quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

562 - O SPC DE SÉRGIO PINTO DE CARVALHO




Recentemente, meu querido tio Sérgio Pinto de Carvalho, após décadas de incansável trabalho, decidiu encerrar suas atividades comerciais. Desde 1959 manteve em Várzea Alegre um sortido e movimentado armazém, com atuação na venda de vários gêneros, entre os quais zinco, cimento e arame farpado.

Semanas atrás, em uma descontraída conversa na aprazível cidade do centro-sul cearense, o comerciante, com oitenta e quatro anos de idade, nos revelou alguns cuidados que sempre tomou na sua exitosa atividade comercial.

Antes de vender fiado, buscava informações com os vizinhos e parentes do novo freguês. Para nossa surpresa, Tio Sérgio disse que a informação era muito boa e proveitosa mesmo quando nada colhia sobre o cliente.

Quando o novo freguês propunha uma compra à crédito, antes de liberar a venda, o experiente comerciante entrava em contato com alguém próximo e perguntava:

- O que você me diz de fulano, seu vizin, é bom pagador?

Buscando não se comprometer, o vizinho apresentava uma resposta vazia, mas com indicação suficiente para que o perspicaz comerciante não vendesse ao velhaco:

- Num seeeeeiiiiiiii...


(imagem Google)

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

561 - OVO COZIDO (Pedra de Clarianã há dois anos)





           Após permanecer várias décadas na árdua atividade agropecuária, José Tomaz Lemos, de apelido Zuza, resolveu estabelecer uma pequena bodega em sua casa, na sede da sossegada vila de Mangabeira.

          Na trabalhosa atividade comercial, Zuza Lemos manteve a mesma desenvoltura, bom humor e espontaneidade que marcaram sua vida.

         Certa manhã, uma mulher chegou ao seu estabelecimento e pediu um quilo de “feijão de corda*”. Quando o comerciante terminava de embrulhar o pedido, a desconfiada cliente perguntou:

           - Seu Zuza, esse feijão é bom mesmo?

           - Bom demais! Cozinha que só ovo. – Respondeu o velho bodegueiro.

           No dia seguinte, logo cedo, a cliente, “soltando fogo pelas ventas”, voltou ao estabelecimento:

           - Seu Zuza, o senhor me engabelou. Disse que o feijão era bom, que cozinhava igual ovo. Esse feijão num presta não. Passou duas horas no fogo e continuou duro que nem pedra.

           O comerciante, pendurando uma corda de cebolas, de imediato replicou:

            - Oxe, e ovo não é assim não? Quanto mais cozinha mais fica duro.




* nome popular do Vigna unguiculata, feijão predominante no interior nordestino

Colaboradora: Eliomar Gonçalves de Lemos Gomes.

(imagem Google)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

560 - TERCEIRO ANIVERSÁRIO





Na última semana, dia 21 de fevereiro, o blog Pedra de Clarianã completou três anos.  O aniversário foi ofuscado pela invencível folia momina. Em meio a confetes e serpentinas, não deu para cortar o bolo e apagar as velinhas.

Mas há muitos motivos para festejar. Ao longo de mais de mil dias, o blog já trouxe quinhentas e cinquenta e nove postagens. Sempre com a imprescindível colaboração dos seus leitores, que acessaram o endereço eletrônico por mais de cem mil vezes.

Tudo começou com o sonho de “seu Abel” e sua gigante pedra de ouro e continua com o nosso desejo de reviver  preciosas e alegres histórias do povo simples e inteligente do interior brasileiro.

Obrigado a todos e continuem nos presenteando com as colaborações, visitas e comentários.
  

559 - A PROFECIA DE INACIN




Desde que surgiu, há algumas décadas, até os dias atuais, a telefonia celular passou por várias transformações. Apareceram novas tecnologias, inúmeros e sofisticados modelos de aparelhos e, principalmente, milhões de usuários em todo o mundo.

Certa manhã, no final do século passado, em Várzea Alegre, pequena cidade do interior cearense, o jovem Marcio Diniz, deslumbrado com a novidade, desfilava pelas calçadas da antiga rua Major Joaquim Alves. O simpático e extrovertido rapaz falava alto em um aparelho de telefonia celular, chamando a atenção dos traseuntes. Aquele grande telefone móvel custava caro e era acessível a poucas pessoas.

Ao observar o rapaz esnobando o uso do raro aparelho,  o experiente comerciante Inácio Gonçalves da Costa, conhecido como Inacin, profetizou:

- Marcin, deixe de eguagem. Isso aí é igual a isqueiro, daqui uns dia todo mundo tem um...


(imagem Google)
Colaboração: Pedro Jorge Clementino

sábado, 25 de fevereiro de 2012

558 - PERDENDO O AMIGO (Pedra de Clarianã há dois anos)





          A sabedoria popular ensina que ao emprestar dinheiro a um amigo o prejuízo torna-se praticamente inevitável. Como na maioria das vezes não há como negar, perde-se em dobro: o dinheiro e o amigo.

          Em Várzea alegre, interior cearense, o saudoso Francisco das Chagas Bezerra, com seu bom senso e bom humor, sempre contornava com esperteza esses delicados momentos. Certo dia, Chico Piau, como popularmente conhecido, estava em sua casa quando foi procurado por um velho amigo com uma solicitação de empréstimo:

          - Me arrume cinqüenta reais, Chico. É só por um dia, amanhã eu pago a você.

          Chico Piau, com sua invejável capacidade de reação, respondeu de imediato:

          - Hômi, seno assim passe por aqui amanhã.



Colaboração: Jonas Moraes

(imagem) Google)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

557 - PEDRA DA GALINHA CHOCA




Sempre que volto à minha cidade natal, Várzea Alegre, faço uma longa e interessante viagem pelo sertão cearense.  Por mais que o percurso se repita há décadas, a bucólica paisagem do sertão sempre me encanta e fascina.

Na maioria das vezes costumo parar em Quixadá, município, conhecido internacionalmente por suas diferentes formações rochosas. A também chamada Terra dos Monólitos  impressiona por suas gigantes rochas em vários formatos, entre as quais a famosa Pedra da Galinha Choca, cenário de vários filmes brasileiros.

A recente passagem pelo próspero município do sertão central me trouxe à memória  um triste episódio que aconteceu com um querido conterrâneo. Apaixonado por uma bela e faceira moça de Quixadá, o jovem não teve o seu amor correspondido. Após várias desilusões perdeu a esperança de conquistar em definitivo a jovem quixadaense.

Até hoje, quando alguém pergunta sobre o rápido namoro com a moça, o  desapontando e revoltado varzealegrense responde:

- Hômi, eu lá quero sabê. Aquela muié é do Quixadá, terra onde até as peda são galinha.


(imagem Google)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

556 - O TEIMOSO AGRICULTOR




No começo da  década de sessenta, no tradicional sítio Atoleiro, zona rural de Várzea Alegre, nas frequentes conversas sobre doenças, um agricultor, arrotando vitalidade, com voz arrastada, costumava dizer:

- Eu tenho quarenta ano e nunca abri nem vou abri a boca pra tomar uma piula*.

Passados alguns meses, o lavrador contraiu paratife** e caiu enfermo. Mesmo em estado grave, o opinioso doente não quis tomar os comprimidos para se curar da doença. A família, preocupada, chamou várias pessoas para buscar convencer o enfermo a tomar os remédios. Parentes, amigos e  padrinhos, vieram ao pé da cama, mas ninguém conseguiu fazer o teimoso agricultor desistir da birra.

 Por fim, já sem esperanças, os familiares chamaram padre Otávio para aplicar a extrema-unção ao moribundo. Antes de iniciar o último sacramento, o sacerdote tentou mais uma vez desfazer a opinião do doente:

- Pelas graças do nosso Senhor Jesus Cristo, pelas bençãos do padroeiro São Raimundo Nonato, abra a boca pra tomar o comprimido. Num é sua hora ainda não, meu filho.

Depois da insistência do padre da paróquia, o teimoso doente, já agonizando, com a vela na mão, abriu o canto da boca e disse:

- Padre Otávio, em respeito ao sinhô eu abro. Mas tem uma coisa, eu num fecho mais a boca não.

O agricultor se curou da grave doença e viveu por mais trinta anos. Mas, cumprindo a nova opinão, passou o resto da vida e foi enterrado de boca aberta.


* “piula”, no sertão cearense, também significa comprimido.
** A febre paratifoide ou paratifo é uma doença semelhante e relacionada a febre tifóide, causada pela Salmonella paratyphi (fonte Wikipédia)
Colaboração: Antônio Alves da Costa Neto
(imagem Google)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

555 - RETIRO MOMINO (Pedra de Clarianã há dois anos)





          Na década de oitenta, o Clube Recreativo de Várzea Alegre – CREVA – promovia quatro bailes de carnaval. A folia, iniciada nos desfiles matutinos de irreverentes blocos e organizadas escolas de samba, culminava com os concorridos eventos noturnos do tradicional clube da cidade cearense.

         Contudo, no ano de 1987, o jovem bancário Júlio Bastos, após certa resistência, aceitou o convite de Dalva e foi passar os feriados mominos em Fortaleza. Na verdade, Dalva pretendia afastar seu querido irmão dos ambientes festivos. Júlio andava exagerando no consumo de bebida alcoólica, preocupando bastante sua família.

          Desse modo, para tranqüilidade dos seus pais, naquele ano, o bancário fugiu da agitação, curtindo programas alternativos e saudáveis na capital alencarina. Porém, como trabalharia a partir do meio-dia da quarta-feira de cinzas, na noite de terça viajou de volta.

          Às quatro horas da madrugada chegou a Várzea Alegre. Já em casa, se preparando para dormir, Júlio escutou os acordes dos Originais do Frevo, vindos do CREVA: taran, taran, taran, taranranranran. Foi o suficiente para despertar a vontade de ver os últimos momentos do baile final daquele ano. Contra a vontade da cuidadosa Delmir, Júlio falou:

         - Mãe, se preocupe não, tá no finzin. Vou só dar uma espiadinha.

         Na entrada do clube se deparou com sua namorada agarrada a outro rapaz. A cena aguçou ainda mais a vontade de tomar um gole. Não bastasse, a orquestra tocava “oh, quarta-feira ingrata, chegou tão depressa...” O folião retardatário rumou direto para o bar e pediu:

        - Zé de Zuza, uma dose dupla pra mim.

        Após o primeiro gole seguiram muitos outros. Acabou o baile, findou o carnaval, e Júlio não retornou para casa. Raiou o dia pelos bares da cidade. Às onze da manhã, foi visto descalço e sem camisa pulando em cima do caput de uma velha rural. Naquela quarta-feira de cinzas não foi trabalhar.

        Depois de alguns anos Júlio felizmente conseguiu vencer as armadilhas do álcool. Neste Carnaval, em uma mesa de animado botequim, o bancário, com brilho nos olhos, falou para os amigos:

          - Faz dezoito festas de agosto* que eu não bebo.


* período festivo do mês de agosto em homenagem ao padroeiro de Várzea Alegre, São Raimundo Nonato.

Colaboração: Júlio Bastos

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

554 - ALÔ, ALÔ VÁRZEA ALEGRE




Os programas de rádio de maior audiência são aqueles que transmitem recados de seus ouvintes.  No Amapá, o “Alô Alô Amazônia” da Rádio Difusora permite a comunicação entres moradores das longínquas comunidades ribeirinhas. Em Várzea Alegre, sertão cearense, por vários anos o locutor Pedro Jorge Clementino conduziu o programa Forró da Tarde na Rádio Cultura, com bastante audiência e divulgando mensagens para zona rural do município.

Certa tarde, na Terra do Arroz, no início do programa, na sede da Rádio Cultura, um ouvinte chamou Pedro Jorge pelo vidro do estúdio. O locutor deixou uma música de Luiz  Gonzaga tocando e foi atender o ouvinte, um conhecido agricultor de apelido Bicurau, que pediu a divulgação do seguinte recado:  

- Atenção, atenção, Maria no sítio Taquari. Seu marido Bicurau avisa que já resolveu as coisas aqui na rua* e tá chegando em casa pra janta.

O locutor do programa anotou a mensagem e perguntou:

- Posso ler o recado agora ?

O agricultou, já deixando o lugar apressadamente, respondeu:

- Não Hômi, deixe eu chegá lá em casa pra mode eu ouvir o recado.


* Em Várzea Alegre, a rua também significa a sede do município. 
Colaboração: Pedro Jorge Clementino
(imagem Google)

domingo, 19 de fevereiro de 2012

553 - ZAQUEU E A BLITZ




Os equipamentos de segurança do veículo são fundamentais para garantir a integridade física dos ocupantes. Mesmo  obrigatórios, muitas pessoas ainda resistem ao uso do cinto, estepe, triângulo de sinalização e outros instrumentos básicos.

Certa manhã, na década de oitenta, na entrada da cidade de Várzea Alegre, o agricultor Zaqueu Guedes circulava lentamente em uma velha caminhonete marca Ford quando foi abordado por uma fiscalização de trânsito. Ao se aproximar do veículo, a séria autoridade reclamou:

- Eu apitei várias vezes e o senhor foi parar tão longe...

- Seu puliça,  faz mês que esse carro assim sem frei – justificou o simpático e sincero Zaqueu.

- E cadê o cinto de segurança? Por que o senhor não está usando? – continuou o guarda.

- O cinto lá atrás segurano o tambor de gás da camioneta.

Diante das graves irregularidades, o guarda de trânsito ameaçou:

- Eita, assim não tem jeito.  Vou precisar tirar sua carteira...

O espirituoso e bem humorado motorista imeditamente comentou:

- Num me diga, seu guarda! Ô coisa boa! Faz ano que pelejo pra tirá essa carteira e inda hoje num consegui.


Colaboração: Carlos Leandro da Silva (Carlin de Dalva)
(imagem Google)

sábado, 18 de fevereiro de 2012

552 - CRISE DE ABSTINÊNCIA




Como em toda ocasião festiva sempre há muita oferta de bebida alcoólica, são poucos os que conseguem manter um rígido controle sobre o consumo do álcool.

Certo dia da década de noventa, em Fortaleza, o contador varzealegrense Demontiê Batista se encontrou com Carlos Cezar de Oliveira, engenheiro elétrico de apelido Cachorro Doido. Há muito tempo os dois não se viam, e, para atualizar o papo, o contador convidou o amigo para tomar uma cerveja na praia. Porém, antes de responder ao convite, o engenheiro, com ar sério, advertiu:

- Sabe Demontiê, eu ando mais controlado com a bebida. Durante o ano eu passo seis meses bebendo e seis meses sem beber.

Satisfeito com a atitute positiva do amigo e bastante impressionado com essa radical mudança de hábito, o contador perguntou:

- Mas Cachorro Doido, como é que você consegue passar tanto tempo sem "moiá o bico"?

Já sorrindo, feliz com o reencontro, o engenheiro completou:

- É facin, Demontiê. Eu bebo um dia sim e outro não.


Colaboração: Demontiê Batista
Imagem Google  

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

551 - OVERDOSE DE CAMISINHA (Pedra de Clarianã há dois anos)





        Muito embora as doenças sexualmente transmissíveis existam desde o início dos tempos, o uso dos preservativos só se disseminou no fim do século passado. Com a morte de milhares de pessoas provocada pela “Aids”, o mundo despertou para a necessidade do uso da “camisinha”.

      Os governos mantêm campanhas permanentes de conscientização sobre a importância do uso dos preservativos. E durante os festejos do carnaval ocorre um incremento na distribuição gratuita.

      Em Várzea Alegre, na década de 90, a folia se concentrava principalmente no Calçadão Antônio Costa. O próprio secretário de saúde municipal, doutor José Iran Costa, bebendo cerveja no bar de Dinha e Saraiva, se encarregava de distribuir os preservativos aos empolgados foliões.

      Já na madrugada da quarta-feira de cinzas, doutor Iran ofereceu uma tira de camisinhas a Darlan Fiúza. O empolgado carnavalesco, “pra lá de Bagdá”, reclamou:

      - Doutor Iran, não dá para o senhor começar a distribuir muié, não? Já tou com os bolsos cheios de camisinha e ainda não comi ninguém.

Colaboração: Klébia Fiúza

(imagem Google)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

550 - NOME PRÓPRIO




A escolha do nome do filho é sempre um momento de muita dúvida para os pais. Mesmo com belas opções em português há os que preferem nomes estrangeiros. Sem contar as misturas e invenções que andam em voga por aí. Por toda essa dificuldade, algumas crianças recebem o nome do pai,  avô, ou de um famoso artista.

No início da década de oitenta, em uma pequena cidade do interior nordestino, um modesto trabalhador apresentava os filhos a um novo vizinho. Ao apontar para o caçula, de cerca de três anos, disse:

 - Esse aqui é João. Botei o nome daquele cantor que mataram nos’esteite.

- Cantor morto? Que João? – indagou o vizinho.

O humilde trabalhador, recordando o membro da inesquecível banda de Liverpool, acrescentou:

 - É João Lemo. Num acredito que tu nunca viu falar...


Colaboração: Eder Abreu
(imagem Google)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

549 - A NAVALHA DE VICENTE CESÁRIO




Nas últimas décadas a vigilância sanitária lançou importantes campanhas alertando que os instrumentos utilizados nos salões de beleza e nas barbearias, se não forem devidamente esterilizados, podem se tornar meios de transmissão de doenças como a hepatite. Um grande avanço, pois antigamente as informações não chegavam aos profissionais, especialmente nas localidades mais distantes e isoladas do país.

Na segunda metade do século passado, um varzealegrense que migrara para São Paulo voltou à querida cidade natal para o período da festa do padroeiro São Raimundo Nonato. Buscando se preparar para os eventos religiosos e festivos da pequena cidade cearense, o paulista se dirigiu a uma tradicional barbearia, onde Vicente Cesário acabava  de cortar o cabelo e fazer a barba de outro cliente.

O recém chegado se sentou imediatamente na cadeira. O velho barbeiro  aplicou pinceladas de espuma no rosto do paulista e se aproximou de um balcão para amolar a navalha usada na barba do cliente anterior. Dentro do estabelecimento ouvia-se o forte barulho da lâmina em fricção com a madeira:

- lapo, lapo, lapo...

 Terminada a barulhenta afiação, o barbeiro Vicente Cesário virou-se com a navalha na mão. O cliente, com carregado e misturado sotaque, mesmo com o rosto repleto de espuma, perguntou:

- Que isso, meu ? Num vai nem passar um alcoolzin na navaia para matar os germe e os micróbio?

O velho barbeiro, com seu jeito rude e sua conhecida espirituosidade, já se posicionando para iniciar o serviço, retrucou:

- Oh caba besta. Tem lá micróbrio que aguente umas lapada daquela na cabeça.

Colaboração: Robson Frutuoso Bezerra
(imagem Google)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

548 - BUENOS AIRES DO SERTÃO




Em Várzea Alegre, sertão cearense, algumas localidades receberam  nomes de cidades argentinas, como Rosário e Buenos Aires. Mas, com o desgaste do tempo, a homenagem da famosa e importante capital sul-americana passou pelo fenômeno linguístico da corruptela, transformando-se simplesmente em  “Bonizário”.

Se a capital argentina sempre encantou pela sua rica e diversificada cultura, o Bonizário varzealegrense marcou pelas histórias de um personagem simples, esperto e irreverente, o trabalhador rural José de Souza Lima, de apelido Pé Veí. Nos finais da tarde, no aparazível sítio de Francisco Fiúza de Lima (Fatico) e de sua esposa Francisca Gonçalves Fiúza (Risalva), na sombreada calçada alta da casa grande, várias pessoas se reuniam, entre as quais o folclórico empregado.

Em um dia do final do século passado,  já no começo da noite, várias pessoas contavam e ouviam histórias na concorrido oitão* da casa de seu Fatico, quando dois viajantes, à cavalo,  se aproximaram e pediram água. Saciada a sede, os homens já montavam no cavalo quando Pé Véi, sem se levantar do banco de madeira,  perguntou:

- Vocês já jantaram?

- Inda não – responderam, os animados viajantes.

Pé Véi, com sua marcante indolência, virou-se para o patrão e disse:

- É uma pena, seu Fatico? Todo mundo comeu e num sobrou nadia...

Conformados, os forasteiros pisavam no estribo para subir na montaria, quando mais uma vez foram interrompidos por Pé Véi:

­- Mas vocês gosta de quaiada?

- Gostamo sim – respondeu, imediatamente, um dos viajantes.

O irreverente Pé Véi, dessa vez se dirigindo à querida patroa, completou:

- Mas espia, dona Risalva, eles num tão cum sorte hoje. Se tivesse pelo meno uma quaiadia...


* Oitão é o lado da casa virado para o nascente, que dá sombra à tarde.
Colaboração: Ropson Frutuoso Bezerra
(imagem Google)

domingo, 12 de fevereiro de 2012

547 - BARBEARIA (Pedra de Clarianã há dois anos)






          Os estabelecimentos modernos, independente do ramo principal de atividade, oferecem aos clientes diversos produtos e serviços. Em um só lugar o consumidor encontra vários itens. Hoje, os supermercados comercializam pneus, as farmácias negociam chinelos, e os postos de combustíveis oferecem tudo, até gasolina.

          Por muitos anos, na cidade cearense de Várzea Alegre, a barbearia do espirituoso Vicente Cesário, estabelecida na antiga Rua Major Joaquim Alves, já oferecia vários serviços e produtos. No mesmo ponto comercial, além de cortar cabelo e fazer a barba, o cliente também tinha à sua disposição uma alfaiataria, cerveja gelada e o uso do banheiro.


         Certo dia, um representante comercial visitava alguns clientes da pequena cidade quando sentiu uma forte cólica intestinal. Suando frio, indagou onde havia uma privada disponível. Todos indicaram a barbearia de Vicente Cesário. Ali, o uso do precário sanitário, instalado em um piso inferior, possuía preço tabelado pelo conhecido proprietário do lugar. O banho custava dois cruzeiros; defecar, um cruzeiro; e, urinar, cinquenta centavos.

         O visitante, por uma escada de madeira, desceu até o escuro subterrâneo da barbearia e, sob o olhar de alguns cururus nos cantos do úmido cômodo, aliviou-se na pouca higiênica retrete. Ao subir, o usuário se dirigiu ao dono da barbearia e foi logo pagando:


        - Senhor, tome aí um cruzeiro.

        - Conversa é essa. Me passe mais cinquenta centavo. Você já viu um sujeito cagar sem mijar? – retrucou o barbeiro


(imagem Google)

sábado, 11 de fevereiro de 2012

546 - SELANDO O BURRO




Em um sábado da década de setenta, no sítio São Cosme, em Várzea Alegre, sertão cearense, o jovem Chico Piau preparava um burro para realizar uma viagem ao vizinho município de Cariús. Ao perceber a movimentação do filho, seu Zé Piau, bem sucedido produtor rural, perguntou:

- Francisco, pradonde você vai ?

- Vou num forró pras bandas do Poço do Mato. – respondeu, Chico Piau.

Preocupado, o experiente Zé Piau, com a seriedade de sempre, alertou:

- Viajar uma hora dessa é perigoso, meu fi. Naquelas banda tem um povo valente que gosta de bagunça. Essa viagem num tem futuro não, Francisco.

Com a vivacidade e disposição que marcaram sua vida, Chico Piau, apertando a sela no animal,  respondeu:

- Pai, eu sei que num tem futuro. Se tivesse futuro quem ia era o sinhô. N’era eu não.


Colaboração: Antônio Alves da Costa Neto
(imagem Google)

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

545 - ENCHENDO LINGUIÇA




Na segunda metade do século passado, sempre no início da noite, em Várzea Alegre, o produtor rural Zé de Freitas costumava se reunir com os moradores de suas extensas terras para uma boa e divertida prosa.

Certa vez, na boca da noite, após um dia de exaustivo trabalho, na calçada da casa grande do sítio Arapuã, um dos trabalhores falou:

- Seu Zé, disse que o negócio lá nas’europa é avançado demais. O caba joga o poico numa máquina e do outo lado já sai a linguiça pronta.

Outro morador foi além:

- Isso é nada, rapaz. Soube que o Japão é mais adiantado ainda. Lá o caba joga a linguiça na ponta e sai o poico vivo do outro lado.

Zé de Freitas, que ouvia calado as exageradas histórias de seus empregados, se levantou da cadeira de balanço e contou:

- Hômi, vocês lá sabe o que é lugar adiantado. Avançado é nas'Alagoas. O operário mete a cana pra moer no engein e lá na frente já saí um caba nos braços da polícia.


Colaboração: Antônio Alves da Costa Neto
(imagem Google)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

544 - O CANTO DO SABIÁ




Imortalizado pelo poeta maranhense Gonçalves Dias, o sabiá também impressiona pela diversidade do seu melodioso canto. Segundo estudiosos, cada uma dessas aves-símbolo do Brasil possui um gorjeio diferente.

Em Várzea Alegre, na década de setenta, Antônio Valdemar de Souza, conhecido como Balá, criava um invejável sabiá. Sempre apareciam pessoas atraidas pelo lindo canto, mas o criador recusava as inúmeras propostas de venda e troca da ave.

Toda manhã, bem cedo, quando passava pela rua e ouvia o suave gorjear, um dos amigos de Balá batia à porta e propunha a troca do pássaro. Até que um dia, não mais suportando a persistência do conterrâneo, o bem humorado Balá perguntou:

- Sua sabiá fala?

- Fala não – respondeu o amigo.

Com sua constante ironia, Balá, então, disse:

- Sendo assim num dá negócio não. A minha num fala mas já assuletra...


Colaboração: Norberto Batista Rolim
(imagem Google)