domingo, 26 de fevereiro de 2017

963 - FUTEBOL NO CEDRO*


Na segunda metade do século passado o time de futebol de Várzea Alegre se preparava para viajar até o vizinho município do Cedro, onde, ainda no final da tarde daquele dia, as duas seleções protagonizariam um esperado embate. A rivalidade entre os dois pequenos municípios cearenses não se limitava ao esporte, tudo motivava discussão entre os moradores das duas cidades. Os cedrenses se gabavam por ter suas terras cortadas pela estrada de ferro, responsável por impulsionar seu desenvolvimento. Do outro lado, os varzealegrenses respondiam dizendo que pouco adiantava a linha do trem se no Cedro não havia água suficiente distribuída nas torneiras.


            Na proximidade de mais uma disputa, os atletas da Terra do Arroz subiam no velho caminhão que os transportaria ao campo de chão batido da vizinha cidade. Muitos assistiam à saída da equipe, outros buscavam subir no caminhão para acompanhar o jogo. Não havia espaço suficiente na carroceria para acomodar a equipe de futebol, a comissão técnica, os dirigentes e os inúmeros torcedores que desejavam ver o clássico regional.


            No meio daquela confusão, um conhecido e assumido homossexual de Várzea Alegre, com seus trejeitos afeminados, tentou subir no caminhão. A reação foi imediata. Vários jogadores e torcedores recusaram a presença do diferenciado torcedor. Um mais afoito empurrou o pobre rapaz e gritou:


            - Baitola não sobe nesse caminhão.


            O torcedor pederasta, aborrecido com a cruel recusa, humilhado com a ação preconceituosa ainda mais comum naquela época, olhou seriamente para os jogadores, comissão técnica e torcedores, e gritou:


            - Eu não vou nesse caminhão, mas aí em riba tem mais dois com o mesmo gosto que eu.


            Fez-se silêncio tumular entre os presentes. Ninguém, nem mesmo os mais esquentados jogadores esboçou qualquer reação. Nenhum outro torcedor quis acompanhar o grupo. Outros não desceram do caminhão temendo que a atitude levantasse suspeita sobre a sua orientação sexual.



Mesmo assim, o veículo deu partida e seguiu na antiga estrada em direção ao município do Cedro. No percurso de várias léguas não houve as conversas de costume, como os importantes debates sobre as estratégias para o confronto. Os passageiros se olhavam discretamente procurando pistas de quem seriam os dois outros com o mesmo gosto do torcedor excluído.


            No fim da tarde a equipe de futebol varzealegrense não repetiu os bons desempenhos dos enfretamentos anteriores. Os torcedores e os dirigentes que acompanharam o time não conseguiram elevar o ânimo dos atletas. Desde o primeiro minuto o escrete vizinho tomou conta da partida e venceu facilmente o clássico. 

  No término do jogo ninguém falou sobre a vexatória derrota, não houve qualquer menção aos motivos do fracasso daquela tarde. Afinal, cada um admitia a impossibilidade de se concentrar na partida.

       No caminho de volta, os pensamentos dos passageiros do velho caminhão continuaram empenhados em descobrir quem seriam os dois outros homossexuais que foram disputar ou assistir ao jogo de futebol no Cedro.

(imagem Google)
*postagem publicada originalmente em 23 de fevereiro de 2009

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

962 - PEDRA DE CLARIANÃ, A ORIGEM


Desde criança, lá pelas bandas do sertão cearense, escutei uma interessante história, narrada inicialmente por seu Alberto, empregado do meu avô materno.
Aquele humilde homem, de mãos calejadas pela dura vida de lavrador, nos intervalos de sua faina diária, falava sobre a existência de um reino distante, onde habitava uma linda princesa. Uma donzela, plena de virtudes e beleza, que ansiosa, de braços abertos, aguardava a chegada do seu príncipe, o próprio Alberto.
Além de possuir o coração da linda herdeira, seu Alberto também era proprietário de uma pedra de ouro. Não se tratava de uma pedrinha ou de uma pepita qualquer, era uma pedra imensa, gigantesca, a Pedra de Clarianã. Toneladas e toneladas de ouro maciço, pertencente a seu Alberto.
A fortuna em metal precioso transformava aquele pobre  agricultor no homem mais rico da terra. Tamanha propriedade também espantava qualquer dúvida sobre a existência do amor distante. Claro que havia uma linda princesa encastelada, esperando a chegada do príncipe Seu Alberto. 
  A rica imaginação do modesto homem habitou por muito tempo a fantasia de inúmeras crianças. Eu, mesmo não ouvindo a história contada diretamente por seu Alberto, também viajei na lúdica narrativa da enorme pedra de ouro e da bela princesa.


Outro dia, por acaso, descobri que realmente existe uma pedra enorme com nome parecido, cantada por poetas populares: A Pedra do Claranã, localizada no outro lado da chapada do Araripe, no sertão pernambucano, no município de Bodocó.
Não sei se a pedra de Bodocó tem toneladas de ouro ou se naquele sertão existe um reino com bela princesa. Porém, ninguém duvida que seu Alberto e as crianças que ouviram aquela história jamais perderam a esperança de encontrar a verdadeira Pedra de Clarianã.
Lúdicas histórias, com reinos, castelos, princesas e fortunas sugerem um final feliz. Nós todos ainda encontraremos a verdadeira pedra de Seu Alberto.

*Postagem número 1, publicada originalmente em 21 de fevereiro de 2009
(imagem Google)


961 - 8 ANOS D0 PEDRA DE CLARIANÃ


      

      Nesta semana, o Pedra de Clarianã completou 8 anos. Nos próximos dias comemoraremos o aniversário do blog renovando postagens de fevereiro e março de 2009, quando a brincadeira começou.

(imagem Google)