quinta-feira, 30 de junho de 2011

418 - "NÃO SOIS MÁQUINAS! HOMENS É QUE SOIS!"(Blog Pedra de Clarianã ha 2 anos)




         O clima semi-árido aumenta bastante as dificuldades e sacrifícios atravessados pelo valente povo do nordeste brasileiro. No entanto, a falta das chuvas não endurece o coração do sertanejo. Ao contrário, dia após dia, suas histórias dão lições de fraternidade, amizade e companheirismo.

         O agricultor Zé de Hemínia foi um desses humildes nordestinos com inesgotável capacidade de colaboração. Todo enterro que passava vindo do distrito do Juazeirin em direção à sede do município de Várzea Alegre, Zé fazia questão de ajudar. E naquela época o corpo era transportado em uma rede segura por um pau e carregada por dois fortes homens.

         Em um dia muito quente do mês de setembro, Zé de Hermínia viu passar um pequeno cortejo trazendo na rede mais um defunto. Sem sequer saber o nome do falecido enrolado ao lençol, logo se prontificou a ajudar. Pôs no ombro uma das pontas do pau e, como eram poucos os ajudantes, não alternou com ninguém o seu lado da rede.

          Depois de cerca de três léguas de penosa caminhada, quando o enterro já ia passando em frente à matriz da Igreja de São Raimundo Nonato, o suado e fatigado Zé de Hermínia perguntou:

           - Pera aí, o defunto não vai entrar na Igreja mode padre Otávio benzer não?

          Com ar de perplexidade, um dos ajudantes do cortejo respondeu:

          - Vixe, Zé, né um defunto que nós tamo carregando não. É uma máquina de costura pra mode seu João Alves consertar.


Colaboração: Elias Frutuoso
(imagem Google)

quarta-feira, 29 de junho de 2011

417 - O PREÇO DO BANHO


          As modernas regras de direito determinam que o consumidor não pode ser prejudicado com a falta de troco pelos estabelecimentos comerciais. Em algumas cidades, na falta de troco, a lei isenta o passageiro do pagamento da tarifa do ônibus.

          Por muitos anos, na pequena e aprazível Várzea Alegre, a barbearia de Vicente Cesário, além do tradicional corte de cabelo, também oferecia o serviço de banho. O barbeiro cobrava dos clientes pelo uso do úmido e escuro banheiro localizado no subterrâneo do prédio.

          Certa tarde, um cliente, ainda molhado, voltou do banho e entregou a Vicente Cesário uma nota de cinco cruzeiros para pagar o valor de três cruzeiros pelo uso do banheiro. Ao receber o dinheiro, o velho barbeiro disse:

         - Tou sem dinheiro miúdo. Num tem troco.

         - E agora, seu Vicente ? O senhor tem que dar um jeito... – reclamou o cliente.

         O conhecido barbeiro, sempre com respostas na ponta da língua, sugeriu:

        - Desça de novo e tome o troco de bãe ...



Colaboração: Antônio Carlos Holanda
(imagem Google)

segunda-feira, 27 de junho de 2011

416 - DIETA DA MANGUEIRA



          No últimos tempos, com a crescente desproporção entre a ingestão alimentar e o gasto energético das pessoas, a obesidade, pelas inúmeras doenças que provoca, chamou a atenção dos órgãos de saúde pública. Por outro lado, prometendo uma vida saudável e formas perfeitas, a cada dia surgem dietas milagrosas.

          Meses atrás, em Várzea alegre, centro-sul cearense, o motorista Ronie Lima Bezerra, preocupado com o excesso de peso, iniciou uma dieta à base de frutas e verduras. Dias depois, o simpático Ronie, passando a mão sobre o seu tórax protuberante, com muito otimismo, comentou com o amigo Carlin de Dalva:

          - Carlin, já comecei a baixar esse bucho. Agora tou comendo só folha.

           Esbanjando improviso e bom humor, o marceneiro Carlin duvidou:

           - É devera Roni. Tou veno. Pelo tamanho da barriga você já engoliu um pé de manga.



(imagem Google)

domingo, 26 de junho de 2011

415 - CAINDO DE VERDE


           No início da década de oitenta, na pacata Várzea Alegre, após sumir por uns dias, o ferreiro Chico Basil reapareceu pelas calçadas da animada Rua dos Perus.

          Em frente ao bar de Maria Araripe, ao reencontrar o amigo e companheiro de bebedeiras, o corretor de algodão Antônio Ulisses indagou:

          - Chico tava sumido. Qué que houve ?

         O velho ferreiro, que durante uma noite sentiu a vista escurecer, com suas explicações originais e bem humoradas, passando a mão espalmada diante do rosto, disse:

          - Eu tava em casa e passou um lençol, deu uma pilôra*... Dotô disse que eu tava careceno de vitamina A.

         Antônio Ulisses, tratando o amigo por um especial apelido, mesmo sentindo que o ferreiro desejava uma boa dose de cachaça, recomendou:

         - No lugar da birita é melhor o Peba Véi tomar abacatada. Pense numa vitamina pra ter “a”!!!!!

* variante cearense para piloura, palavra que significa desmaio.

(imagem Google)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

414 - CAFÉ DE RICO



          Segundo recente pesquisa da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, comer frutas e vegetais e fazer exercícios físicos regulamente pode aumentar a expectativa de vida em até 12 anos.

          Em Várzea Alegre, por muitos anos, meu querido e saudoso tio Antônio Ulisses manteve uma calórica dieta, típica do sertão nordestino. Cliente dos cafés de Luiz Vieira, Joaquim de Paula e Zé de Augustin, em vez das recomendadas frutas, o corretor de algodão, cedo da manhã, apreciava outros carregados alimentos, como carne de porco torrada, farofa de milho, tapioca com amendoim e linguiça.

          Certa noite, na casa da Rua dos Perus, Antônio Ulisses e Chico Basil conversavam quando apareceu na TV uma cena de novela em que um casal amanhecia se deliciando com um café da manhã farto de frutas. Naquele momento, Antônio Ulisses, fazendo careta, comentou com seu amigo:

          - Chico, tá vendo como rico sofre...

           - pru mode de que ? – indagou o velho ferreiro.

          Antônio Ulisses, mesmo ciente das qualidades da fruta, com seu seu jeito irônico, completou:

         - Sofre demais, tem que comer melancia no café...



(imagem Google)

terça-feira, 21 de junho de 2011

413 - REMÉDIO SÓ COM RECEITA (Pedra de Clarianã há dois anos)



          Nascido no pequeno distrito de São José, município cearense de Lavras da Mangabeira, Manoel Gonçalves de Lemos se formou em medicina na cidade de Salvador em 1945. Com o dificultoso diploma na mão, decidiu clinicar em Várzea Alegre, bem próximo de sua terra natal.
 
           Por mais de quatro décadas doutor Lemos exerceu sua atividade na Terra do Arroz e localidades vizinhas. Na época eram raros os profissionais de saúde. Nem se imaginava o atual programa Saúde da Família, com visitas rotineiras de equipes médicas às residências. No meio do século passado, para atender pacientes nas regiões mais distantes, os deslocamentos eram realizados no lombo do cavalo.
 
          Certo dia, no final da tarde de um domingo, o médico e poeta passava por uma região isolada da zona rural quando foi chamado para atender um cidadão que sofria no fundo de uma rede com fortes dores. Naquele dia, não realizava atendimento, por isso Doutor Lemos fora apanhado sem seus instrumentos normais de trabalho, inclusive sem o bloco de receitas.
 
          Após examinar o doente, para anotar o nome dos remédios e a indicação das doses e horário para aplicação, o médico pediu aos proprietários da humilde casa um lápis e um pedaço de papel. Como não foram encontrados esses objetos, o médico apanhou um pedaço de carvão no fogão à lenha e anotou os nomes dos medicamentos e a posologia na face interna da janela de cedro da residência.
 
          Antes de sair, o médico orientou o dono da casa a passar para um papel as anotações e providenciar com urgência a aquisição dos medicamentos.
 
          Logo cedo do dia seguinte, na sede do Município de Várzea Alegre, na sua conhecida Farmácia Confiança, o comerciante João Pimpim se surpreendeu com a chegada de um cliente trazendo uma grande janela na cabeça.
 
          - O senhor tem os remédio dessa receita, seu João Pimpim? – perguntou o suado cliente apontando para a pesada janela já largada sobre o balcão da farmácia.



Colaboração: Hudson Batista Rolim

(imagemGoogle)

segunda-feira, 20 de junho de 2011

412 - PULANDO A FOGUEIRA



          Logo que me mudei para Macapá, em meio a tantas pessoas que me acolheram, também me aproximei da família de um colega de trabalho e me afeiçoei aos seus interessantes filhos gêmeos de cerca de sete anos. Comumente eu passava pela residência do amigo e convidava os seus dois garotos para brincar pela orla e praças da cidade. Em todo lugar os gêmeos chamavam atenção por sua simpatia, expansividade e travessuras.

            Naquele rico período, no mês de junho, recebi o convite de uma bela jovem amapaense para participar da festa junina da sua rua. O trânsito seria fechado para veículos. Durante a noite ocorreria a apresentação de quadrilhas e os moradores distribuiriam comidas típicas. Oportunidade para me aproximar e conhecer a família da moça com quem eu desejava iniciar um relacionamento.

           Mas na noite marcada, antes de ir ao encontro da jovem, parei na casa dos meus dois amiguinhos, pois seu pai também promovia uma festa junina. Ali, depois de muita insistência dos meus dois pequenos amigos, aceitei levá-los para assistirem à apresentação dos folguedos juninos na rua da minha paquera. Antes, porém, colhi dos pequenos o compromisso de que se comportariam e não praticariam nenhuma das suas costumeiras traquinagens. 

          Segui, então, com os dois garotos para a rua onde aconteceriam atividades comuns ao mês de junho. Durante o percurso, mais uma vez alertei para o comportamento adequado que os dois deveriam cumprir. Chegando ao animado arraial fui apresentado aos educados e corteses pais da jovem e passamos a conversar. Os meninos logo se entrosaram com as outras crianças, brincaram, soltaram bombinhas e comeram. Surpreendentemente, mantiveram uma conduta exemplar.

          Por volta das dez da noite, avisei à minha paquera e aos seus pais que levaria os pequenos amigos para casa deles, mas logo retornaria para o animado arraial. Os dois meninos acenaram para a bonita anfitriã e seus educados pais e entraram no veículo. No entanto, mal engatei a primeira marcha os capetinhas colocaram a cabeça fora da janela do carro e começaram a gritar para a jovem:

          - Tchau, gostosa. Até mais, boazuda. Um beijo, saborosa...



(imagem Google)

sábado, 18 de junho de 2011

411 - PROMOVIDO NO BAR


          Cheguei ao Amapá no início de 1991 e após advogar em escritório particular, em 1995 fui nomeado para exercer o cargo de Corregedor da Defensoria Pública do Estado. O ingresso naquela importante instituição marcou minha vida e oportunizou um formidável salto na minha iniciante carreira profissional.

          Cumprindo umas das incumbências do cargo, assinava as portarias de designações dos defensores para atuar nas comarcas interioranas. Como sempre fazia com registros importantes da minha vida, separei um exemplar do Diário Oficial do Estado com a publicação de vários desses atos e enviei pelo correio para o meu velho pai, em Várzea Alegre. Pois, na sua bodega, ele sempre manteve uma pasta com vários documentos marcantes dos filhos.

         Meses depois, em férias, voltei à minha querida cidade natal. Em uma manhã de sábado, passava pelo movimentado Calçadão Antônio Alves Costa, no centro do pequeno e simpático município, quando encontrei meu querido tio e padrinho de crisma Antônio Ulisses, que, no Bar de Saraiva, bebia com um grupo de amigos e agricultores. Após os cumprimentos iniciais, um dos presentes indagou:

          - Quem é esse minino, Antôi?

          - É dotô Flavin, fii de Terezinha minha irmã. Ele mora lá pelas banda da Amazônia. – respondeu meu simpático e conversador tio.

          - Antôi, e o que é que esse minino faz praquelas banda? – insistiu o velho agricultor.

           - Se eu dissé o que esse meu sobrin faz lá você num vai acreditá. - disse o corretor de algodão.

          - Apois diga, Antôi. – completou o curioso homem da roça.

          - Faz de conta que ele trabaia lá em Fortaleza. Ele fica de lá só mandano. Juiz fulano de tal vai pro Crato. Juiz Sicrano, pra Sobral. Juiz Beltrano, pra Orós...

           Eu, sem coragem para consertar, observei o orgulho com que meu tio contava a história e me promovia ao destacado cargo de Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça. Sob o olhar dos boquiabertos amigos, meu tio desafiou:

          - E se num tivé acreditano vá lá na budega que o pai dele mostra os papel...

(imagem Google)

sexta-feira, 17 de junho de 2011

410 - CORTES E EMENDAS



          Na década de oitenta, na pacata Rua São Vicente, em Várzea Alegre, vivia um casal com claras diferenças e dificuldades no relacionamento. De um lado o boêmio marido, viciado em bebidas, tocador de violão, que todas as noites saía sozinho para os bares da cidade. De outro, a recatada e caseira esposa, ocupada com as inúmeras atribuições do lar e cuidadosa com os filhos pequenos.

          Nada impedia a saída noturna do egoísta e insensível marido. Nem mesmo com os filhos doentes ele permanecia em casa para dividir as tarefas com a mulher.

          Certa noite, o marido se arrumava para sua farra rotineira quando a esposa, da cozinha, fervendo o leite no velho fogão, rogou:

          - Zé, num vá pra rua hoje não. Os minino tão com essa tosse de cachorro. E eu também tou cum difruço* danado...

          Mesmo assim o esposo não se sensibilizou, vestiu a roupa e saiu. Quando o boêmio já passava em frente à capela da tradicional Rua São Vicente, a mulher, da porta da modesta casa, apelou:

          - Hômi, volta que o leite cortou**...

           O farrista marido, antes de prosseguir na sua habitual caminhada em direção aos botecos da ponta da rua, virou-se e disse:

            - Apois imendi.



Colaboração: Teresa Lisboa

* Difruço no vocabulário cearense significa resfriado

** Diz-se quando o leite azeda, estraga.

(imagem Google)

quinta-feira, 16 de junho de 2011

409 - CALÇADA INDISCRETA



          Inspirados no modelo americano, os motéis apareceram nas grandes cidades brasileiras na segunda metade do século passado com a onda de liberação dos costumes. Nesse período surgiram os locais para encontros amorosos já que os hoteis tradicionais não permitiam as estadias de curta permanência.

         Mas nos pequenos municípios do interior brasileiro, normalmente conservadores, esses estabelecimentos demoraram mais tempo a se instalar. A falta de discrição obrigava o uso de regras pouco convencionais, como em um singelo motel do interior cearense, onde os casais recebiam capuzes para, junto com outros, com rosto coberto, aguardar na recepção a liberação de um quarto sem risco de serem identificados.

           Em Fortaleza, alguns moteis surgiram no centro da cidade para atender o grande público que frequentava a região e não possuía carro próprio. Normalmente eram localizados no pavimento superior de um prédio, enquanto o térreo era ocupado por outras atividades comerciais.

           Nas ruas movimentadas do centro da capital cearense, aqueles que se dirigiam a esses modestos estabelecimentos seguiam um indiscreto percurso. Mesmo assim, buscando resguardar a intimidade, o tímido casal caminhava normalmente pela calçada, se misturando às inúmeras pessoas que transitavam pelas ruas do comércio. Quando chegavam diante da estreita porta do motel, o homem, de supetão, puxava a companheira pelo braço e juntos subiam rapidamente a escada que levava ao motel.

         Mais indiscreta que a entrada, só mesmo a saída. Pois o casal deixava o motel descendo rapidamente a escada e se misturando aos inúmeros transeuntes da calçada. Sob o olhar curioso de todos, os satisfeitos hóspedes  tentavam agir como clientes de um estabelecimento qualquer.



(imagem Google)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

408 - SANTO MILAGREIRO



           No último dia 13 de junho, as festividades católicas em homenagem a Santo Antônio trouxeram a memória uma excursão que participei no ano de 1997. Com um grupo de amigos, realizamos uma interessante viagem pela Europa Ocidental.

          O roteiro incluía Pádova, cidade da Itália onde são guardadas relíquias de Santo Antônio. Ao chegar, as mulheres solteiras da comitiva cuidaram imediatamente de procurar a Basílica para apresentar suas preces ao Santo Casamenteiro. Duas amigas que nos acompanhavam na viagem desceram apressadas do ônibus e convidaram:

          - Flavin, vamos logo conhecer a Basílica de Santo Antônio?

          - Vou já, tou aqui dando uma olhada. – respondi enquanto fingia escolher umas lembranças oferecidas por ambulantes nos arredores do grande prédio católico.

          Cerca de meia hora depois, minhas duas colegas voltaram e perguntaram:

           - Você não vai entrar na Basílica?

            - Agora vou.

           - E por que não quis ir com a gente?

          - Temi que na hora das preces de vocês Santo Antônio me visse ao lado e escolhesse o baixin cearense para atender aos pedidos de casamento de uma das devotas.

          Mas o popular e festejado santo é mesmo muito poderoso. Pouco tempo depois do retorno ao Brasil, nossas duas amigas alcançaram os sonhados casamentos e vivem felizes com suas famílias.



(imagem Google)

terça-feira, 14 de junho de 2011

407 - DANÇA POR MINUTO



           No final do ano passado, a professora aposentada varzealegrense Maria Gomes Fiúza, conhecida como Brazão, viajou à Fortaleza para visitar a família, principalmente seus queridos filhos Jefin e Homero.

          Durante o passeio na capital alencarina, o cunhado Medeiros convidou Brazão e os filhos para irem ao Alpendre da Vila, bar e restaurante onde os frequentadores curtem a saudável e prazerosa dança de salão.

          Naquele movimentado estabelecimento,  preferido pelos animados grupos da terceira idade, rapazes se oferecem para dançar com as senhoras desacompanhadas, cobrando um real e cinquenta centavos por cada música. Ciente de que a professora sempre gostou de dançar, Medeiros disse:

          - Brazão, pode ir para o salão que eu pago a dança.

         Horas depois, surpreendido com a interminável disposição da cunhada, Medeiros pediu a Homero que fosse chamar a mãe que não mais se aproximara da mesa.

          Com o retorno da professora, Medeiros pediu a conta e se espantou com o valor cobrado pelas danças, dizendo:

         - Eita Brazão, da próxima vez eu vou pedir a banda que só toque Samarica Parteira e A Triste Partida*.



* longas músicas do repertório de Luiz Gonzaga com duração de cerca de dez minutos cada.

Colaboração: Klébia Fiúza

(imagem Google)

domingo, 12 de junho de 2011

406 - VOVÓ E SUAS MIL UTILIDADES




           Com os seus parcos proventos de professora aposentada, minha avó materna Maria Amélia alcançava o milagre de manter o seu movimentado apartamento em Fortaleza. Sua receptiva morada vivia repleta de parentes que saíam de Várzea Alegre para estudar e trabalhar na capital cearense.

          Para conseguir o equilíbrio do apertado orçamento doméstico e ainda manter uma inacreditável reserva financeira, minha avó exercia intenso controle sobre os produtos adquiridos para a manutenção da residência.

         Certa manhã do início da década de oitenta, logo que me mudei para Fortaleza, me deparei com minha gordinha avó, toda ensaboada, andando do banheiro do quarto dela para o banheiro social do apartamento.

          Diante da cena, após controlar o riso, temi que minha querida vozinha, que já andava normalmente com dificuldades, agora molhada, nua e ensaboada, escorregasse no piso do apartamento.

         Imediatamente chamei a antiga funcionária da casa e indaguei:

         - Gilsa, vovó passou de um banheiro pra outro toda ensaboada. faltando água?

        A fiel e paciente empregada, com um sorriso no canto da boca, respondeu:

        - não, Flavin. É que dona Maria não quer gastar o sabão em pó. Quando ela vai tomá banho aproveita a espuma de sabonete do corpo dela e passa nas paredes dos banheiro pra mode eu esfergar depois...



(imagem Google)

sábado, 11 de junho de 2011

405 - CEDRO X VÁRZEA ALEGRE



          A rivalidade não ocorre apenas entre os habitantes de grandes centros como Nova York e Boston, Paris e Londres ou Rio de Janeiro e São Paulo. Pequenas cidades também desenvolvem saudáveis e pacíficas disputas.

          No sertão cearense, os moradores de Várzea Alegre e Cedro sempre concorreram por novidades e avanços em seus municípios. Embora sofrendo com as mesmas dificuldades do interior nordestino, cada cidade sustenta ser melhor que a outra.

          Na primeira metade do século passado, o famoso caminhoneiro Zé Felipe, cantado por Luiz Gonzaga na música Contrastes de Várzea Alegre, espalhou por onde passava as curiosas histórias de sua cidade.

          Certo dia, em Várzea Alegre, após o bem humorado Zé Felipe voltar de uma longa viagem, um conterrâneo, curioso sobre a energia elétrica, perguntou:

          - Zé Filipe, no Cedro já tem luz?

           O experiente e afamado caminhoneiro ironizou:

           - Num sei. Só passo por lá de noite.


(imagem Google)

sexta-feira, 10 de junho de 2011

404 - NOME IMPRÓPRIO


          Em recente palestra, respondendo pergunta da platéia, ouvi o renomado professor Zeno Veloso se referir à legislação portuguesa que restringe o uso de pré-nomes estrangeiros no registro de pessoas.

           A menção do mestre paraense ao costume lusitano e ao abuso do estrangeirismo no Brasil me fez recordar de quando, na década de noventa, atuava como defensor público. A rica e realizadora experiência profissional também me rendeu algumas histórias.

          Certa manhã, eu atendia na sede da Defensoria Pública quando me deparei com mais uma causa de investigação de paternidade. Uma jovem moça reclamava que um rapaz reconhecesse o filho oriundo de uma rápida relação afetiva.

           Como na época não havia disponibilidade para o conclusivo exame de DNA, indaguei se a moça possuía outras provas do relacionamento com o pai do seu filho. Buscava a existência de cartões, cartas, fotos ou outro registro do furtivo relacionamento que redundou no nascimento do garoto.

          A moça abriu a bolsa, retirou e me mostrou uma fotografia do suposto pai do seu filho. Diante da inexistência de outras evidências da paternidade, eu, olhando a foto, perguntei:

           - Seu filho parece com o pai?

           A jovem então se levantou, abriu a porta que dava para a ante-sala do meu gabinete e chamou:

          - Xazenega, entre aí. O dotô quer te ...

         Imediatamente, um garoto de cerca de três anos de idade, magrinho e com nariz escorrendo, entrou na sala. Observando a cena, imaginei a dificuldade que o pobre menino teria para aprender a escrever seu nome, escolhido pela mãe em homenagem ao musculoso ator australiano Arnold Schwarzenegger.


(imagem Google)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

403 - A TV DE SEU NENÊ




          No início da década de setenta, na pequena Várzea Alegre, ainda menino, adorava correr e brincar pelas calçadas estreitas do Beco da Liberdade. Ali, no diminuto universo onde cresci, fiz minhas primeiras amizades e conheci melhor as pessoas que moravam na vizinhança.

          Nas poucas casas do estreito beco, viviam as amistosas famílias de seu Doca de Souza, Assis Menezes, Biluquinha, Assis Pires, Antônio de Zé de Ana e Toinha de Seu Juca.

          Bem ao lado da minha morada encontrei a movimentada residência do coletor aposentado Edmundo Evangelista, conhecido como Nenê Marinheiro, pai de vinte e dois filhos. A casa, de grande quintal arborizado com frondosas mangueiras, foi a primeira da rua a possuir a fascinante caixa de madeira conhecida como televisão.

        Lembro que, quando avisado que seu neto Fávila Ribeiro, renomado Procurador do Estado do Ceará, daria uma entrevista em um canal de TV, seu Nenê, nosso vizinho, orgulhoso, recomendava à sua simpática esposa:

        - Maria, engome meu palitó. De noite nós temo de se arrumá, vesti roupa nova. Dotô Fávila vai falá na televisão.



(imagem Google)

terça-feira, 7 de junho de 2011

402 - A CABEÇA DA LAGARTIXA (Pedra de Clarianã há dois anos)



         Dona Balbina Meneses Diniz, vizinha da rua Duque de Caxias, apreciava a boa conversa com Antônio Alves da Costa e Maria Amélia Gonçalves Costa, pais de Antônio Ulisses. Numa das constantes visitas à residência do primo Antônio Costa, situada na rua Duque de Caxias, na pacata Várzea Alegre, onde hoje funciona o estabelecimento “O Boticário”, Dona Balbina presenciou um interessante fato que permaneceu até hoje em sua aguçada memória. Tal cena, acontecida quando o garoto Antônio Ulisses contava com menos de três anos de idade, já revelou a graça, desenvoltura e apetite que marcaram a existência do nosso personagem.

           Oriundo de uma típica e numerosa família do interior cearense, formada por treze filhos, desde o nascimento, Antônio Ulisses recebeu cuidados de Lucíola, uma de suas irmãs mais velhas. Entre as suas incumbências, mesmo bem jovem, estava a responsabilidade de alimentar o menino.

            Conta dona Balbina que, em um desses dias, Lucíola preparava a refeição desfiando uns pedacinhos de carne para facilitar a mastigação do garoto. Sem perceber o olhar vigilante do pequeno, a irmã comeu um pedaço da carne. Ao ver a irmã provando um pouquinho da sua refeição, Antônio Ulisses iniciou um incontido choro. A jeitosa Lucíola, tentando acalmá-lo, disse que não era carne que tinha na boca, mas a cabeça de uma lagartixa que havia caído no prato.

            O já insaciável garoto, mesmo com a rápida e inteligente desculpa criada pela irmã, gritou, inconformado:

             — Eu quero comer a cabeça da lagartixa.


* extraído do livro "Conte Essa, Conte Aquela - Histórias de Antônio Ulisses.

(imagem Google)

domingo, 5 de junho de 2011

401 - O BAR DE NEGO DE ANINHA



         Atualmente, o tradicional bar varzealegrense de propriedade de Francisco Gregório da Costa, popular Nego de Aninha, funciona na animada Rua do Figueiredo. Ali,  com seus oitenta e dois anos de idade, o dono recebe todos com a mesma disposição, simpatia e elegância. Mas,  por algumas décadas, o bar acolheu seus clientes na Rua Major Joaquim Alves, onde hoje funciona a loja Júnior Calçados.

           Certa noite, no final da década de sessenta, Nego, cansado e com uma forte ressaca, decidiu fechar o seu estabelecimento mais cedo. Porém, quando encostava a última porta, ali chegou um dos seus mais especiais frequentadores, o empresário Luiz Proto de Morais, proprietário do prédio. Com o inesperado surgimento do senhorio, Nego cuidou logo de reabrir o bar.

         Já sentado a mesa e tomando sua cerveja, o boêmio Luiz Proto passou a contar uma longa história sobre um estranho cavalo branco. Observando que Nego cochilava, o empresário disse:

         - O que achou da história do cavalo branco?

         - Eu num entendi essa história não, mas peraí que vou sabê direitin...

          Nego se levantou e  foi até a prateleira do bar, trazendo para mesa uma garrafa de cachaça. A partir de então a conversa fluiu com mais interação e o dono do bar se manteve atento a todas as histórias contadas por Luiz Proto.

          Já perto das cinco da manhã, os dois amigos, bêbados, conversavam alto e gargalhavam. A algazarra chamava a atenção das beatas que passavam pela rua caminhando em direção a igreja de São Raimundo, onde os sinos tocavam e padre Otávio já se preparava para a primeira missa do dia.



Colaboração: Francisco Bezerra da Costa(Nego de Aninha)

(imagem Google)

sexta-feira, 3 de junho de 2011

400 - A VENDA DO JEGUE



         No sertão caririense, na bucólica Várzea Alegre, terra cuja irreverência do seu povo já foi cantada por Luiz Gonzaga, Rei do Baião, uma conversa despretensiosa, um papo informal, uma resposta ou qualquer prosa simples costuma se transformar em uma divertida história.

          Certa tarde de sábado, no final do século passado, no sítio Boa Vista, na bodega de Chico Inácio, os agricultores Zé Branquin, Antão de Zé Gonçalves e Gabriel tomavam uns goles de cachaça e comentavam sobre a estiagem que assolava a região. De repente, Zé olhou para um dos amigos e disse:

         - Antão, o tempo é de seca e de caristia. Me compre meu jumento...

         Depois de várias indagações sobre as características do animal identificado com a paisagem nordestina, Antão ainda perguntou:

         - , e ele é disposto?

        Já aborrecido com as inúmeras perguntas e percebendo o pouco interesse do amigo no negócio, Zé respondeu:

       - É sim. É corajoso demais. Tem coragem de drumi a noite todia sozin na roça e nem carece você ficá com ele...


Colaboração: Antônio Alves da Costa Neto

(imagem Google)

quarta-feira, 1 de junho de 2011

399 - O JOVEM BALEADO



           Na década de cinquenta, em Várzea Alegre, no sítio Atoleiro, um jovem agricultor conhecido por Zé, sentado sobre as estacas da cerca, após um dia de estafante trabalho na roça, aguardava os amigos para o costumeiro bate-papo de fim de tarde. O rapaz, com sua inseparável faca, limpava as unhas dos pés quando surgiu pela estrada vicinal, montado em um burro, o policial militar Pantaleão, que voltava de uma diligência no sítio Iputi.

         Suspeitando da atitude do rapaz, o policial, recém destacado na sede do município, ordenou:

          - Que é que tu tá fazendo aqui sozin na boca da noite? Me dê essa faca aí.

          - Dou nada – respondeu Zé, em um arroubo de coragem e atrevimento.

          Mas ao perceber que o policial sacara o revólver, o rapaz pulou da cerca e saiu correndo. Durante a fuga desesperada para casa, sem olhar para trás, o agricultor ouviu dois estampidos.

         Já cruzando a soleira da porta de sua modesta residência, ao encontrar seu velho pai, o ofegante rapaz,  com voz trêmula, perguntou:

         - Pai, saingue tem cheiro de que?

        O agricultor, sem entender o que acontecia, com o cigarro de fumo no canto da boca, indagou:

         - Pra que você quer sabê, meu fii? -

        Após passar mais uma vez a mão pelas costas e aproximar o dedo indicador ao nariz, o jovem, quase chorando, respondeu:

        - É que se fedê a bosta eu tou é baleado, pai.



Colaboração: Lázaro Pinho

(imagem Google)