segunda-feira, 30 de junho de 2014

862 - BUDEGA DE CHICO DE CICIA



Nas últimas décadas o comércio de Várzea Alegre expandiu a passos largos. As lojas, os mercantis, os bares, as lanchonetes, os açougues, as padarias e outros estabelecimentos não mais se limitam ao centro da progressista cidade. Avançam em direção às ruas adjacentes e buscam os bairros periféricos, onde antes havia apenas residências.
 
Mas na primeira metade do século passado existiam poucos comerciantes estabelecidos na pequena cidade cearense, com resumidas opções de compras e quase nenhuma concorrência.

Por volta da década de 1940, em uma típica tarde do sertão nordestino, com muito sol, uma velha freguesa chegou à bodega de Chico de Cicia* e não viu ninguém no interior da mercearia.

Naquela hora, fugindo do calor e do pouco movimento no comércio, Chico jogava uma partida de gamão do outro lado da antiga Rua Major Joaquim Alves, protegido pela refrescante sombra dos prédios virados para o nascente.

Ao avistar o bodegueiro, a freguesa gritou:

- Chico, tem pimenta do reino?

O sossegado comerciante, concentrado no jogo, sequer tirou o olho do tabuleiro para responder em voz alta:

- Tem, mas num tem quem venda...

* no local hoje funciona a tradicional Casa Raimundo, tocada há mais de sessenta anos pela família Cavalcante. 
Colaboração: Luiz Cavalcante
(imagem Google) 

domingo, 22 de junho de 2014

861 - TESTE DE DIREÇÃO



O exame prático de direção, acompanhado diretamente por funcionário do departamento de trânsito, causa enorme temor em grande parte dos candidatos à habilitação.

Há alguns anos, no centro sul cearense, uma senhora buscou o DETRAN para tentar novamente a aprovação no teste. Diferente das oportunidades anteriores, em que foi reprovada, dessa vez a candidata se apresentava mais preparada e confiante.

Chegado o ansiado momento, a velha senhora entrou no carro e saiu para o teste pelas vias da cidade. O sol já sumia no horizonte quando o examinador, com a cara fechada, olhou para o relógio e quebrou o silêncio:

- São exatamente seis horas da tarde. A essa hora o que a senhora deve  fazer?

A candidata a motorista soltou a mão direita da direção e tocando com a ponta dos dedos a testa, o peito e os ombros, cumprindo a tradição católica, falou:

- Ia me esqueceno, meu fii. Nome do pai, do filho e do espírito santo...

Colaboração: Ernesto Junior
(imagem Google)

terça-feira, 10 de junho de 2014

860 - DOENTE DO PÉ

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Na inicio da década de oitenta, o engenheiro varzealegrense Raimundo Irapuan Costa sofreu um grave acidente e fraturou uma das pernas.


Semanas depois, ainda se recuperando, mesmo com dificuldade para caminhar, o engenheiro decidiu visitar alguns amigos no Riacho Fundo, sitio distante da sede do município de Várzea Alegre e mantido há décadas por sua família.


Ao chegar ao local, Irapuan desceu com dificuldades do veiculo e, mancando bastante, saiu cumprimentando todos os presentes. Ao ser indagado como estava, o simpático engenheiro repetia:


- Tá tudo bem. Num fosse essa minha perna...


- Um velho e experiente agricultor, observando Irapuan claudicando e com a perna ainda engessada, tirou o cigarro de fumo da boca e tranquilizou o amigo, dizendo:


- Dotô, num se agunêi, não. Doença só é grande do cu pra cima. Do cu pra baixo é bestêra.

Colaboração: Paulo Danúbio Carvalho Costa

(imagem Google)

domingo, 8 de junho de 2014

859 - A VITÓRIA DO MINOTAURO*



Neste fim de semana decidimos por um treino diferente, longe do asfalto e da movimentação e poluição urbana. Em pleno sábado, acordamos ainda na madrugada para seguir de carro até o km 60 da  BR 156. Ali, em meio aos pinhais e eucaliptos de uma grande empresa de celulose, trilhas em labirinto permitem correr qualquer distância.

Uma aprazível chácara às margens do Rio Matapi seria o ponto de partida e chegada. Como minha planilha previa 12 km, correria metade indo e metade voltando, entre subidas e descidas, pisando na lama e na piçarra.

Iniciei com um trote confortável, fotografando os companheiros e registrando a bela paisagem amazônica. Após uma légua - seis quilômetros - dei meia volta e acelerei em busca da linha de chegada.

Mesmo com o sol forte, finalizei ainda com fôlego. Tomei um bom gole de água, e, como prêmio, derramei o restante do refrescante líquido sobre a minha cabeça. Me surpreendi com o desempenho, pois deixei comendo poeira ou bebendo lama os companheiros que cumpririam a mesma distância que eu.

Ainda comemorava minha vitória quando olhei detidamente para o lugar e percebi que algo estava errado. Aquele não era o sítio de onde partimos. Tomei um caminho diferente.

Sem água, com muito sol, voltei alternando trotes e caminhadas por mais uns cinco quilômetros. Retomei o percurso correto e fui resgatado pelo amigo Bob, que de carro, preocupado, já me procurava pelas inúmeras trilhas do lugar.

Ao chegar, ouvi piadas dos colegas como que a onça havia me comido quando precisei me embrenhar na mata por conta de um desconforto intestinal. Mas pior que sofrer com as ironias foi constatar que a minha primeira vitória nos treinos durou apenas alguns instantes, tempo suficiente para perceber que eu estava ariado** nas trilhas da floresta.

* personagem da mitologia grega que habitava um labirinto na ilha de creta. 
**perdido, que não sabe para onde ir.
(imagem Google)

domingo, 1 de junho de 2014

858 - SEBINHO



Nesta manhã de domingo, um grupo de amigos pedalou até o Igarapé da Fortaleza, Distrito de Santana, para uma visita ao veterano atleta Francisco Dias Macedo, que se recupera de uma cirurgia. Mesmo com carência de identificação das ruas, foi fácil encontrar o endereço, pois vários moradores do local se prontificaram a apontar orgulhosamente onde mora o simpático senhor conhecido como Sebinho, hoje com 73 anos.

A modesta casa do corredor e ciclista conta grande parte da história do esporte amapaense. Nos cômodos, falta espaço para expor os inúmeros troféus e medalhas conquistados pelo incansável atleta. Segundo seus cálculos, desde 1972, quando se iniciou nas disputas, são 974 provas vencidas.

Nascido no Estado do Pará, entre Oriximiná e Juriti, Sebinho chegou ao Amapá em 1970, para trabalhar na área de telecomunicações da ICOMI, empresa que por décadas explorou o minério de manganês nas minas da Serra do Navio.

Mas foi na atividade esportiva que se destacou e adquiriu fama. Suas vitórias ultrapassaram os limites geográficos impostos pelo majestoso Rio Amazonas. Representando o Amapá, Sebinho ganhou provas em vários estados brasileiros.

E o melhor da visita foi ouvir as inúmeras histórias e aprender com o lendário atleta amapaense. A origem do seu apelido diz muito sobre a sua vitoriosa trajetória.

Na década de 1970, em uma prova disputada em Fortaleza, nos últimos metros, Francisco disparou e ultrapassou vários concorrentes, cruzando em primeiro lugar a linha de chegada. Ao final, diante de todos, o técnico da forte equipe catarinense, inconformado com a perda do título, reclamou rispidamente com seus atletas:

- Que vergonha! Como vocês conseguiram perder para esse ciclista franzino do Amapá?

Esgotado, ainda ofegante, um dos atletas de Santa Catarina, usando uma comparação que passou a substituir o nome do simpático Francisco, respondeu:

- Ora, o que a gente poderia fazer?  Ele é pior que “sebo”, um "sebinho", muito liso,  depois que fugou não deu para mais pra segurá-lo...

(imagem Google)