sexta-feira, 31 de maio de 2013

760 - MARIA CAETANO (Pedra de Clarianã ha dois anos)



          O jogo do bicho, com números representando animais, foi inventado pelo barão de Drummond em 1892 para estimular as visitas ao jardim zoológico do Rio de Janeiro. A bolsa de apostas, mesmo ilegal, logo se espalhou pelo país e caiu no gosto do brasileiro.

          Em um fim tarde da década de setenta, em Várzea Alegre, no mês de maio, a cozinheira Maria Caetano participava da procissão em homenagem a Nossa Senhora, quando o cortejo passou pela antiga Rua Major Joaquim Alves.

        Ao chegar em frente ao estabelecimento onde funcionava a banca do jogo do bicho, a católica Maria Caetano, cantando o conhecido hino 13 de Maio, pôs a mão no bolso do vestido e, junto com o terço, retirou a pula* com sua aposta daquele dia. Baixinha, a velha senhora esticou o pescoço, mas não conseguiu conferir o resultado no quadro de avisos da banca do bicho.

         Sem perder o ritmo, Maria Caetano, dirigindo-se à amiga que seguia a sua frente, mudando a letra do hino, improvisou:

           - Você que é mais alta.

            Maió do que eu.

            Espie na banca.

            Que bicho que deu.

          A amiga de Maria Caetano, também viciada e profunda conhecedora do jogo de azar, observou o número "1" anotado no quadro afixado na parede do estabelecimento, e, também cantando, no ritmo do hino, respondeu:

         - Avé, Avé, Aaaveesstruz.

           Avé, Avé, Aaaavessstruz...



*Pula – folha de papel usada para anotação da aposta do jogo do bicho

Colaboração: Antônio Alves da Costa Neto

(imagem Google)

segunda-feira, 27 de maio de 2013

759 - O "PREGÃO DO DEVEDOR (Pedra de Clarianã há dois anos)




         Cada atividade profissional possui seu vocabulário específico. Na vida forense, por exemplo, costuma-se utilizar palavras e expressões que soam estranhas no ouvido da população.

          Na década de noventa, em Várzea Alegre, pequena cidade do interior cearense, após esgotar todos os meios de cobrança ao seu alcance, o próspero comerciante Elias Frutuoso resolveu ingressar com uma ação judicial contra um insensível devedor.

         No dia da audiência, o comerciante chegou ao fórum no horário marcado e entrou na sala de audiências. Minutos depois, vestindo a formal toga preta, ingressou no recinto o juiz da comarca, que determinou:

        - Vejam se o inadimplente já chegou:

      Elias, atento às ordens do magistrado, imediatamente perguntou:

        - Dotô, quem num chegou?

      - O devedor, senhor Elias. O inadimplente não veio, ainda não respondeu ao pregão* – respondeu educadamente o juiz.

       O comerciante, com seu jeito autêntico, coçou a cabeça e ponderou:

       - Vixe, quer dizer que veaco agora virou inadimplente? Num dá certo não, dotô. Um nome bonito desse pra caba mau pagador...



* pregão também significa o ato de apregoar, de chamar publicamente em porta de auditórios, foruns, etc.

Colaboração: Dirceu Carvalho Feitosa Costa

(imagem Google)

quinta-feira, 23 de maio de 2013

758 - GAROTA DO BECO (Pedra de Clarianã há dois anos)



         No Rio de Janeiro, na década de sessenta, Tom Jobim e Vinicius de Moraes bebiam no Bar do Veloso, quando, observando a passagem da linda jovem Heloisa Pinheiro em direção à praia, compuseram a eterna música Garota de Ipanema.

        No Ceará, em Várzea Alegre, no início da Rua dos Perus, Chico Basil e Antonio Ulisses conversavam e bebiam no Bar de Jonas, quando por ali passou uma bela jovem, caminhando em direção ao Beco de Nacisa. A passagem da garota chamou a atenção de todos, pois, não bastasse a beleza do seu rosto, a moça esbanjava um corpo escultural,  destacado pelo seu colado e curto short jeans.

         Uma magra senhora de meia idade, pobre de curvas, solteirona, que também escutava as divertidas histórias dos inseparáveis Antônio Ulisses e Chico Basil, comentou:

        - Tá vendo que pai num deixa eu vestir uma roupa curta dessa.

       Com um olho só, ainda observando a moça já distante, o ferreiro Chico Basil retrucou:

       - Pra mostrar o que muié? Essas duas bandinha de fava?



Colaboração: Antônio Alves da Costa Neto

(imagem Google)

terça-feira, 21 de maio de 2013

757 - BOM DIA





Admito que não sou das pessoas mais simpáticas. Não acordo distribuindo sorrisos. Não sou referência de cordialidade e gentileza. Mas alguns, sem muito esforço, conseguem superar minha incorrigível rabugice.


Há cerca de quinze anos, cedo da manhã, um colega de trabalho chegou à movimentada recepção de uma repartição pública e foi cordialmente saudado pela jovem secretária:


- Bom dia, senhor!


O ranzinza profissional olhou para a simpática moça e, retribuiu a saudação, contestando:


- Bom dia, por quê? O que foi que aconteceu hoje que justifique um bom dia?



(imagem Google)


sexta-feira, 17 de maio de 2013

756 - RIQUEZA ACUMULADA (Pedra de Clarianã há dois anos)



         Todo ano, a revista americana Forbes divulga a lista dos homens mais ricos do mundo. Na relação sempre aparecem os nomes do mexicano Carlos Slim e dos Americanos Bill Gates e Warren Buffett. Neste ano, o brasileiro Eike Batista figura na oitava posição da lista entre os maiores afortunados do planeta.

        Certa manhã de sábado, na década de oitenta, em Várzea Alegre, modesto sertão cearense, como de costume, o corretor de algodão Antônio Ulisses, o ferreiro Chico Basil, o agricultor Joaquinzin, o manipulador de fantoches Damião dos Bonecos e outros amigos se reuniram em uma animada conversa no Bar de Jonas. No meio da divertida prosa surgiu o assunto riqueza. Como exemplo de homem próspero e endinheirado o corretor citou o seu patrão, o usineiro Inácio Parente.

       O espirituoso ferreiro, após escutar a opinião do amigo, tomou uma dose de cachaça, mordeu um caroço de cajarana e, se referindo ao destacado patrimônio imobiliário do Coronel Dirceu Carvalho,  disse:

       - Antôi Ulisse, é bem facin o caba ser rico. É só eu butá na cabeça que essas casa de seu Dirceu aí da Rua dos Peru são tudo minha e eu num faço nem questão de vender.

  (imagem Google)

terça-feira, 14 de maio de 2013

755 - A CARNE DO TROPEIRO





Até a década de sessenta do século passado, grande parte das mercadorias era transportadas no lombo de animais, em difíceis e cansativas jornadas pelo interior do Brasil. Francisco Tavares Borges, conhecido popularmente como Bogin, foi um desses tropeiros que percorreram as terras nordestinas, desbravando novas rotas.

Certa vez, no Estado do Maranhão, após várias semanas de difícil viagem, com os mantimentos rareando, Bogin encontrou na beira da estrada uma vaca caída, dando os últimos suspiros. Bogin parou sua tropa, sangrou a vaca e retirou vários pedaços de carne.

Retomada a viagem, o tropeiro seguiu pelo pouco habitado caminho até encontrar uma modesta casa, coberta de palha, com uma mulher à porta. Mesmo com pouca comida, sugeriu:

- Dona Maria, vou deixar esse saco de carne aqui com a sinhora?. Pode ir comeno da carne. Perpare uma paçoca pra nóis comer na volta e saigue o resto pra nóis levar. Nós vorta daqui uns dias…

Cerca de uma semana depois, pela manhã, Bogin voltou pela mesma estrada viscinal e parou na simples casa onde deixara a carne. A pobre senhora preparou um delicioso almoço para Borgin e seus peões. Após a farta refeição, o tropeiro preparava os animais para partir e enchia os embornais de paçoca e carne seca, quando a mulher agradeceu:

- O sinhô é hômi de bom coração. Aqui em casa nós nunca teve tanta fartura de carne…

O experiente tropeiro interrompeu, dizendo:

- Dona Maria, carece agradecê não. A sinhora e sua famia que foi boa cum nós. Provaram que a vaca morreu foi de tingui*, num foi picada de cobra não...


* Arbusto que pode matar o gado que o come sem que a carne do animal se torne tóxica.
Colaboração: Igor Borges
(imagem Google)
 

sábado, 11 de maio de 2013

754 - TROPEIRO





Por várias décadas do século passado, Francisco Tavares Borges, conhecido como Bogin, conduziu animais de carga pelas rudimentares estradas do Ceará, Piauí e Maranhão. 


O tropeiro também negociava burros, jumentos e cavalos. Certo dia, foi procurado em sua casa, no município cearense de Várzea Alegre, pelo exigente agricultor Doca Nunes, que desejava comprar um animal:


- Tem um burro pra mim vender? Pago à vista.


Negociante nato, o experiente Bogin indicou um velho animal que pastava em um quintal próximo. O comprador se interessou e perguntou:


- Esse burro tem defeito?


- Só na sua vista. - Respondeu Borgin.


Doca Nunes pagou o preço pedido e a compra se efetivou. Mas, dias depois, o agricultor voltou à casa do tropeiro e reclamou:


- Bogin, você mim vendeu um burro cego. Vim desmanchar o negócio...


- Eu avisei o defeito na vista dele.- Lembrou Bogin.


Doca Nunes coçou a cabeça e musmurou:


- Vixe, e num era na nossa vista, não? Pensei que era só porque o burro é fêi que dói…


Colaboração: Igor Borges
(Imagem Google)

quarta-feira, 8 de maio de 2013

753 - O TRABALHO DE "PÉ VÉI" (Pedra de Clarianã há dois anos)



        No Brasil e em vários outros países, o 1º de maio, dia do trabalho, é um feriado marcado por festas, manifestações e atos reivindicatórios. Mas, atualmente, com o enorme crescimento das empresas, o contato entre empregados e empregadores tornou-se muito mais raro. Patrão e trabalhador só se comunicam por email, ofício circular e outros frios instrumentos.

         Em Várzea Alegre, no Sítio Bonizário*, na segunda metade do século passado, uma relação de camaradagem entre patrão e empregado marcou época. Por vários anos, a saudável convivência entre José de Souza Lima(Pé Véi) e o produtor rural Francisco Fiúza de Lima (Fatico) deixou muitas e divertidas histórias.

         Na década de setenta, bem cedo da manhã, Fatico pediu que Pé Véi fosse ao mercado público, na sede do município, comprar um quilo de carne de gado. Só por volta do meio-dia, com Risalva, esposa do patrão, reclamando a chegada do tempero para o almoço, o empregado voltou ao sítio trazendo a carne pendurada em um fio de palha. Ao ver a compra, Fatico reclamou:

       - Pé Véi, eu pedi carne de gado e você trouxe de porco. Você num sabe que Risalva num come carne de porco?

        - Sei sim, seu Fatico. Mas eu como... – Respondeu tranquilamente o empregado rural.



* Bonizário – Aprazível sítio de Várzea Alegre que recebeu o nome em homenagem à capital da Argentina, Buenos Aires.

Colaboraçao: Carlos Leandro da Silva (Carlin de Dalva)

sábado, 4 de maio de 2013

752 - "BENÇA"





Certa manhã, na metade do século XX, o comerciante Zé Teixeira, estabelecido em Várzea Alegre, em viagem de negócio ao vizinho e progressista município do Crato, conheceu uma jovem e bela moça e passou a cortejá-la.


Em um banco de praça, a conversa com a bonita mulher fluía normalmente até que surgiu um varzealegrense e resolveu estragar o galanteio. Entregando o comprometimento conjugal de Zé Teixeira, o rapaz estendeu-lhe a mão e tomou-lhe a benção como se filho fosse:     


- Bença, pai...


Surpresa, a moça olhou  para o pretendente, e, com rispidez, cobrou:


- Valha, Zé. Você num me disse agorinha que era desimpidido?


O experiente comerciante, rápido e espirituoso nas respostas, indo à forra com o inconveniente conterrâneo, imediatamente justificou: 


- Sou sim, minha linda. Ele filho meu não. É que eu fui muito tempo amancebado com a mãe dele e ele se acostumou a me chamar de pai...



Colaboração: Oneide Teixeira

(Imagem Google)