terça-feira, 30 de novembro de 2010

288 - ROUPA NOVA




          Na metade do século passado, Maurício e Pedro, bem jovens, saíram da pequena Várzea Alegre para estudar em Fortaleza. Os dois foram levados pelo irmão José Fiúza Lima, Zezé, que já estudava e trabalhava na capital alencarina.

           Acostumados com a vida simples do aprazível sítio Varas, onde nasceram e cresceram, os irmãos varzealegrenses, principalmente Maurício, estranharam a rotina da cidade grande. Hospedado em uma pensão no centro da capital, todo o tempo que ali passou, Maurício sonhava com a tranqüilidade matuta do seu pacato sertão.

          Certo dia, na pensão, Maurício foi indagado porque ainda não vestira a camisa nova de linho que ganhara de presente em Fortaleza. Sem esconder o desejo de voltar para sua terra natal, com brilho nos olhos, falou:

           - Só vou usar essa camisa em Várzea Alegre. Aqui na Fortaleza ninguém vai nem reparar que tou de roupa nova.



Colaboração: Ana Souza Cassundé (tia Anísia)

(imagem Google)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

287 - FECHANDO A CALÇADA




           As cidades, especialmente as maiores, aboliram o saudável hábito do encontro de seus moradores para conversas nas calçadas. Muito são os motivos elencados para essa mudança na rotina das pessoas, entre os quais o advento da televisão e o aumento da violência nos centros urbanos.

           Na metade do século passado, em Várzea Alegre, sertão cearense, a calçada de Antônio de Norões Moreira, genro do chefe político e coronel Antônio Correia Lima, era bastante freqüentada. Todo fim de tarde, na frente de sua casa, Norões e a esposa Santa recebiam vários amigos e compadres para uma agradável conversa sobre os mais variados assuntos. A boa prosa seguia até cerca de oito horas da noite, quando todos se despediam e o educado casal se recolhia para dormir.

           Certa noite, mesmo com Norões bocejando e Santa quase cochilando, um compadre insistia no prosseguimento da conversa. Os demais freqüentadores já haviam deixado o local, mas aquele ficou até bem mais tarde.

           Como o visitante não parava de conversar nem dava sinais que ia embora, não mais suportando o sono e percebendo o cansaço de sua esposa, já próximo das nove horas, o refinado Norões se levantou da cadeira de couro e falou:

           - Santa, vambora entrar que o compadre tá com muito sono.



Colaboração Bruno de Souza Costa

(imagem Google)

domingo, 28 de novembro de 2010

286 - 'EGGS' MEXIDOS



           Em um vôo para os Estados Unidos dois cearenses seguiam na mesma fila de poltronas do avião. Um já ambientado e acostumado com o demorado percurso. O outro, passageiro de primeira viagem, cheio de receios e com dificuldades para se comunicar com as belas moças do serviço de bordo da companhia aérea americana.

         No fim da manhã, chegada a hora da refeição, observando a desenvoltura de seu companheiro que a todo instante falava em inglês com as aeromoças, o turista iniciante perguntou:

          - , eu num como sem um disco voador. Como é ovos em inglês?

         - Eggs, Mané, eggs. Mas num sei se servem ovos aqui não...

         O tímido cearense tomou coragem e apertou o biloto* luminoso para chamar o serviço de bordo. A bela moça da companhia se aproximou sorrindo e o cearense perguntou:

        - Tem éguis?

        Imediatamente a aeromoça saiu para providenciar o complemento da refeição do passageiro. Passados alguns minutos, voltou trazendo o pedido. A jovem comissária, impressionada com o apetite do cearense, trouxe uma grande bandeja com dez ovos.



*segundo o dicionário cearense significa botão pressionável.


Colaboração: Zeca Barreto


(imagem Google)

sábado, 27 de novembro de 2010

285 - ROMANTISMO CADENTE

 

 
          Há alguns anos, o varzealegrense Gean Claude iniciou namoro com Agatângela, moradora do sítio Tupuiú, em Aquiraz, região metropolitana de Fortaleza. Apaixonados, os dois curtiam passar a noite ao relento, sentido a brisa e observando a lua e as estrelas.

          Certa madrugada, na tranquilidade do sítio, o casal olhava para o horizonte quando surgiu no céu uma estrela cadente. A namorada encostou a cabeça no peito do amado e perguntou:

         - Gean, tu viu?

         - Vi sim - respondeu o namorado.

         - O povo acredita que quando cai uma estrela dessa a gente tem direito a fazer um pedido. Gean, tu fez? – indagou, Solângela, com os olhos brilhando de felicidade.

          Gean abraçou ainda mais fortemente aquela que seria sua futura esposa, e disse:

           - Fiz sim.

          - E o que tu pediu? - continuou a romântica namorada, já sonhando com o casamento.

          - Pra ela num cair aqui – finalizou, Gean, com seu incontrolável bom humor.

 
Colaboração: Gean Claude Holanda

(imagem Google)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

284 - DEZ MANDAMENTOS*






          Durante certo período, quando ainda solteiro, Antônio Ulisses habitou com alguns outros rapazes em uma República, localizada no início da Rua dos Perus/Coronel Pimpim. Como aconteceu em todos os outros em que morou, o local foi bastante frequentado pelo seu grupo de amigos.
 
         Aquela habitação coletiva, além do clima de alegria constante, marcou época pela completa falta de organização dos seus moradores. Antônio Ulisses, contudo, tentou colocar ordem na casa, afixando, logo na entrada, um belo cartaz confeccionado pelo artista e pintor varzealegrense Ildefonso Vieira Lima - Delfonso, contendo os “10 mandamentos da República”:
 
1º) - Proibido cagar no chão.

2º)- Quem entrar por último escore a porta com a pedra.

3º) Não jogue o copo dentro do pote.

4º) Não usar o penico pra encher o pote.

5º) Não cuspa nem escarre nas paredes.

6º) Lave sua rede pelo menos uma vez por ano.

7º) Desarme sua rede quando viajar pra outra cidade.

8º) O que você ouvir aqui, favor espalhar por toda cidade.

9º) 30 de fevereiro – dia da Faxina Geral.

10º) Colabore com a desorganização do ambiente.


* do livro "Conte Essa, Conte Aquela - Histórias de Antônio Ulisses".
(imagem Google)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

283 - CLIENTE RETORNÁVEL




          Segundo pesquisa divulgada hoje, encomendada pelo Ministério do Meio Ambiente em parceria com o Supermercado Walmart, a maioria da população brasileira aprova proibição do uso de sacolas plásticas para carregar compras. A medida, defendida pelos especialistas, busca minimizar os graves impactos ambientais provocados pelo uso indiscriminado desses saquinhos.

          Minha avó Maria Amélia, na década de oitenta, morou em Fortaleza ao lado do Jumbo da Avenida Aguanambi, supermercado tradicional da cidade. Com cerca de setenta anos, era a mais assídua e fiel cliente daquele grande estabelecimento do grupo Pão de Açúcar. Toda manhã, ia inúmeras vezes ao movimentando supermercado. Gordinha, subia os vários lances de escadas do apartamento com dificuldade, trazendo apenas um produto em um saco plástico.

          Certo dia, impressionado com as idas e vindas às compras da minha querida avó, eu, ainda estudante, comentei:

          - Vovó com algum paquera nesse mercantil. A senhora passa o dia todo indo lá.

          Já sentada em sua confortável cadeira de balanço, ainda ofegante, com um sorriso irônico no canto da boca, minha econômica avó premeditou:

           - Flavin, um dia você vai descobrir quanto custa um saco de lixo.


(imagem Google)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

282 - PRAIA NO SERTÃO




          As pessoas que moram no litoral se vestem de maneira diferente das quem vivem no interior. É natural que os praianos, que exibem com freqüência os corpos na beira do mar, usem roupas mais curtas que os acanhados sertanejos.
 
          Na segunda metade do século passado, o agricultor varzealegrense Zé André foi passear na bela Fortaleza, visitando vários lugares, inclusive as badaladas praias da cidade.
 
          Ao retornar à pacata Várzea Alegre, sua esposa Tonha perguntou:

          - Como foi a viagem da capital? Gostou?
 
          O velho agricultor, esbanjando sinceridade, lembrou da paisagem marcante da sua viagem e, com seu falar arrastado, respondeu à sua querida companheira:

          - Gostei muito, Tonha. Mais de duas tarefa* de terra cheia de muié nua.




* TAREFA unidade de área muito usada no nordeste.

Colaboração: Cícero Morais.

(imagem google)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

281 - EXCESSO DE FORMOSURA




             A espontaneidade e a sinceridade do povo do interior permitem o uso de expressões e comentários que soariam diferentes em regiões urbanas do país.

            Minha tia paterna Socorro Cavalcante morou por vários anos em São Paulo. Na década de setenta, quando voltou para a pequena Várzea Alegre, chamou atenção pela altura acima da média e pela gordura acumulada nas terras do sul, sinal de formosura para os sofridos sertanejos.

            Em um domingo, no final da tarde, Socorro foi visitar sua prima Maria de Pepê, que morava no aprazível sítio Sanharol, bem próximo a sede do município cearense. Zé André, conhecido agricultor do local, ao avistar a aproximação da visitante, se levantou de uma rede armada no alpendre de sua casa, e, com sua maneira autêntica e observadora, disse em toda altura:

            - Eita, lá vem Socorro de Raimundo Silvino tomando a estrada toda...




(imagem Google)

domingo, 21 de novembro de 2010

280 - "XARÁ"



          Nesses tempos de enorme crescimento populacional torna-se ainda mais comum à convivência dos “xarás”, pessoas batizadas e registradas com o mesmo nome de outras.

          Em uma pequena cidade do interior cearense, na década de oitenta, uma mulher, após preparar a refeição, gritou em voz alta no rumo da calçada:

          - Joaquim, na hora do almoço.

         Um desconhecido que por ali passava atendeu o chamado e entrou na residência. O marido, ao sentar à mesa, estranhou a desconhecida companhia que já dava as primeiras colheradas no servido feijão com pão. Desconfiado, o dono da casa perguntou:

          - O que o sinhô faz aqui na minha mesa ?

          - É que eu ia passando na rua e ouvi o grito da muié chamando Joaquim pra almoçar.

          - Quer dizer que o sinhô também se chama Joaquim.

          - Nan, é Epaminondas. Mas pra cumê eu atendo por qualquer nome.


Colaboração: Kleber Dakson Fiúza (Manin de Saraiva)

(imagem Google)



sábado, 20 de novembro de 2010

279 - A VENDA DA CACHORRA






          Em muitos finais de tarde, Antônio Ulisses se reunia com seus amigos no bar de Maria Araripe, no início da rua Coronel Pimpim. Numa dessas ocasiões, estava ao seu redor, Joaquinzin, Chico Basil, Luiz Dimas, Quidin Quereno e Chico Cancão. O saboroso papo fluía com desenvoltura ao sabor de uma gelada cerveja.
 
          De repente, chegou ao local, um vendedor com uma cachorra, insistindo para que Antônio Ulisses adquirisse aquele “pé-duro” animal. Além de não ser criador de cachorros, a inconveniente venda estava atrapalhando o desenrolar da agradável conversa entre os amigos.
 
          Não mais suportando a insistência do chato vendedor, Antônio Ulisses fez o seguinte comentário:

         — Meu amigo, qual a vantagem dessa compra? Quantos litros de leite essa cachorra dá por dia? Quantas dúzias de ovos ela põe por mês? Você já viu alguma vez alguém voltar do mercado com um quilo de carne de cachorro pro almoço?
 
        Mesmo assim, Antônio Ulisses resolveu comprar a pequena cachorra. A iniciativa, no entanto, desagradou sua esposa Maria Aparecida, pois o animal, pouco disciplinado, impedia a boa limpeza da residência.
 
        Antônio Ulisses, após várias discussões com Aparecida, resolver embarcar a cachorra no carro e seguiu na estrada vicinal. Logo no Brejinho, no terreiro da residência de seu Dario Pimpim, parou o carro e comentou com seu querido vizinho.
 
         — Seu Dario, eu vou resolver um problema conjugal. Vou soltar esse animal na Caatinga Grande, pois não posso trocar minha mulher por uma cachorra.



*extraído do livro "Conte essa, conte aquela - Histórias de Antônio Ulisses"
(ilustração Edricy França)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

278 - CARTA FORA DO BARALHO





         Em Várzea Alegre, centro-sul cearense, na residência de Verônica e Raimundin sempre houve uma animada e concorrida mesa de baralho. Certa noite, na década de setenta, além dos donos da casa, completavam a banca do jogo de buraco as amigas Salete Holanda e dona Edite.

         Depois de várias rodadas perdendo, Salete iniciou uma partida bastante otimista com as cartas que recebeu. E falou repetidas vezes:

          - Dessa vez eu tou armada. Falta só puxar a carta boa pra fazer a canastra e bater.

          No entanto, a rodada prosseguiu com mais uma vitória da dupla formada por Raimundin e dona Edite. Chateada com as sucessivas derrotas, Verônica, depois de um trago no cigarro, perguntou:

          - Salete, afinal qual era a carta que tava faltando pra você bater?

          - O às de copa* - respondeu ainda triste a jogadora.

          - Mas como é que você quer puxar se você tá sentada em cima dele – comentou a espirituosa Verônica.




* No Ceará a expressão “às de copa” também significa ânus.

Colaboração: Edilberto Nunes (Edilberto de Doutor Osvaldo)

(imagem Google)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

277 - ABAIXO O PRECONCEITO



          Antes das construções e melhorias das estradas, popularização dos meios rápidos de transportes, eletrificação rural, televisão e outras conquistas do mundo moderno, as comunidades do interior viviam isoladas. Nessa época, as moças só namoravam e casavam com rapazes do mesmo lugar, pois pouco se relacionavam com pessoas de outras localidades.
 
          Na segunda metade do século passado, um jovem de Lavras da Mangabeira, de cor negra, foi a um forró em uma pequena e distante localidade do vizinho Município de Aurora, no sul cearense. Ao chegar ao local, conhecido como sítio Pau Branco, a festa já acontecia, com vários casais dançando ao som de um sanfoneiro em um salão de terra batida.

          O forasteiro se animou ao ver as belas jovens do lugar e passou a convidá-las para dançar. Porém, para sua tristeza, foi recebido friamente pela moças. Depois de várias recusas, o rapaz indagou de uma das jovens a razão para a incompreensível rejeição. Com visível timidez, ela respondeu:

         - É porque nós só dança com rapaz de Pau Branco.

          Foi o suficiente para o decepcionado visitante revidar:

          - Ai é? Se subesse eu tinha mandado caiar* o meu.



* pintar com cal diluída em água; branquear.

Colaboração: Maurício Bezerra

(imagem Google)

domingo, 14 de novembro de 2010

276 - FISCAL DE PADARIA






          Com o objetivo de prevenir os riscos à saúde, os órgãos de vigilância sanitária exercem importante função fiscalizadora. Seus membros também cumprem relevante tarefa na orientação aos produtores e vendedores de alimentos.

          Certo dia, na década de oitenta, em Várzea Alegre, sertão cearense, uma equipe de fiscalização chegou à conhecida e movimentada Padaria de Senhor. Acompanhados pelo cortês Gean, filho do proprietário, os fiscais observaram e aprovaram as instalações da panificadora.

          Por fim, os servidores se dirigiram ao depósito de farinha de trigo. Terminava a inspeção quando um gato surgiu repentinamente e passou entre as pernas de um assustado fiscal. Foi o suficiente para o membro da vigilância olhar seriamente para o simpático Gean e dizer:

          - Moço, aqui neste local não pode ter gato.

          Com seu senso de humor aguçado, imediatamente o espirituoso Gean replicou:

          - E rato, pode?



Colaboração: Gean Claude Holanda (Gean de Senhor)

(imagem Google)

sábado, 13 de novembro de 2010

275 - NOS TEMPOS DE BOCAGE







          Contam que a expressão “a emenda saiu pior que o soneto” surgiu quando o poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) se recusou a corrigir um poema que lhe foi apresentado. O escritor examinou o texto, mas não realizou as correções pedidas sob o argumento que seria tantas que o resultado ficaria pior que o próprio soneto.

           No Ceará, dois colegas de trabalho, após o exaustivo dia em uma construção, tomavam umas doses de cachaça em um botequim quando por ali passou uma mulher com cerca de 25 anos de idade e sorriu para os dois. Bastou a moça virar a esquina para começar o seguinte diálogo:

          - Eita muie feia! Valei-me! Essa eu num arrochava nem me pagano.

         - Ei macho véi, para com isso. É minha irmã – reclamou o colega.

         - Vixe maria. Desculpa aí. Eu tava brincano. Eu arrocho sim...


(imagem Google)

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

274 - CONVERSA DA ROÇA






            Na segunda metade do século passado, o agricultor varzealegrense Vicente Vieira, já aposentado, costumava visitar os filhos que moravam no vizinho município de Iguatu. Na cidade cearense banhada pelo Rio Jaguaribe, viviam o comerciante Jose Vieira e o Padre Antonio Vieira.

              Era na porta da livraria do filho Jose Vieira, observando o movimento da progressista cidade, que o agricultor gostava de passar o tempo. Ali proseava com todos que chegavam, especialmente com as mulheres.

           Certa manhã, entrou na livraria uma bonita e simpática mulher. E Vicente Vieira foi logo puxando conversa:

             - A cumade é daqui do Iguatu mermo?

             - Sou sim, moro no sítio, na Barriga*. Na verdade, minha casa fica um pouco pra baixo da Barriga.

            - Eita lugarzin danado de bom! – exclamou imediatamente o conhecido e bem-humorado agricultor varzealegrense.


* sítio distante cerca de 20 km da sede do município de Iguatu-CE

Colaboração: Fátima Morais

(imagem Google)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

273 - O VENDEDOR CEARENSE






           O manuais ensinam que para ser um vendedor de sucesso é preciso controlar a ansiedade, conhecer e acreditar no produto, ser gentil com o cliente e usar sempre a intuição.

           No Ceará, o varzealegrense Zé de Dairo do sítio Coité se tornou um vendedor premiado de uma empresa de produtos aumtomotivos. Aproveitando o bom-humor natural e comum aos cearenses, sempre soube como abordar os clientes e apresentar seus produtos.

           Certo dia, em uma pequena cidade da região do Cariri, Zé de Dairo visitou uma loja de autopeças e passou a oferecer os produtos da linha que representava, entre os quais uma recém-lançada cera para polimento de pintura de carros. Antes de comprar várias latas, o cliente buscou saber tudo sobre o lançamento e perguntou:

            - Zé, essa cera pode passar no sol?

           O vendedor não perdeu a piada e nem melindrou o cliente. Com irreverência, respondeu:

           - Se você alcançar...



Colaboração: Carlos Leandro da Silva

(imagem Google)

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

272 - SEM A FARTURA DO PRÉ-SAL




          Minha avó materna Maria Amélia deixou para os seus descendentes exemplos de solidariedade, otimismo e também de muita economia. Com os parcos proventos de professora ela pagava as despesas normais da casa e ainda mantinha reservas para socorrer um parente ou amigo em dificuldade.

           Nos anos oitenta, em Fortaleza, saudosa época em que morei com minha querida avó, certa manhã escutei um barulho estranho vindo da cozinha. Ao chegar próximo ao fogão me deparei com uma cena bizarra e nada recomendável. Gilza, funcionária da casa, açoitava violentamente o tambor de gás com um chileno. Parecia cena de tortura no temível e desumano “pau-de-arara”, com o infeliz recipiente apanhando e agonizando de cabeça para baixo.

          Assustado com a perigosa atitude eu perguntei à paciente empregada:

           - Gilza, o que é isso? O que foi que esse pobe fez?

           - Já disse que secou. Mas Dona Maria quer que eu tire à força um resto de gás que tem dento do tambô

(imagem Google)

domingo, 7 de novembro de 2010

271 - FIADO SO AMANHÃ





            A maior preocupação dos pequenos proprietários de bar trata-se da venda a credito. Sobre o controvertido tema muitas frases são encontradas em cartazes fixados nesses modestos estabelecimentos: “Promoção, peça fiado e ganhe um não” ou “fiado é igual barba, se não cortar, cresce".

            Em Várzea Alegre, interior do Ceará, para reforçar o sustento dos filhos que residiam em Fortaleza, por muitos anos a incansável Dinha trabalhou junto com o marido Saraiva em um bar situado na esquina do Calçadão Antonio Alves Costa.

           Certa noite, na década de oitenta, o alegre e comunicativo Gean Claude, junto com vários amigos, tomou inúmeras cervejas no bem freqüentado bar. Já no começo da madrugada, Gean foi até o balcão e se responsabilizou por toda a despesa, mas avisando a Dinha que só pagaria no dia seguinte.

           Logo cedo, no outro dia, como combinara, o correto Gean foi ao bar, quitou a despesa, e disse:

          - Dinha, eu quase num consigo dormir pensando nessa conta.

           Com sua conhecida sinceridade, riscando o nome do cliente do velho caderno de fiados, a comerciante respondeu:

        - Coincidência, Gean. Pois foi nós dois.


Colaboração: Klebia Fiúza

(imagem Google)

sábado, 6 de novembro de 2010

270 - O BILHETE




             As localidades da zona rural do município de Várzea Alegre sempre foram muito apreciadas por Antônio Ulisses. Inúmeros eram seus amigos agricultores.

             Certo dia, juntamente com seu primo Tércio, foi fazer uma visita no sítio Lagoas. Para o almoço, o proprietário Gilson Primo, casado com uma irmã de Aparecida, Divanir, havia providenciado um carneiro.

           Ainda pela manhã, antes da aguardada refeição, Tércio precisou voltar à sede do Município para tratar de um assunto particular. Na saída, já no interior do veículo, o engenheiro foi interceptado por Antônio Ulisses, que lhe pediu o seguinte:
 
            — Tércio, vou anotar nesse papel um remédio pra você comprar na cidade. Por favor, não esqueça. É importante. Se não tiver em João Pimpim vá em Zé de Ginu mas não deixar de trazer.
 
           Tércio pôs o bilhete no bolso e seguiu sua viagem. Já na cidade, após resolver suas pendências, dirigiu-se à Farmácia Confiança, de Seu João Pimpim. Ao encostar-se junto ao balcão, para saber qual o remédio encomendado, retirou o papel do bolso e leu: “Tércio, por favor, não traga Raimundo Pedro”.

         Essa foi apenas uma das muitas brincadeiras que Antônio Ulisses criou com seus amigos. Em que pese o afamado apetite de Raimundo Pedro, ao contrário do escrito, desejava era também a divertida presença do amigo na ocasião em que fosse servida à mesa a deliciosa criação no Sítio Lagoas.



*Extraído do livro “Conte Essa, Conte Aquela – Histórias de Antônio Ulisses”

(ilustração Edricy França)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

269 - DOIS FILHOS DE RAIMUNDO





            Os irmãos Luiz e Zé do Norte, filhos de Raimundo Silvino, são dois conhecidos comerciantes da pequena Várzea Alegre. Enquanto um vende secos e molhados em sua bodega, o outro negocia calçados em sua movimentada sapataria. Há mais de 50 anos os cearenses trabalham incansavelmente em seus estabelecimentos.

           A vida dura do balcão talhou os comerciantes. Os dois aprenderam as quatro operações matemáticas com a linguagem do apertado lucro e começaram a escrever nos amarelados cadernos de fiados.

           Dias atrás, em uma manhã de pagamento de aposentados, com a bodega do irmão repleta de fregueses, Zé do Norte foi comprar um pacote de sabonete phebo e disse:

            - Luiz, me dê um menos nesse sabonete. Na bodega de Zé Manga Mucha tá mais barato.

            Acostumado com o choro do irmão, o bodegueiro, passando um troco, sem levantar os olhos, respondeu secamente:

             - Num posso dar desconto não. Vá comprar lá.

           Zé do Norte, pagando o produto, superando o conhecimento do conterrâneo Padre Vieira*, respondeu a pleno pulmões:

          - Devia ir, mas num vou não. Eu sou que nem jumento de lote. Só sei cagar no mesmo canto.



* Padre Antônio Vieira, varzealegrense autor de vários livros, entre os quais a conhecida obra “O Jumento, Nosso Irmão”, saudado pela BBC de Londres como "o mais completo estudo até agora publicado sobre o jumento"

(imagem Google)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

268 - A VELHA URNA





          A urna eletrônica enche de orgulho a justiça eleitoral brasileira, especialmente pela rapidez e segurança na totalização dos votos. Em cada eleição são batidos recordes de rapidez na divulgação dos resultados. No último domingo, mais uma vez, representantes de vários países acompanharam a votação, no desejo de importar a nossa invejável tecnologia.

          Mas a apuração dos votos da época das cédulas de papel deixou histórias de emoção e ansiedade que não mais se repetem nos dias atuais. Nos tempos da velha urna o resultado demorava dias e era divulgado em boletins por cada seção eleitoral apurada.

          Na segunda metade do século passado, em Várzea Alegre, dois motoristas de praça, eleitores de partidos diferentes (MODEBA e ARENA), realizaram uma aposta a respeito do resultado da eleição para prefeito. Um apostou seu velho corcel e o outro, sua bem rodada belina.

          Logo após a votação, todos se reuniram para a divulgação do resultado transmitido pela Rádio Cultura de Várzea alegre. Um dos motoristas, ouvindo atentamente o locutor, à medida que seu candidato perdia nas urnas, com as mãos na cabeça, ia desabafando:

           - Vixe maria, lá se foi a biela do meu corcel.

           - Eita. Agora foi a barra de direção.

           - Lascou-se! Dessa vez perdi os pneus.



(imagem Google)