sexta-feira, 30 de setembro de 2016

946 - ÚLTIMA MERENDA (blog há 7 anos)


         Francisco Basil de Oliveira, ferreiro aposentado, ganhou fama em Várzea Alegre pela maneira cômica de contar histórias simples do cotidiano cearense. Nada escapava da suas narrativas, nem mesmo momentos críticos e delicados da existência humana. Sobre a certeza da morte, o espirituoso e realista Chico Basil costumava dizer:

         - O rim de morrer é não poder espantar as moscas.

        Entre suas várias histórias sobre a viuvez, o ferreiro contava como verdadeira uma acontecida há vários anos no Riacho Verde, progressista distrito varzealegrense.

        Certa tarde, uma velha senhora cuidava de seu moribundo esposo que sofria em uma rede. O pobre enfermo, respirando com dificuldade, disse:

        - Muié, pelo cheiro tu tá fazeno bolo de caco, ? Me dê um pedacin.

        Enxugando a testa do febril esposo, ela argumentou:

       - Mas Zé, que é que eu vou servir na boca da noite, quando o povo começar a chegá pa teu velório?


*colaboração: Antônio Alves da Costa Neto
(imagem Google)

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

945 - LAGOSTA (Blog há 7 anos)


     Depois de estudar alguns anos no Colégio Agrícola de Lavras da Mangabeira, o varzealegrense Paulo Danúbio se mudou para Fortaleza no início da década de setenta. No Liceu do Ceará, foi cursar o primeiro ano do ginasial – hoje sexta série do ensino fundamental.

     O aluno, que mais tarde se formou em biologia pela Universidade Estadual do Ceará e se tornou um bem conceituado professor, adorava as aulas de ciências. Já nos primeiros dias, logo que chegou ao tradicional colégio da Capital Alencarina, buscou participar ativamente das aulas. Certo dia, a professora de ciências, falando sobre os aspectos alimentares e nutricionais dos crustáceos, fez uma pergunta aos alunos:

     - Quem aqui da sala já comeu lagosta?

     Para a surpresa da educadora, o aluno Paulo Danúbio foi o único a levantar o braço.

     - Mas, Paulo. Você acabou de chegar do interior, não sabia que os crustáceos faziam parte da culinária de Várzea Alegre.

     - Desculpa, professora, eu não entendi direito. Lagosta era uma jumentinha que vivia lá pelos tabuleiros, perto do colégio agrícola das Lavras.




(imagem Google)

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

944 - LANTERNINHA (Blog há 7 anos)


     O sinal de televisão com qualidade, sem chuvisco e chiado, demorou a chegar ao sertão cearense. Somente no final da década de setenta, com o surgimento das antenas parabólicas e outros meios modernos de retransmissão, foi que passamos a acompanhar com regularidade os programas televisivos.

      Em férias escolares, quando eu viajava para Fortaleza me contentava em ficar o dia inteiro diante do aparelho de televisão vendo desenhos animados. Nada desviava minha atenção da Pantera Cor de Rosa, do Tom e do Jerry ou do Marinheiro Popeye. E se a televisão em preto e branco de minha avó Maria Amélia já me encantava, imagine ver uma comédia infantil na tela gigante de um moderno e confortável cinema. Pois, em uma dessas viagens, no ano de 1977, meu tio Paulo Danúbio me levou junto com meu primo Sergio Ricardo para assistirmos no famoso cine São Luiz ao filme campeão de bilheteria daquele ano: O Trapalhão Nas Minas do Rei Salomão.

     Encantados com a beleza do cinema, eu e Serginho nos divertíamos com as graças e estripulias dos personagens de Renato Aragão, Dedé Santana e Mussum. No meio do filme, fomos surpreendidos com um avião de papel que voara pela projeção e caíra sobre nós. Eu, de imediato, apanhei o avião, e o arremessei novamente. A sombra do avião foi projetada na grande tela.

     Pouco tempo depois chegou um senhor com uma lanterna na mão e chamou tio Paulo.  Os dois conversaram baixinho por algum tempo. Embora concentrado no filme, eu percebi que meu tio gesticulava muito e nos apontava insistentemente.

     Logo na saída do cinema, ainda na movimentada e tradicional Praça do Ferreira eu perguntei:

     - Ti Paulo, o que aquele homem da lanterna queria com o senhor?

     - Comigo nada. Ele queria era botar vocês pra fora. Não pode jogar papel pra cima. Atrapalha o filme. Ele só desistiu quando eu disse a ele assim: “Seu lanterninha esses mininos vieram do interior. Viajaram quase quinhentos quilômetros só pra ver os Trapalhões”.


(imagem Google)

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

943 - BAIÃO 'VERSUS' PIZZA (Blog há 7 anos)


     Com cerca de quatorze anos de idade, no à época isolado sertão cearense, meus hábitos alimentares eram bem ortodoxos. Em casa, como comum, o fogão funcionava de acordo com a rotina do mercado de carnes da cidade. Em cada dia da semana minha mãe servia um prato diferente. Lembro que toda sexta, dia da matança dos animais, tinha fígado de boi no jantar. No almoço do sábado, apreciávamos a “carne batida”, conhecida em outros lugares como picadinho. A deliciosa galinha caipira só enfeitava o cardápio do almoço dos domingos.

          Hoje lembrei que graças ao meu padrinho José Iran Costa conheci a culinária de outros lugares. Eu estava no Crato para passar apenas o dia curtindo o parque de exposições, e Iran Junior e seu pai convenceram meus genitores para que eu ali permanecesse no tradicional evento do interior nordestino.

          Assim eu fiquei por mais uns dias no progressista Crato junto com doutor Iran e sua família. Foram dias inesquecíveis, repletos de divertimentos e novidades. Em um fim de tarde, fomos a um restaurante e nos foi servido algo diferente. Uma massa com coberturas coloridas trazida em uma forma arredondada. Eu estava sendo apresentado à pizza. Quando madrinha Lolanda me ofereceu o tradicional prato italiano, eu, garoto tímido, mesmo sem nunca ter provado da estranha comida, por não saber sequer como me servir, disse:

          - Obrigado madinha, eu num gosto de pizza.

          Assim, eu jantei com o meu padrinho Iran um tradicional baião de dois, enquanto com o canto do olho observava seus filhos Guilherme e Iran Junior, usando estranhos molhos vermelhos e amarelos, degustar a aparentemente saborosa massa italiana.

(imagem Google)

sábado, 3 de setembro de 2016

942 - ENTERRO DE AMIGO



     Participar das últimas homenagens aos falecidos trata-se de um costume comum a povos de todas as épocas e de todos os continentes. No entanto, por variados motivos, há pessoas que preferem não testemunhar esses sensíveis e dolorosos momentos de despedida.

     Em Várzea Alegre, cariri cearense, na década de 1970, faleceu um grande amigo do agricultor José de Souza Lima (Pé Véi). Passou o velório, houve a missa de corpo presente e nada do agricultor se movimentar para acompanhar as cerimônias fúnebres.

     No final do dia, um conhecido passou apressado pela estrada vicinal do aprazível sítio Buenos Aires, e, vendo o agricultor sentado no chão e preparando um cigarro de fumo, questionou:

     - Pé Véi, hômi. Tu num vai na rua pro enterro do teu amigo, não? É daqui pa’pouco...

     - Vou não, respondeu, o indolente lavrador.

     - E por que tu num vai? Era tão teu amigo...

     Pé Véi continuou sentado, deu uma pitada no cigarro de fumo, e, com o ócio criativo digno de Macunaíma*, completou:

     -Que é que tem? Ele também num vai no meu...

*personagem do romance de Mário de Andrade
(Imagem Google)