sábado, 28 de fevereiro de 2009

5 - SEM CRISE EM OLINDA




Os carnavais em Olinda são sempre marcantes. Não só pela animada folia, criatividade dos blocos, energia da cidade histórica, mas também pelas situações que a gente vive naquele mundo mágico.

No início da década de 90 uma boa turma se cotizou e alugou um imóvel na cidade pernambucana. Era uma casa simples, com poucos cômodos, mesmo porque a maioria dos foliões só estudava, portanto sem condições para maiores despesas com a folia momina.

Uma parte do grupo, entre os quais os à época inseparáveis Fúlvio Rolim, Régis Teixeira e Hudson Batista, saiu de Fortaleza em um ônibus da empresa Boa Esperança com destino a Olinda. Ainda no percurso, na primeira parada, em Aracati, os foliões desceram na rodoviária para esticar as pernas. Após poucos minutos, na volta para o ônibus, Hudson sentou-se na poltrona ao lado de Régis, e, com ar de preocupado, disse:

- Eita, Régis, tou ferrado no carnaval, comprei uma água mineral e a moça deu o troco de drops ice kiss. Acredita que eu já alisei?

Mesmo com pouco dinheiro, mas muita alegria e descontração, todos se juntaram em Olinda e curtiram um carnaval inesquecível.
(imagem Google)

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

4 - O LADRÃO ESFAQUEADO*

Logo após o seu casamento com Maria Aparecida Feitosa Costa, ocorrido em 1976, Antônio Ulisses foi residir na rua Coronel Pimpim, no imóvel onde hoje funciona a Sorveteria Ki-Delícia.

Certa madrugada, foi acordado por sua esposa, que, assustada com um estranho barulho, desconfiava que havia um ladrão dentro de casa.

Assim, Antônio Ulisses tomou coragem e foi ver o que acontecia. Na cozinha, percebeu que o larápio havia desarrumado algumas coisas e preparado outras para levar. Como a porta do banheiro estava entreaberta, desconfiou que o ladrão estava naquele cômodo.

Empunhando uma faca tipo peixeira, decidiu enfrentar o meliante. Tentou entrar no banheiro, mas o ladrão segurava a porta, impedindo sua passagem. Disposto a encará-lo, Antônio Ulisses planejou empurrar a porta com força e desferir uma única facada no perigoso bandido.

Não deu outra. Em uma ação rápida e eficiente, com extrema força, empurrou com o ombro a porta do banheiro e desferiu um golpe transfixante na barriga do elemento.

Felizmente não se tratava do larápio, a facada atravessou um saco com roupa suja que sua esposa guardava pendurada dentro daquele cubículo. Era o saco que impedia a total abertura da porta. Em vez de atingir o abdômen do ladrão, furou várias peças de roupa, inclusive algumas das que mais gostava, como a calça do conjunto de mescla azul que usara em seu casamento.


* extraído do livro "Conte Essa, Conte Aquela - Histórias de Antônio Ulisses"

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

3 - AULAS DE ECONOMIA




O dia da avó é comemorado apenas em 26 de julho. Mas ela merece recordações e homenagens o ano inteiro. Eu vivi uma relação muito forte com a minha avó materna. Como a cidade em que eu nasci não preparava para o exame vestibular, com quinze anos de idade fui morar com minha avó na capital alencarina para cursar o antigo segundo grau.

Além de exemplos de fortaleza, fraternidade e bom-humor, minha querida vozinha sempre demonstrou qualidades de uma expert em economia. Mesmo vivendo com pequena aposentaria da previdência social, obrava milagre, alcançando o fim do mês com uma sobra de dinheiro. Nestes tempos de crise financeira mundial ela apresentaria saídas para superar qualquer dificuldade de caixa.


Sua capacidade econômica era inesgotável. Lembro que ela nunca fazia todas as compras de uma só vez. Ia seguidamente ao mesmo supermercado para adquirir dez produtos diferentes. Toda essa maratona apontava para um objetivo concreto. Cada produto ela trazia em um saco plástico distinto, de modo que no final das compras juntaria dez sacos, suficientes para acomodar o lixo doméstico da semana.

Mas nada se comparava ao cuidado que ela dispensava à caixa de fósforos. Houve um tempo que freqüentei aulas noturnas e eu esquentava o jantar quando chegava do colégio. Ao lado do fogão, minha avó deixava uma caixa de fósforos Argos com dois palitos apenas. Só havia duas chances para acender o fogão a gás. E olha que os palitos agem em sintonia, quando um falha o outro também acompanha. Nem com reza braba o palito restante queima com o atrito na caixa.

Hoje, com tanto desperdício acontecendo, sinto ainda mais falta da minha inesquecível avó.


 
(imagem Google)

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

2 - FUTEBOL NO CEDRO

O time de futebol de Várzea Alegre se preparava para viajar até o vizinho município do Cedro, onde, ainda no final da tarde daquele mesmo dia, as duas seleções protagonizariam um esperado embate. A rivalidade entre os dois pequenos municípios cearenses não se limitava ao esporte, tudo motivava discussão entre os moradores das duas cidades. Os cedrenses se gabavam por ter suas terras cortadas pela estrada de ferro, responsável por impulsionar seu desenvolvimento. Do outro lado, os varzealegrenses respondiam dizendo que pouco adiantava a linha do trem se no Cedro não havia sequer água.

Na efervescência de toda essa rivalidade, os atletas da terra do arroz subiam no velho caminhão que os transportaria até o campo de chão batido da vizinha cidade. Muitos assistiam à saída da equipe de atletas, outros tentavam subir no caminhão para acompanhar o jogo na terra vizinha. Não havia espaço suficiente na carroceria para acomodar a equipe de futebol, a comissão técnica, os dirigentes e os inúmeros torcedores que desejavam ver o clássico regional.

No meio daquela confusão, um conhecido e assumido homossexual de Várzea Alegre, com seus trejeitos afeminados, tentou subir no caminhão. A reação foi imediata. Vários jogadores e torcedores recusaram a presença do diferenciado torcedor. Uns mais afoitos e sem as idéias atuais do politicamente correto empurraram o pobre rapaz e gritaram:

- Viado não sobe nesse caminhão.

O torcedor pederasta, aborrecido com a inesperada recusa, entristecido com a ação preconceituosa ainda maior naquela época, olhou seriamente para os jogadores, comissão técnica e torcedores, e gritou:

- Eu não vou nesse caminhão, mas aí em cima vão mais dois outros viados.

Fez-se silêncio tumular entre os presentes. Ninguém, nem mesmo os mais esquentados dos jogadores esboçou qualquer reação. Nenhum outro torcedor quis acompanhar o grupo. Outros não desceram do caminhão temendo que a atitude levantasse suspeita sobre a sua opção sexual. Assim, o veículo deu partida e seguiu na antiga estrada em direção ao vizinho município. No percurso de várias léguas não houve as conversas de costume, como os importantes debates sobre as estratégias para o confronto. Os passageiros se olhavam discretamente procurando pistas dos dois outros referidos pelo homossexual excluído do grupo.

Chegando ao Cedro, a equipe de futebol varzealegrense não repetiu os bons desempenhos dos enfretamentos anteriores. De igual forma, os torcedores e os dirigentes que acompanharam o time não conseguiram elevar o ânimo dos atletas. Logo o escrete vizinho tomou conta da partida e venceu facilmente o clássico. No término do jogo ninguém falou sobre a derrota, não houve qualquer menção aos motivos do fracasso daquela tarde. Afinal, todos reconheceram a impossibilidade de se concentrar na partida. Nos pensamentos dos passageiros do caminhão só havia espaço para descobrir quem seriam os dois outros homossexuais que naquele dia foram disputar ou assistir ao jogo de futebol no Cedro.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

1 - PEDRA DE CLARIANÃ




Desde criança, lá pelas bandas do sertão cearense, escutei uma interessante história narrada por seu Alberto, antigo empregado do meu avô materno. Aquele humilde homem, de mãos calejadas pela vida de lavrador, nos intervalos de sua faina diária, contava a todos sobre a existência de um reino distante onde habitava uma linda princesa. Uma donzela, plena de virtudes e beleza, que ansiosa, de braços abertos, aguardava a chegada do seu príncipe, o próprio Alberto.

Além de possuir o coração da linda herdeira, seu Alberto também era proprietário de uma pedra de ouro. Não se tratava de uma pedrinha ou de uma pepita qualquer, era uma pedra imensa, gigantesca, a Pedra de Clarianã. Toneladas e toneladas de ouro maciço, tudo pertencente a seu Alberto. A fortuna em metal precioso transformava aquele pobre homem no mais rico da terra em todos os tempos. Tamanha propriedade espantava qualquer dúvida sobre a existência do amor distante. Claro que havia uma linda princesa encastelada esperando a chegada do príncipe Seu Alberto.

A rica imaginação daquele homem habitou por muito tempo a fantasia de inúmeras crianças. Eu, mesmo não ouvindo a história contada diretamente pelo afortunado Alberto, também viajei na lúdica narrativa da enorme pedra de ouro e da bela princesa.

Outro dia, por acaso, descobri que realmente existe uma pedra enorme com nome parecido e há anos cantada por poetas populares: a Pedra do Claranã, localizada no outro lado da chapada do Araripe, no sertão pernambucano, no município de Bodocó.

Não sei se a pedra de Bodocó tem toneladas de ouro ou se naquele sertão existe um reino com bela princesa. Porém, ninguém duvida que Seu Alberto e as crianças que ouviram aquela historia jamais perderam a esperança de encontrar a verdadeira Pedra de Clarianã. Lúdicas histórias, com reinos, castelos, princesas e fortunas sugerem um final feliz. Nós todos ainda vamos encontrar a verdadeira pedra de Seu Alberto.

(imagem Google)