quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

105 - VACAS DE DIVINAS TETAS






          Há lugares, animais e pessoas que, mesmo não fazendo jus aos nomes, possuem inúmeras outras qualidades. Na cidade de Várzea Alegre, conhecida e cantada como Terra do Contrastes, não poderia ser diferente.

         Em meados do século passado, Raimundo Pretin vendia carne no Sanharol, agradável e acolhedor sítio localizado próximo a sede do Município. Além do trabalho de marchante, cuidava diretamente do seu rebanho bovino, inclusive ordenhando algumas vacas.
 
        Cedo da manhã, Raimundo sofria em seu curral tentando acalmar uma das vacas. Embora muito boa de leite, Delicada era arisca, não aceitava ser peada e amarrada ao bezerro. Todo dia, na hora de tirar o leite, era o mesmo sofrimento:

        - ÊÊÊ Delicada, ÔO vacaaaaaa. Delicada...ÊÊÊ....

        Mas não adiantava o aboio de vaqueiro e o esforço de Raimundo. Delicada, enfurecida, empurrava e virava o balde do leite, soltava a peia, dava coices e chifradas.

        Certa manhã, vindo do sítio Chico pra comprar carne, Joaquim Vieira encostou-se à porteira do curral e comentou:

       - Você ainda chama essa vaca de Delicada, homi.

        Raimundo, enfezado e cansado com a difícil lida com o gado leiteiro, respondeu:

       - Ela é que nem Linda, tua muié.


Colaboração: Zé de Bastião da Boa Vista
(imagem Google)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

104 - PRATO CAMUFLADO






       Gostamos ou sentimos cada parente, cada amigo, cada pessoa de maneira especial, porém distinta. Não há como comparar os sentimentos, afinal há amor suficiente para distribuir entre todos. Assim, nada mais constrangedor para uma criança do que responder às tradicionais perguntas: “nenê gosta mais do papai ou da mamãe? Quer mais bem a vovó sicrana ou a vó fulana ?

        Mesmo amando todos, na casa de cada um de seus filhos ou filhas minha avó materna Maria Amélia tinha preferência por alguns netos. Que me perdoe minha irmã Flaviana, mas lá de casa eu e Fernando gozávamos de certo prestígio com nossa querida avó.

       Meu irmão merecia os créditos adicionais que recebia. Afinal, era muito paciente e dedicado. Trocava as resistências do ferro de engomar e lia as intermináveis bulas de remédio da nossa velhinha.

       Nascidos no interior cearense, eu e inúmeros primos moramos vários anos com nossa avó na capital alencariana. Eu percebi claramente a preferência no horário das refeições. Vovó se mantinha modestamente com os proventos de professora. Na sua acolhedora casa não havia tempero suficiente para atender o voraz e interminável apetite dos vários netos que ali estudavam.

        Mas até pra demonstrar suas preferências minha vozinha era inteligente e criativa. Para não provocar ciúmes, aparentemente meu cardápio era igual ao demais. Contudo, sutilmente, vovó escondia um segundo bife em meu prato, encoberto pelas fartas porções de arroz e feijão servidas no almoço.


(imagem Google)

domingo, 20 de dezembro de 2009

103 - ÁGUA MINERAL



        Se comunicar sempre foi uma necessidade entre os seres humanos. Nos tempos remotos, para se entender, os homens usaram gestos, sinais, códigos, que só depois de um longo período se organizaram em uma linguagem. Mas aquilo que surgia como fator de integração entre os povos nem sempre cumpriu completamente esse papel. Os indivíduos traduzem as informações recebidas de acordo com fatores sociais, culturais, religiosos e muitos outros.

       Certo dia, um novo garçom foi apresentado para gentilmente servir água, café e outros lanches em todas as inúmeras salas do nosso trabalho. Com atenção, cuidou em verificar as particularidades de cada um dos diferentes doutores que trabalhavam naquele importante órgão público. Uns preferiam café preto, outros com leite. Uns com açúcar, outros com adoçante. Uma bela e jovem doutora, cuidadosa com os seus dentes e estômago, atenta às orientações dos especialistas, logo alertou:

        - Eu gosto da minha água natural, tá? Sempre natural.

        A partir daquele dia, o dedicado garçom não deixou faltar a água solicitada. Antes mesmo de ser chamado já aparecia na sala trazendo em sua equilibrada bandeja o precioso líquido. Porém, passados alguns meses, no meio de uma manhã, recebeu uma ligação para ir imediatamente ao gabinete. Ao chegar, foi logo cobrado pela chefa:

        - Por que ainda não trouxe minha água? Você não sabe que eu costumo beber bastante água pela manhã?

        - Perdão, doutora, mas desde cedo tá faltando água. Tão trocando uns canos da rua. Mas desculpa eu perguntar. Por que a senhora prefere água da torneira?


(imagem Google)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

102 - PROFUNDA INSPIRAÇÃO



        As belas paisagens da natureza sempre inspiraram os poetas. Mirar a infinidade do mar, passear por um florido jardim ou correr por campos verdejantes permitiram aos artistas a criação de impressionantes obras poéticas.

         Mas recentemente me surpreendi com versos de um autor desconhecido registrados em um espaço inusitado. Após almoçar em um badalado restaurante da orla de Fortaleza fui ao bem cuidado banheiro do lugar. Logo ao trancar a porta da higiênica cabine e sentar no “trono”, me deparei com uma original poesia escrita na parede. Em que pese a natureza predatória e reprovável das pichações em lugares públicos, aqueles criativos versos permaneceram em minha memória e provocaram uma reflexão sobre o dedicado momento:


              Neste lugar solitário

              Onde a vaidade se acaba

              Todo covarde faz força

              Todo valente se caga

(imagem Google)