terça-feira, 29 de outubro de 2013

807 - AUMENTANDO A AUDIÊNCIA (Pedra de Clarianã ha dois anos)




Em 1978, semanas antes da ansiada e comentada inauguração da Rádio Cultura de Várzea Alegre, os comerciantes Leônidas Siebra Leite(Alberto) e José Alves de Lima ( Ze de Ginu) inventaram que o rico proprietário da nova emissora, empresário Raimundo Ferreira, distribuiria gratuitamente aparelhos de rádio para a população mais pobre da cidade.

Para receber os rádios, os interessados deveriam se inscrever  antecipadamente no bar de Alberto ou  na farmácia de Zé de Ginu. O boato se espalhou rapidamente pela pequena cidade cearense e logo se formaram filas nos locais de inscrição. Todos desejavam receber o valioso brinde, inclusive pequenos moradores do centro comercial, como Aluizio Meneses, Rogéria Carvalho e Fabiana Costa, que obtiveram de Alberto a promessa de  inscrevê-los no concorrido caderno.

Na corrida por uma vaga entre os agraciados, Dona Zulmira Siebra atravessou a rua e foi até o bar, pedindo a seu filho Alberto que anotasse no caderno e priorizasse o nome da amiga  Vicença Gibão, pessoa carente e com necessidade do rádio. Alberto entao recomendou:

- Mamãe, vá em  Zé de Ginu pro povo num falar que eu tou de proteção com a senhora.

A velha senhora entao se dirigiu até a farmácia e conversou em particular com Zé de Ginu, que disse:

- Dona Zulmira, eu sabia que seu fii  era rim mas não a ponto de engabelar a própria mãe.


Colaboração: Leônidas Siebra Leite (Alberto)

(imagem Google)

domingo, 27 de outubro de 2013

806 - BAR DE ALBERTO




Com o tempo, alguns estabelecimentos se confundem com a imagem do dono.  Em Várzea Alegre, sertão cearense, ao convidar alguém para  beber na tradicional Casa Zé Augusto, falávamos:

- Bora tomá uma em Alberto...

Alberto era o bar. O bar era Alberto. Ele fazia o lugar acontecer com seu jeito irreverente, suas histórias engraçadas e seu incomparável carisma. Durante décadas, o estabelecimento, que abria e fechava ao som da oração de São Francisco de Assis, na bela voz de Fagner, foi frequentado por várias gerações.

Alberto lidava de uma maneira criativa e excêntrica com as situações mais simples e comuns. Certa noite, tomávamos cerveja no bar quando precisei ir ao banheiro. Como sabia que o mictório era mantido fechado para evitar abusos, passei pelo balcão e pedi a chave. O dono do bar mandou o garçom me entregar cerca de um metro de um tubo em pvc com uma pequena chave amarrada em uma das extremidades. Supresso, perguntei:

- Alberto, diabéisso?

O experiente comerciante, sentado em sua cadeira, antes de dar um largo sorriso, explicou:

- Depois que mandei fazer esse chaveiro num perderam mais a chave do banheiro...

Há alguns dias, Alberto nos largou sem bar. O bar ficou sem Alberto. Ele foi contar suas divertidas histórias em outro plano. Mas nos deixou para sempre embriagados com suas inesquecíveis doses de simpatia e bom humor.

(imagem Google)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

805 - CALANGO TAMAQUARÉ




Certa manhã, na sala de espera de um consultório médico, duas jovens mulheres se queixavam do ciúme exagerado dos maridos, que policiavam as suas vidas e as impediam de realizar várias atividades fora de casa. Uma senhora mais velha, que também aguardava atendimento e ouviu a conversa, se intrometeu:

- Os marido de vocês dorme de cama ou de rede?

As duas jovens, mesmo sem entender o motivo da pergunta, responderam:

- As vezes de cama, outras vezes de rede – disse a mais jovem.

- O meu dorme tanto de cama como de rede – falou a outra.

A velha senhora completou:

- Quando eu me juntei, meu marido era que nem o de vocês. Eu num podia nem saí de casa que ele morria de ciúme. Mas é facin de resolvê. Não hora que o homi de vocês dormi, pegue um calango tamaquaré e bata três vezes com o rabo do bicho no punho da rede...

- E o que acontece? – indagou uma das mulheres, bastante interessada na simpatia.

Várias outras mulheres presentes ao consultório também se aproximaram, todas interessadas na simpatia. A velha senhora então completou:

- O homi amansa, fica que nem o calango tamaquaré. Vira a cabeça pum lado e num quer nem saber o que acontece do outo lado...


(imagem Google)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

804 - O CATABI E O MUCUMBU



Em um fim de tarde de domingo da década de 1970, na carroceria de um caminhão, o corretor de algodão Antônio Ulisses, o comerciante Alberto Siebra e várias outras pessoas voltavam de um divertido passeio à barragem do Riacho do Machado, situada no sítio Cachoeira Dantas, em Várzea Alegre.

Naquela época, a maior parte da rodovia de acesso ao movimentado balneário não possuía pavimentação asfáltica e o veículo lotado seguia de um lado para outro da estrada desviando dos buracos.

Em determinado momento do trajeto, o velho caminhão passou por uma ondulação da via, provocando um enorme solavanco e sacudindo os passageiros. Após se recuperar do susto,  Antônio Ulisses comentou:

-Eita catabi* grande!

Alberto se arrumou no assoalho da carroceria,  sentando-se apenas com um lado da bunda, e afirmou:

- Deixou o mucumbu** doeno...

Conhecendo a espirituosidade e a irreverência do amigo, Antônio Ulisses perguntou:

- Alberto, e onde é o mucumbu?

O simpático comerciante, buscando sentar-se em uma posição mais confortável, disse:

- E tu num sabe Antônio Ulisses? Pois é o osso do cu de empurrar bosta...

(imagem Google)

*segundo o dicionário informal, catabi é o nome popular do quebra molas.
** mucumbu, conforme o mesmo dicionário, é um termo regional do Estado do Ceará que identifica o osso terminal da coluna vertebral, o cóccix. 

domingo, 13 de outubro de 2013

803 - TELEFONE GRAMPEADO (Pedra de Clarianã há dois anos)




Atualmente no Brasil há muito mais celulares que habitantes. A telefonia móvel invadiu o país, permitindo a comunicação rápida  entre pessoas de diferentes e distantes regiões. 

Mas nem sempre houve tanta facilidade. Quando na década de oitenta morei em Fortaleza, minha querida avó Maria Amélia mantinha o seu movimentado apartamento com os parcos proventos de professora aposentada. Com muita economia, equilibrava o orçamento doméstico e ainda guardava uma reserva.

Entre as várias despesas controladas se destacava o gasto com o telefone. Para limitar as ligações, o antigo aparelho permanecia bloqueado com um cadeado afixado no disco. A chave permanecia no bolso do vestido da simpática e esperta velhinha até quando ela dormia.

Certo dia, saí cedo da manhã para o colégio e de lá segui para o campo de futebol. Me entreti com os amigos e perdi a hora. Só voltei para a casa já proximo ao final da tarde. Ao chegar, fui recebido à porta com a reclamação da minha avó:

Flavin, eu fiquei muito preocupada, onde você tava esse tempo todo? Eu já ia fazer uma carta contanto tudo pro seu pai...

Mesmo conhecendo o rígido controle do telefone de minha querida avó, me surpreendi:

- Vovó, nem para avisar que eu tava sumido a senhora ia gastar um interurbano pra Várzea Alegre....


(imagem Google)

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

802 - A LIÇÃO DE COQUIN






Nos dias de hoje, mesmo com o avanço nas lutas contra o preconceito e com o reconhecimento de direitos, se assumir como homossexual continua sendo um processo difícil para muitas pessoas.

Na década de 1970, em Várzea Alegre, sertão cearense, eram poucos os homossexuais declarados. Um deles, de apelido Coquin, não sofria discriminação apenas por sua orientação sexual. Além disso, padecia por ser velho, negro, pobre e alcoólatra.

Certa tarde, eu e um grupo de amigos jogávamos bola na pequena praça onde é hoje o Calçadão Antônio Alves Costa, quando ali passou o cambaleante homossexual. Eu e os demais colegas nos aproximamos do velho homem e passamos a pertubá-lo, dizendo:

- Coquin baitola, Coquin viado, Coquin fresco...

 Acossado pelos meninos, Coquin se desequilibrou e caiu na sarjeta da calçada do Bar de Alberto. Quando nos aproximamos ainda mais para continuar os insultos, o velho homem se levantou com dificuldades, limpou  o rosto com a mão e advertiu:

- Vocês faz pouco de Coquin, mexe com Coquin, judeia com Coquin... Só que qualqué um pode ter um fii, um neto, um irmão, um sobrin, com o mermo gosto de Coquin...

(imagem Google)