sábado, 30 de abril de 2011

377 - O DESENCONTRO



        A riqueza da língua portuguesa permite sua adaptação às novas tecnologias e também incorporar outras expressões populares. Assim surgem palavras e expressões, mas infelizmente outras desaparecem ou raramente voltamos a ouvi-las.


       Em Várzea Alegre, sertão cearense, por muitos anos Antônio Ulisses trabalhou como secretário e motorista particular do seu avô materno, o usineiro de algodão Dirceu de Carvalho Pimpim. Por sua atenção, compromisso e paciência o jovem neto logo adquiriu a confiança do Coronel Dirceu.


       O usineiro controlava com rigor os seus variados negócios na região caririense. Bastava um pequeno atraso no pagamento e cumpria a Antônio Ulisses a complicada missão de cobrar os devedores do Coronel. Na década de setenta, todo sábado, dia de feira, quando os moradores da zona rural faziam suas vendas e compras na sede do município, cabia ao secretário procurar os inadimplentes pela cidade .


        Antônio Ulisses saía pela cidade, entrava no mercado velho, passava pelos bares e bodegas, encontrava e conversava com os devedores mas não transmitia os antipáticos recados de cobrança. Entendia as dificuldades dos agricultores e sabia que logo que possível honrariam seus compromissos.


       Depois de várias horas, quando o secretário voltava ao escritório da Rua dos Perus, o avô, de pouco estudo e expressões próprias do seu tempo, para saber se o neto encontrara os devedores, logo indagava:


      - E aí, Antônio Ulisses, deu cuns hômi?


Colaboração: Liduina Maria de Carvalho Primo

(imagem Google)

sexta-feira, 29 de abril de 2011

376 - CASAMENTO REAL



        O mundo inteiro comenta a união do príncipe britânico Willian com a plebeia Kate Middleton. Com a pompa, luxo e tradição dos casamentos reais, o filho primogênito da inesquecível Lady Di optou por subir ao altar da abadia de Westminster, em Londres, com um galante uniforme militar.


         Em Várzea Alegre, na Rua dos Perus, no fim de uma manhã de sábado, na década de oitenta, Antônio Ulisses, Irapuan Costa, Chico Basil, Tércio Costa e outros amigos se divertiam tomando cerveja e contando boas histórias no bar de Maria Araripe. De repente, observaram estacionar em frente ao botequim uma velha camioneta trazendo na carroceria uma jovem vestida de noiva e várias outras pessoas. Logo em seguida, desceu do lotado veículo um jovem e suado rapaz, vestindo um surrado paletó preto e trazendo uma gravata na mão:


         - Por favor, Pade Mota vai fazer meu casamento já já e num amarrei ainda minha gravata. Alguém sabe o nó?


         Imediatamente, os engenheiros Tércio e Irapuan se levantaram e passaram a ajudar o nervoso rapaz. Enquanto um abotoava a modesta camisa branca o outro providenciava o nó na gravata. Finalizada a arrumação, o jovem noivo levou a mão ao pescoço e reclamou:


           - O nó ficou mei apertado.


         Com o noivo saindo para seguir em direção à igreja matriz de São Raimundo Nonato, o espirituoso ferreiro Chico Basil  bateu as mãos, deu sua conhecida risada e comentou:


        - Apertado nada, rapaz. Aperto grande você vai é de hoje em diante.



Colaboração: Irapuan Costa

(imagem Google)

terça-feira, 26 de abril de 2011

375 - DEVASSA NA BODEGA(Pedra de Clarianã há dois anos)

        
 
        Pode não ser verdade que nós cearenses temos o comércio no sangue, mas na minha família todo mundo sempre gostou da intermediação. Há várias gerações muitos se dedicam à atividade comercial.
 
        Meu querido pai, desde bem jovem, trabalha por trás do balcão, vendendo açúcar, sabão, querosene, rapadura e outras inúmeras mercadorias. O pequeno comércio – Casa São Raimundo - foi inaugurado em abril de 1946 por meu avô paterno Raimundo Cavalcante, conhecido por Raimundo Silvino.
 
        Se hoje os pequenos empresários sofrem com a complexidade das regras tributárias, quando meu avó se iniciou no comércio era ainda mais difícil compreender as normas do fisco.
 
         Essa dificuldade transformou as visitas dos fiscais da fazenda em momentos extremamente desagradáveis para os pequenos comerciantes. Tudo se agravava porque nunca possuíram condições de contratar os serviços especializados de um contador, o antigo guarda-livros.
 
        No final da década de 50, meu avô recebeu em sua bodega uma dessas antipáticas equipes de fiscalização. Ao ver os livros obrigatórios, os fiscais estranharam no registro de saída sempre um mesmo valor todos os dias durante o ano inteiro.
 
        O arrogante chefe da fiscalização, desejando amedrontar o pequeno comerciante, e, possivelmente, propor um imoral acerto, comunicou que tal fato geraria uma grande multa ao estabelecimento.
 
          Mas meu avô, destemido e inteligente, com seu jeito matuto e extrovertido, desarmou logo o fiscal com sua justificativa:
 
        - Ôxi seu Dotô, quando junto cem cruzeiro na gaveta, já fico sastifeito com o apurado, fecho a budega e vou pra casa.


(imagem Google)

segunda-feira, 25 de abril de 2011

374 - O SENTINELA APAIXONADO* (Pedra de Clarianã há dois anos)



         Cabe lembrar que se vivia um dos auges do militarismo no Brasil. Naquele período, o país era sucessivamente presidido por generais, de modo que pertencer a qualquer das forças armadas representava um enorme destaque na sociedade.

        Nessa época, depois de algum tempo na caserna, Antônio Ulisses foi escalado para tirar serviço como sentinela na residência oficial do Comandante-Geral da 10ª Região Militar, em Fortaleza.

       Sua tarefa, bem mais fácil que as desempenhadas no interior do quartel-general, era vigiar uma bela mansão localizada na Aldeota. Na enorme casa, viviam apenas o general, a esposa, e uma bela filha do graduado militar.

        Mesmo para os soldados que desempenhavam suas tarefas na residência era difícil ver mais detidamente a linda filha do Comandante, pois a moça passava o dia no interior da casa. Nas raras saídas, era acompanhada do seu pai, e, temendo possíveis punições, os soldados não se atreviam a olhar para aquela jovem.

        Certa tarde, quando Antônio Ulisses cumpria seu mister no portão de entrada da mansão, a moça, por várias vezes, apareceu na janela da casa e dirigiu o olhar em direção à guarita onde estava o Sd Costa Filho. Toda vez que a moça surgia, o coração de Antônio Ulisses batia forte, pois sentia que a jovem estava lhe paquerando.

         Os colegas de farda não iriam acreditar quando soubessem que ele em breve namoraria a cobiçada filha do Comandante. Por um instante, sonhou entrar naquela mansão de braços dados com a linda moça. Seu conseqüente casamento com a donzela, além de preencher seu coração, abriria as portas para uma promissora carreira militar. Logo deixaria a difícil vida de praça e alcançaria o cobiçado oficialato. Por várias horas aquela agradável fantasia habitou a mente do jovem militar, até porque a moça continuou a olhar em direção à frente da residência-oficial.

         No entanto, de repente, chamou a atenção o barulho de um avião que sobrevoava a cidade. Não demorou, em frente à residência, estacionou um táxi trazendo um jovem rapaz vestindo galante uniforme azul da Aeronáutica. Infelizmente, o elegante oficial que desembarcava era o namorado da filha do General. A moça, ansiosa, não aguardou a entrada da sua paixão. Veio correndo do interior da residência e, chamando-o de meu amor, se jogou nos braços do rapaz.

       A romântica cena aconteceu a poucos metros da guarita e diante dos olhos frustrados do nosso humilde soldado. O castelo de sonhos construído naquela tarde desabou completamente.


*extraído do livro "Conte Essa, Conte Aquela - Histórias de Antônio Ulisses

(imagem google)

sábado, 23 de abril de 2011

373 - O CONGA DA "NIKE"


       Caminhando pelas cidades brasileiras, olhando cartazes, placas ou vitrines, nem parece que vivemos em um país de língua portuguesa. Pra todos os lados observa-se considerável abuso na utilização de vocábulos estrangeiros. Mas em partes do Brasil algumas dessas palavras recebem uma pronúncia diferente, recheada de regionalismo e sotaque.

       Anos atrás, Francisco das Chagas, operário aposentado conhecido como Chico Nenen, residente há cerca de duas décadas no bairro Ferrazópolis, em São Bernardo do Campo, veio passear em sua terra natal, Várzea Alegre.

         O nordestino voltou ao sertão com guarda-roupa moderno, vestindo bermuda e calçando vistoso tênis. No centro da pequena cidade cearense, foi abordado por um amigo e conterrâneo que disse:

        - Chico, eita conga* bonito!

       Vaidoso, o operário aposentado, sem atentar para pronúncia inglesa da letra “i”, falou:

        - É um Nique que eu comprei do Paraguai.

       Um jovem rapaz, que escutava a conversa, conhecedor da famosa marca norte americana de calçados e roupas esportivas, corrigiu:

       - Chico, num é Nique não, é Naique.

       - É danado!! Quer dizer que meu nome agora é Chaico, num é mais Chico não? – Finalizou o autêntico cearense radicado na grande São Paulo.



* Conga, segundo o Wikipédia, é um tipo de calçado barato, com cadarços e sola de borracha, muito comum por ser adotado por escolas públicas como parte componente do uniforme.

Colaboração: Carlos Leandro da Silva (Carlin de Dalva)

(imagem Google)

sexta-feira, 22 de abril de 2011

372 - LUIZ VAZ DE CAMINHA



        Para a família Costa Cavalcante o dia 22 de abril não marca apenas o aniversário do descobrimento do Brasil pelos portugueses. Hoje, com alegria, minha família também comemora o nascimento dos meus pais Luiz e Terezinha. Por uma bela e significativa coincidência, os dois nasceram no mesmo dia, embora em anos diferentes.

        Na história do Brasil, a carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal registrou a chegada da comitiva lusitana às novas terras. E o início da estável e frutificante relação entre os meus queridos pais obedeceu formalidade semelhante à do descobrimento.

        Há cinquenta anos, na pequena Várzea Alegre, sertão cearense, o comerciante Luiz Cavalcante decidiu casar com sua namorada Terezinha Costa. Para pedir a mão da amada, providenciou uma bem escrita carta  para o sogro, o delegado Antônio Costa. Por segurança e timidez, temendo um contato pessoal, aproveitou uma viagem do delegado e mandou entregar a missiva.

       Ao conhecer a interessante história do amado casal, Flaviana, minha irmã caçula, que guarda com carinho a importante carta, indagou:

       - Papai, por que o senhor não foi pedir a mão de mamãe pessoalmente?

       - Ora minha filha, seu avô era um homem correto, mas conhecido como muito brabo. E foi bom que ficou tudo documentado.



(imagem Google)

quinta-feira, 21 de abril de 2011

371 - A CAIXA DA RODOVIÁRIA (Pedra de Clarianã há dois anos)



          Quando estudei em Fortaleza, aos cuidados da minha querida avó Maria Amélia, toda tarde de domingo eu ia à Rodoviária apanhar uma caixa com mantimentos enviada de Várzea Alegre por meu pai. Eu não era o único. No mesmo dia, vários adolescentes cumpriam meio a contragosto aquela tarefa, que findava se transformando em um agradável encontro de estudantes.

          Nas várias caixas de papelão, bem amarradas com barbantes, despachadas do sertão, havia um pouco de tudo. Não faltava feijão verde, paçoca de carne seca, queijo de coalho, carne de criação, tijolo de leite, bolacha maria e cream cracker, mariola, pasta kolynos, sabonete phebo. E, claro, algumas barras da apreciada e indispensável rapadura.

        Em um desses domingos, depois de muito procurar no bagageiro do ônibus, fui informado por seu Guimarães, conhecido motorista da empresa Vale do Jaguaribe, que meu pai não estivera naquela manhã no ponto de Zé de Ginu, onde costumeiramente despachava a caixa.

        Quando voltei para casa ainda sem entender o acontecido, minha avó admitiu que meu pai telefonara pela manhã avisando que não enviara a encomenda naquele domingo. Eu fiquei inconformado por não ser alertado, pois aproveitaria para assistir no castelão ao clássico rei – Ceará versus Fortaleza. Minha querida avó, com seu jeito original de controlar as coisas, certamente temendo que eu me viciasse no futebol do domingo e largasse a responsabilidade semanal da caixa, buscou em vão me convencer:

        - Flavin, foi bom você ter ido pra rodoviária mesmo. Vai que seu pai se enganou e mandou a caixa.


(imagem Google)

terça-feira, 19 de abril de 2011

370 - VIVA O REI



        Nesta terça-feira, o cantor Roberto Carlos completou 70 anos de idade. Em décadas de fama, o Rei sempre transmitiu aos seus fãs mensagens de amor, paz e solidariedade. Não bastasse a repercussão positiva de sua inesgotável produção musical, trata-se de um ídolo cujo exemplo de vida faz bem ao seu enorme público.

        Hoje, em uma das várias e merecidas homenagens,  em uma reportagem na TV, falando sobre a idade, o eterno Rei da Jovem Guarda disse:

          - Bicho, a velhice tá na cuca, na cuca de quem deixa ela entrar.

          A interessante opinião de Roberto Carlos sobre a maturidade me fez lembrar Teodora Gomes Fiúza, conhecida como dona Dozinha, professora aposentada de Várzea Alegre, que viveu com saúde e alegria por mais de cem anos.

         Certo dia, com o aumento das limitações físicas decorrentes de mais de um século de vida, a querida professora reclamou para o jovem neto:

         - Ah Jefiin. Ah eu com meus oitenta anos.



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segunda-feira, 18 de abril de 2011

369 - CORDEL DO CANDIDATO




        Na década de noventa, no sertão cearense, alguns meses após a eleição para a câmara municipal de Várzea Alegre, um cabo eleitoral encontrou Wilson Firmino, seu candidato a vereador, e protestou:

        -Ei, Wilson, você prometeu um emprego se ganhasse. Foi eleito, sumiu e num cumpriu a palavra. Trabaiei muito na sua campanha. Fiz mas num faço mais.

       Wilson, que, além de político e agricultor, também improvisa versos populares, sem perder a esportiva, imediatamente respondeu:

        - Hômi, num tem emprego pra dar não. Mas com esse mote* vou tirá uns veussos pra você agoria:

        “Gritei em comício demais

        Em cima de camião

        Muitas vez eu dei a mão

        A quem num me deu cartaz

        Misturei goma e gás

        Saí pregano retrato

        Adulano candidato

        Fiz mas num faço mais”


*Segundo o dicioário InFormal, na literatura de cordel, o mote indica uma frase metrificada ideal para o repentista (improvisador) fazer dela poesia

Colaboração: Antônio Alves da Costa Neto

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sábado, 16 de abril de 2011

368 - A PROPAGANDA É A ALMA DO NEGÓCIO





          Inaugurada por Raimundo Silvino, a Casa São Raimundo, comércio de secos e molhados, funciona no centro de Várzea Alegre desde 1946. Com a ajuda de seus familiares e funcionários, Luiz Cavalcante(Luiz Silvino) sucedeu o pai e mantém há várias décadas o sucesso do estabelecimento.

         Mais conhecida como a “budega de Luiz Silvino”,  o negócio não aderiu aos novos conceitos de marketing mesmo com a crescente concorrência. Para manter os inúmeros clientes e conquistar outros,  se serve apenas da tradicional propagação boca a boca na difusão dos conceitos de honestidade e bom preço. Não há qualquer outro tipo de propaganda, nem mesmo em rádio, carros de sons, faixas ou murais.

         Além dos calendários de fim de ano, o único gasto com publicidade é o patrocínio a um seresteiro da família, Francisco Cavalcante da Silva, de apelido Lorin.

        Sempre que o artista vai à bodega buscar a pequena contribuição, o velho e incansável proprietário da mercearia diz:

        - Lorin, se você anunciar o nome da budega perde o patrocínio.



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quinta-feira, 14 de abril de 2011

367 - A IDADE DOS MOICANOS




          Hoje escutei uma querida colega de trabalho reclamar que o filho adolescente, imitando o irreverente jogador santista Neymar, cortou o cabelo no estilo moicano. A saudável ousadia, comum aos jovens, me lembrou o ocorrido por volta de 1985, lá pelas bandas de Várzea Alegre.

          Certa noite, em véspera de carnaval, eu, Iran Junior, Bega, Nenê, Sergin, Paulo Roberto, Geraldo Filho, Júlio e outros amigos antecipamos a folia momina no tradicional Bar de Toinha Bo'água, localizado no Calçadão Antônio Alves Costa.

          Meu irmão mais velho, Luiz Fernando, por ali passou, observou o movimento, e saiu em desabalada carreira para casa. Na porta da residência encontrou nossa mãe Terezinha e falou:

          - Mamãe, a senhora num sabe o que Flavin fez. Ele furou...

          Assustada, a professora interrompeu:

          - Ai meu Deus. O que ele fez, meu filho?

       Inconformado com a atitude do irmão, pouco comum no conservador sertão cearense, Fernando completou:

         - Mamãe, ele furou. Ele furou a orelha.

        Minha querida mãe, se recuperando do susto inicial, pôs a mão no peito e, conformada, disse:

        - Ainda bem, meu filho. Já tava pensando noutra coisa...


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terça-feira, 12 de abril de 2011

366 - FERNANDO SEM "FREI" e JÚLIO BALA



         Na década de oitenta, dois jovens varzealegrenses viveram semelhantes problemas com o álcool. Envolvidos em intensas bebedeiras e incontáveis confusões, um recebeu o apelido de Júlio Bala porque tentou consertar com disparo de revólver um erro ortográfico em uma faixa publicitária. O outro, de Fernando Sem Frei, para diferenciar de um religioso conhecido na região por Frei Fernando. O desvastador efeito da bebida alcoólica transformava e perturbava o juízo dos dois rapazes de Várzea Alegre.

         Felizmente, com o apoio e paciência de suas famílias, Luiz Fernando e Júlio Bastos conseguiram se livrar do danoso vício. Hoje, para orgulho de todos, longe do álcool, tocam suas vidas com harmonia, honestidade e disciplina.

         Mas certo dia, bebendo desde cedo, peregrinando pelos botecos da cidade cearense, Júlio faltara mais uma vez ao seu trabalho. Somente na madrugada o agricultor Geraldo Leandro conseguiu encontrar o descendente, sem camisa e descalço, na Fina Flor, conhecido bar localizado no interior do Mercado Velho. Geraldo insistiu para que o filho fosse para casa. Como não foi atendido, o preocupado pai pediu ajuda a Luiz Fernando, que bebia atrás do balcão junto com Pingo, proprietário do Bar. Fernando então ordenou:

          - Júlio, acompanhe seu pai.

         - Vou nada. Vá se lascar – disse o bancário.

        Com a impertinente resposta, Fernando imediatamente pulou sobre o balcão, aplicou um violento golpe de gravata no pequeno Júlio, e o arrastou até sua residência.

         No fim da manhã, depois de poucas horas de sono, Júlio curtia em casa uma enorme ressaca física e moral quando seu pai chegou para almoçar. O agricultor se aproximou do querido filho e mais uma vez suplicou:

        - Julin, num faça mais isso não. Você quase num volta pra casa, meu fii.

        O bancário, tocando o dolorido pescoço, olhou para o  agricultor e disse:

        - certo, pai. Mas da próxima vez num peça ajuda a Fernando não. Chame a polícia que os soldados são muito mais delicados.



Colaboração: Júlio Bastos

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segunda-feira, 11 de abril de 2011

365 - A MÍMICA DA PROFESSORA (Pedra de Clarianã há dois anos)





          Visitando o meu Ceará mato a saudade de lindas paisagens. Nesta época de chuvas, numa incrível mudança, o verde toma conta de boa parte do cenário. Bem diferente dos meses de setembro a dezembro, chamados borrobros, quando a cor cinza monopoliza as imagens do sertão.

         Observando a bucólica paisagem e sua incrível mudança de cores, lembrei das aulas na sexagenária Escola de Primeiro Grau José Correia Lima, quando minha mãe Terezinha tornou-se também minha professora. Era o ano de 1977 e eu cursava a terceira série do falecido primeiro grau, hoje ensino fundamental.

         Toda a turma estava reunida resolvendo uma prova escrita de geografia. Em cópias reproduzidas no velho mimeógrafo, com uso de estêncil e em papel com cheiro de álcool, os ansiosos alunos buscavam responder várias perguntas, entre as quais a seguinte: Qual a vegetação típica do semi-árido nordestino ?

         No meio da turma, meu querido colega Francisco Eduardo Bitu de Freitas, sempre muito traquino e esperto, passou a insistir com a professora:

         - Tia Terezinha, por favor, dê só uma dica dessa questão.

        Depois de muita insistência de Eduardo, a professora, diante de toda turma, fez apenas um gesto, com uma das mãos abanando na frente do nariz.

         O persistente e astuto aluno Eduardo preencheu e devolveu sua prova com a resposta esperada: CAATINGA. Porém, no exame escrito de outro estudante, a professora encontrou uma surpreendente resposta: BUFA.

         Minha mãe guarda a sete chaves o nome do estudante, pois, mesmo com nossa imensa curiosidade, até hoje não revelou quem foi o autor da original resposta da prova de geografia.

 
(imagem Google)

sábado, 9 de abril de 2011

364 - CHUVA DE LEITE



          O varzealegrense Inácio Gonçalves da Costa, Inacin, morador do sertão nordestino, adorava chuva e possuía um pluviômetro em sua casa. Tamanha era sua fixação com o período chuvoso, que, na sua loja, no centro da pequena cidade cearense, além dos registros pluviométricos, expunha na parede um cacho de arroz de cada safra.

          Em certo ano da década de 70, já no mês de março, o inverno não ia muito bem. Todos ansiavam por uma boa chuva para molhar as terras secas do município, especialmente as das várzeas do Riacho do Machado, onde havia grandes plantações de arroz.

         Certa manhã, após uma noite de chuva, quando Inacin chegou para abrir sua loja, vários amigos já o esperavam na calçada do estabelecimento para conferir a quantidade de água que molhara o município. Inacin, abrindo a porta do comércio, com satisfação latente, disse:

         - A chuva foi muito boa. quarenta e cinco milímetro.

        Um agricultor e pecuarista, vendedor de leite, pessimista quanto ao período invernoso, comentou:

       - Inacin, eu nun acredito. Você butou água nesse seu pluviômetro.

       O baixinho comerciante, em mais uma de suas espirituosas respostas, mencionando o boato corrente de que o pecuarista misturava água ao leite de sua propriedade, imediatamente retrucou:

      - Eu boto mas num vendo.



Colaboração: Geórgia Maria Batista Sátiro

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363 - 147 DA SORTE (Pedra de Clarianã há dois anos)


         O modelo 147, produzido em Betim a partir de 1976, marcou a chegada da Fiat no Brasil. O controvertido veículo da montadora italiana, embora cheio de inovações para a época, construiu uma fama pouco recomendável. É raro encontrar alguém com saudade do seu Fiat 147.

         Era um final de tarde de sexta-feira, na movimentada Avenida Caxangá, em Recife, quando o engenheiro Irapuan Costa parou seu 147 em um semáforo. Puan, como conhecido, aguardava o sinal verde, momento em que foi surpreendido por um forte barulho de freio. Um Mercedes de luxo, após deslizar no asfalto, tocou levemente no pára-choque traseiro do seu Fiat. Pelo retrovisor, viu descer do carro uma mulher de meia idade, bem vestida, que, bastante nervosa, foi logo dizendo:

         - Querido, mil desculpas, eu vinha dirigindo preocupada com os meus negócios e mal percebi o sinal fechado, visse. Mas o senhor não sofrerá nenhum prejuízo, visse.

           A motorista abriu sua bolsa, retirou várias notas, e, sem sequer conferir, entregou a Irapuan. Ainda meio atordoado com a inesperada reação da madame, Irapuan guardou o dinheiro no bolso e foi ver as avarias em seu carro. O choque causara apenas um pequeno arranhão no pára-choque, que não resistiria a um simples polimento.

        O dinheiro chegou na hora certa. Não para conserto do velho carro, mas para remediar a liseira daquele final de mês. Puan comprou um jogo de pneus para o Fiat, quitou umas dívidas pendentes e ainda sobrou uma boa quantia para as cervejas do final de semana.

         Meu tio Antônio Ulisses contava que depois daquele dia, toda sexta-feira, Puan parava seu Fiat 147 no mesmo sinal da Avenida Caxangá e esperava ansiosamente uma milagrosa batidinha do Mercedes.


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quarta-feira, 6 de abril de 2011

362 - MEDIDOR DE CHUVAS


          Em Calçoene, no extremo norte do Brasil, ocorre um dos maiores índices de pluviosidade do mundo. Naquele município do Amapá a média anual de chuva é de 4.165 mm, mas em alguns anos, como em 2000, já foram registrados quase 7.000 mm. Mesmo com tanta água vinda do céu, lá pouca gente conhece ou ouviu falar no pluviômetro, instrumento para medir a quantidade de chuva.

        Já em Várzea Alegre, que sofre com frequentes estiagens, o uso do pluviômetro é conhecido de todos. Por várias décadas, coube ao comerciante Inácio Gonçalves da Costa, proprietário de um desses medidores, registrar e divulgar a quantidade de chuvas caída no município da caatinga cearense. Cedo da manhã, vários comerciantes aguardavam ansiosos a chegada de Inacin ao Café de Socorro Belizário para perguntar os milímetros de chuva caídos na noite anterior.

        Certa ocasião, na segunda metade do século passado, a cidade de Várzea Alegre foi surpreendida por um temporal. Choveu bastante durante toda a madrugada. No dia seguinte, bem cedo, no Café de Socorro, os assíduos Vandir Viana, Toin Costa, Zé de Zacarias, Raimundo Leandro, Cícero da Sapataria e João Francisco combinaram pregar uma peça em Inacin, nada perguntando acerca da forte chuva caída na noite anterior.

        O baixinho e simpático comerciante chegou ao estabelecimento de Socorro, cumprimentou todos, acendeu um cigarro e nada dos amigos indagarem acerca da chuva. Incomodado com o entranho silêncio do presentes, Inacin tomou um café, deu um forte trago no cigarro, levantou-se e saiu resmungando:

        - Tão tudo com o rabin chei, ?



Colaboração: Georgia Maria Batista Sátiro

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terça-feira, 5 de abril de 2011

361 - "AMARRE O BOI NO PÉ DA CAJARANA"


         Exímios dançadores de forró animaram o pequeno salão do Recreio Social, concorrido espaço para eventos que funcionou por muitos anos atrás da Prefeitura Municipal de Várzea Alegre. O lugar não mais sedia festas, mas marcou a vida e permanece no imaginário de várias gerações de varzealegrenses.

         Entre os frequentadores mais assíduos do Recreio se destacou o político, agricultor e poeta popular Wilson Firmino. Com suas parceiras, o disposto dançarino suava várias camisas girando por horas ao som de afinadas sanfonas de músicos como Chico de Amadeu e Pedro de Souza.

        Na década de oitenta, depois de um movimentado forró, Wilson, com sua forma especial de falar, usando linguagem e expressões típicas da vaquejada, comentou com os amigos:

        - Primo, onti no Recrei corri com uma pequena que pisava bem. Toda bem feita de coipo. Uma cintura tão fina que a calça ustop* dela tem uma foiga de dois dedo no cóis.


*marca de calça jeans muito usada na década de setenta.

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domingo, 3 de abril de 2011

360 - É MELHOR FALAR A VERDADE







           Pedro Gualberto, simpático agricultor do sítio Fortuna, também possuía casa na Rua dos Perus, animado e divertido trecho da pacata cidade de Várzea Alegre.

           No final da década de sessenta, aos finais de semana, no começo da noite, o agricultor sempre tomava um banho demorado, vestia a melhor roupa e se perfumava. Na saída de casa, a esposa perguntava:

          - Pêdo, pradonde tu vai todo cheiroso e arrumado?

           Em vez de despistar a mulher e inventar outro destino, o agricultor usava uma tática pouco comum. Com ar sério, sem pestanejar, falava a verdade, afirmando que ia para a zona de prostituição da cidade cearense:

          - Muié, eu vou pro Engein Véi*.

         Com a taxativa resposta do marido, a descrente esposa, sorrindo, dizia:

         - Deixa de mintira, Pêdo. Pensa que sou besta? Se tu fosse pro cabaré num ia me dizer que ia pra lá...



* área da cidade onde por muitos anos se estabeleceram as casas de tolerância.

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sábado, 2 de abril de 2011

359 - MIOPIA ELEITORAL





           Mesmo claramente proibida, a doação de objetos e dinheiro pelos candidatos durante as campanhas ainda contamina bastante o processo eleitoral brasileiro.

           Na segunda metade do século passado, um candidato a vereador da cidade de Várzea Alegre decidiu distribuir óculos de grau para os seus eleitores. Sem o necessário exame oftalmológico, o eleitor escolhia seus óculos em meio a vários guardados dentro de uma caixa.

          Certo sábado, na pacata cidade cearense, na casa do candidato, depois de testar alguns de graus diferentes, um modesto cidadão encontrou os óculos que lhe serviam. Porém, ao final da conversa, firmado o compromisso do voto, por engano o aspirante à vereança entregou outro.

         Logo depois, já usando o novo pincenez*, o satisfeito eleitor seguiu direto para a feira. Ao passar em uma pequena bodega se abaixou, meteu a mão em um saco de gergelim, olhou para as sementes e perguntou ao proprietário do comércio:

          - Me diga a cuma é o quilo dessa fava?



* palavra francesa que significa óculos sem haste em que uma mola prende ao nariz, mas usada no Ceará como sinônimo para todos os tipos óculos.

Colaboração: Antônio Alves da Costa Neto

(imagem Google)