recebê-lo com a receptividade de costume, o ansioso ricardão tocou mais fortemente  na porta. Nesse momento, o marido, em dia de folga do  trabalho, gritou:

- Ei, vá simbora, hoje quem tá aqui dento é o dono....


(imagem Google)

terça-feira, 30 de agosto de 2011

460 - A VOLTA DA FESTA DE AGOSTO




Além de permitir as homenagens a São Raimundo, padroeiro da cidade, a animada Festa de Agosto possibilita aos frequentadores o reencontro com muitos varzealegrenses que migraram para outras cidades.

Desde abril de 1976, ano marcado pela queda da torre da igreja matriz, o varzealegrense Francisco Dalmir de Freitas não visitava sua cidade natal. Mas neste ano de 2011, Dalmir, radicado em Fortaleza, finalmente decidiu voltar à Várzea Alegre. E para o feliz retorno escolheu logo o  período da festa do santo padroeiro. 

Ao chegar à terra do arroz, para sua satisfação, Dalmir foi recebido com estusiasmo pelos conterrâneos. Nas novenas da igreja matriz, nas salvas do início da manhã e do meio-dia, nas barrracas do arraial, em todo lugar as pessoas cumprimentaram calorosamente o conterrâneo.  Nem parecia que demorara tantos anos para voltar à Várzea Alegre.

Até que, em dado momento da festa, o agricultor aposentado Zé de Lula se encontrou com o visitante e alertou:

- Dalmir, o povo tá falando com tu pensano que é tiê, teu irmão. São mais parecido que japonês. Me diga qual a diferença de vocês dois.

Batendo com a mão no bolso da calça, lembrando da vitoriosa carreira profissional do seu popular irmão Demontiê,   Dalmir respondeu:

- Amigo véi, a diferença tá aqui.


Colaboração: Franscisco Dalmir de Freitas
(imagem Google)

domingo, 28 de agosto de 2011

459 - A LÍNGUA MÃE




O poeta modernista Manoel Bandeira cantou em seu versos que “A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros/ Vinha da boca do povo na língua errada do povo/ Língua certa do povo/ Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil/ Ao passo que nós/ O que fazemos/ É macaquear/ A sintaxe lusíada”.

Ouvindo interessantes conversas entre moradores mais antigos, especialmente da minha querida cidade natal, descubro a variedade das expressões populares e a riqueza e originalidade da nossa língua.

Certo dia, na década de setenta, na à época isolada Várzea Alegre, Dirceu de Carvalho Pimpim, próspero usineiro de algodão e comerciante, recebeu em seu escritório um antigo cliente. No encontro, o velho coronel ouviu o amigo elogiar a cria:

- Seu Diceu, eu tou muito pabo* com meu fii. Ele “pelejou que só” e hoje muito bem.

         Porém, no decorrer da prosa, o cliente não esclareceu qual a profissão do filho. Assim, já curioso por saber qual negócio tocado pelo bem-sucedido jovem, o coronel Dirceu, com seu modo de falar original, batendo os beiços, indagou ao amigo?

- Apois me diga o que ele tange**??


* palavra muito usada no Ceará que, segundo o dicionário informal, define a 
pessoa que está lisonjeada, se sentindo muito bem em relação a uma determinada situação.
** flexão do verbo tanger, que entre os significados estão tocar, açoitar, fustigar (animais para que andem ou fujam).
(imagem Google)

sábado, 27 de agosto de 2011

458 - DE OLHO NA PROFESSORA


 

As histórias envolvendo o popular corretor de algodão Antônio Ulisses sempre divertiram os moradores de Várzea Alegre, pequeno e acolhedor município do centro-sul cearense. E era o próprio personagem que, com inesgotável bom humor,  contava diversas  passagens de sua vida.

No final da década de noventa, o viúvo Antônio Ulisses se engraçou por uma bela professora de uma escola próxima. Diariamente a jovem passava caminhando pelo terreiro  da casa do aprazível Sítio Santa Rosa e despertou o coração do solitário coroa.

Crente de que possuía alguma chance, Antônio Ulisses encarregou Cosme, seu fiel empregado, de ir no sítio vizinho para observar se a professora mencionava o nome do apaixonado pretendente. Porém, ao voltar, com seu jeito simples e caricato, o agricultor Cosme relatou:

- Seu Ontôi, na frente deu  a muié num triscou no seu nome não...

Mesmo assim Antônio Ulisses não perdeu as esperanças e  continuou a vigiar a passagem da professora. Certa tarde, sob o sol causticante do sertão,  na estrada, o corretor fingiu acompanhar o conserto em uma cerca de arame farpado só para que pudesse cumprimentar a jovem quando ela passasse bem ao seu lado. Após desejar um sonoro bom dia e ser retribuído friamente pela moça, o patrão pediu ao empregado:

- Cosme, veja se ela olha pra trás.

O modesto agricultor observou a bela jovem seguir seu caminho e respondeu para o ansioso corretor de algodão:

- Seu Ontôi, ela num ispiou nem com o rabo do ôi...

Esperando um sinal positivo da moça, Antônio Ulisses insistiu:

- Nem uma olhadinha, Cosme?

- Só se ela oiou pelo restrovisor, seu Ontôi – disse o leal e sincero morador.


Colaboração: Antônio Alves da Costa Neto
(imagem Google)

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

457 - O GÁS DA CÂMARA


Nas sessões das câmaras municipais acontecem importantes debates e relevantes decisões que afetam o dia-a-dia do cidadão. Cumpre também à casa legislativa fiscalizar  e cobrar a boa aplicação dos recursos públicos.
Certa manhã, na década de noventa, em uma pequena cidade do sertão nordestino, logo que o presidente da câmara deu início aos trabalhos, o lider da bancada oposicionista pediu a palavra. Como habitualmente, o vereador começou seu discurso com mais uma de suas insistentes denúncias contra a direção da casa:
- Senhor presidente, hoje eu quero explicações para o aumento do consumo de gás. Aqui nessa casa só tem um fogão pra fazer o café nas reuniões e na sua direção a câmara dobrou o consumo de gás.
A direção autorizara que algumas despesas extras da câmara fossem contabilizadas como gasto de gás de cozinha. Assim, o presidente, um agricultor com pouco estudo formal mas muita eloquência, logo elaborou uma saída pouco comum:
- Vossa Excelença já reparou na mangueira do fogão? Viu o tamãe da foiga e que tá vazano gás?

(imagem Google)

terça-feira, 23 de agosto de 2011

456 - TEM PAULISTA NA FESTA DE AGOSTO




Nos últimos dias de agosto, na festa em homenagem ao padroeiro São Raimundo Nonato, a cidade de Várzea Alegre recebe inúmeros visitantes, com destaque para os filhos da terra que encontraram oportunidades de trabalho em outros lugares do mundo.

No período religioso e festivo, os migrantes varzealegrenses que vivem em São Paulo se sobressaem  entre os que procuram a pequena e acolhedora cidade. Sempre bem humorados, cordiais e falantes, ali tratados carinhosamente como “paulistas”, esses visitantes prestigiam e marcam a animada Festa de Agosto.

No início da década de oitenta, em um fim de tarde, em plena festa do padroeiro, o corretor de algodão Antônio Ulisses e o agricultor Gilson Primo bebiam no Bar de Maria Araripe quando chegou e se sentou à mesa  um varzealegrense há muitos anos radicado em São Paulo. Após demorada e animada conversa, regada com muita cerveja e saborosos tiragostos encomendados no bar de Toinha Bo’água, o paulista não permitiu que os amigos mexessem no bolso. Emocionado com o prazeroso e divertido encontro, o desprendido visitante arcou sozinho com a despesa e ainda convidou os conterrâneos para juntos descerem para as barracas armadas na antiga Avenida Getúlio Vargas, atual  Luiz Afonso Diniz.

Porém Gilson e Antônio Ulisses dispensaram a companhia do paulista, pois combinaram fazer parte da comitiva do amigo e deputado estadual Nilo Sérgio, com quem horas depois seguiram para o animado arraial.

Durante a noite, acompanhados do popular e simpático político, os dois beberam e comeram bastante, demorando um pouco em cada barraca armada na rua. Na hora de pagar a conta, Nilo Sérgio chamava Gilson em um canto e falava:

- Gilson, vá pagando aí porque eu não posso por  a mão no bolso não. Pessoal vai me aperrear por dinheiro...

Na terceira barraca, quando Nilo fez novo sinal para que Gilson pagasse mais uma despesa da grande turma, o agricultor olhou para o amigo corretor de algodão e, com seu jeito pausado e cômico de falar, sugeriu:

- Ontôi, bora atrás do paulista que tem mais futuro...


Colaboração: Dirceu Carvalho Feitosa Costa
(imagem Google)

domingo, 21 de agosto de 2011

455 - AS NOTAS DE "DUDÉ"




Certa manhã da década de setenta,  em Várzea Alegre, Dudé, músico e professor, filho do mestre Antônio, chegou na bodega de seu  Zé Augusto e pediu a Alberto:

- Obeto, me dê um tapa pa te cabeça.

O irreverente Alberto ainda se preparou e fez menção  de aplicar o golpe sugerido. Mas foi em uma gaveta do balcão  e apanhou o pedido do modesto músico.

Em verdade, com dificuldade na fala, sempre trocando algumas letras, o que o professor de música Dudé desejava era uma capa, sinônimo para comprimido à época muito usado em Várzea Alegre.

Contudo, essa dificuldade não impedia Dudé de ministrar aulas de música. Mesmo criando uma confusão inicial para os alunos, o  professor, citando as notas musicais, falava:

 - Repitam comigo, “, , mi...”

- “, , mi...” – rediziam os atentos alunos.

Já afobado, quase gritando, o professor insistia:

- Eu falo “” porque sou dado, mas vocês é pra dizer “”... 


Colaboração: Leônidas Siebra Leite (Alberto)
(imagem Google)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

454 - COMO NOSSOS PAIS




Hoje minha filha mais velha, de apenas 7 anos, me ligou avisando que não precisaria apanhá-la na escola,  tarefa que cumpro com prazer diariamente. Ela  me avisou que já estava em casa pois faltara energia e as aulas do dia foram canceladas. De longe, do trabalho, com certo desapontamento,  eu percebi uma ponta de satisfação na voz alegre no outro lado da linha.

Mas antes que chegasse a conclusões precipitadas sobre o gosto e futuro da minha  esperta primogênita com os estudos lembrei do meu tempo na Escola José Correia Lima e no Colégio São Raimundo Nonato.

Naquela época, em Várzea Alegre, no centro-sul cearense, ainda criança, mesmo com os dissabores e incovenientes da doença, eu adorava amanhecer febril por conta de uma “crise de garganta” ou outra infecção. Ainda deitado na cama, eu escostava a mão no pescoço e, com rouquidão exagerada, dizia:

- Mamãe, eu acho que tou com febre...

Nesses dias de convalescença, além de me livrar das rotineiras atividades escolares, sobrava mais tempo para divertidas brincadeiras. E certamente comeria a deliciosa bolacha Maria com o refrigerante natural Guaraná Champagne.


(imagem Google)

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

453 - CAIXOTE MÁGICO (Pedra de Clarianã há dois anos)



       Fundada em setembro de 1950 por Assis Chateaubriand, a TV Tupi de São Paulo foi a primeira emissora de televisão do Brasil. Porém, a revolucionária invenção do escocês John Baird demorou a se espalhar pelo restante do país, especialmente pelas pobres regiões do nordeste.

        Fugindo das intempéries do sertão cearense, o ferreiro Chico Basil viajou para São Paulo no início da metade do século passado. Na progressista região teve a oportunidade de conhecer o impressionante invento.

        Depois de um bom tempo trabalhando na terra da garoa, na volta para o Ceará Chico explicou para o seu velho pai, Antônio Basil de Oliveira, a novidade do sul:

        - Papai, o sinhô carece uma coisa que tem no São Paulo. É uma caixa de madeira que daqui de Várzea Alegre nós enxerga e ouve uma pessoa que tá conversando lá nas bandas das Lavras da Mangabeira.

        O cético sertanejo Antônio Basil logo retrucou:

        - Chico, meu fi, deixa de leriado*. Eu ainda tou custando** a acreditar na caixa que só fala e já vem com outra que enxerga o povo que noutras paragens.


* vocábulo cearense que significa “conversa fiada”
** flexão do verbo custar, que, no ceará, é sinônimo de demorar
(imagem Google)

terça-feira, 16 de agosto de 2011

452 - A CONTA DO BAR




Em poucos lugares já trabalharam  tantos nomes famosos quanto no bar de Alberto, localizado no Calçadão Antônio Alves Costa, no centro comercial da pacata Várzea Alegre.  Artistas como Juninho Bill, Michael Jackson, Elvis Presley e Tony Rossi atenderam o público nas mesas do movimentado estabelecimento.

Na verdade, logo ao contratar, observando qualquer semelhança física ou comportamental, o perspicaz comerciante costuma atribuir nomes artísticos aos seus funcionários.

Certa noite, depois de tocar no som do bar a oração de São Francisco, sinal de que chegara a hora de fechar, Alberto acordou de um cochilo no balcão e, apontando para o local onde uma turma desconhecida bebera,  perguntou:

- Tony Rossi, cadê os fregueses daquela mesa ?

- Sairam agorinha, Alberto. 

- E pagaram as cervejas?

Ainda tremendo, suado, o garçom contou:

- Quando fui levar a conta um rapaz forte levantou os braço e s'ispriguiçou. Foi aí que vi um revólver de cada lado da cintura dele.

- Vixe, e aí ? – Perguntou o já preocupado Alberto.

- Hômi, eu só disse a ele que a conta já fazia era tempo que tava paga...


Colaboração: Leônidas Siebra Leite (Alberto)
(imagem Google)