quarta-feira, 21 de outubro de 2015

919 - DE VOLTA PARA O PASSADO



O mundo comemora os trinta anos do lançamento do primeiro filme da saga DE VOLTA PARA O FUTURO, do diretor Robert Zemeckis. O sucesso estrelado pelo ator americano Michael J. Fox conta a história do jovem Marty McFly que aciona acidentalmente uma máquina do tempo construída pelo cientista Emmett Brown (Christopher Lloyd) que o faz retornar aos anos 50. No passado, o jovem conhece sua mãe (Lea Thompson), que fica apaixonada por ele. Tal paixão põe em risco a existência de Marty , pois alteraria todo o futuro, forçando-o a servir de cupido entre seus pais.

As comemorações do filme me transportaram para 30 anos atrás. Na época, em Fortaleza, me preparava para realizar os exames de vestibular, quando convidei o primo Sérgio Ricardo, também pré-universitário, para assistir ao badalado lançamento:

- Sergin, vamos esquecer um pouco os estudo e dar uma relaxada vendo o filme no São Luiz.

O convite foi aceito e, de ônibus, nos dirigimos ao centro da capital cearense. Ao chegar à Praça do Ferreira nos deparamos com uma enorme fila na entrada do famoso cinema do grupo Severiano Ribeiro. Com muita dificuldade, após algumas horas de espera, conseguimos os ingressos e entramos no superlotado cine São Luiz.

Na tela grande da luxuosa casa de cinema, atento a todos os detalhes, vibrei com as aventuras do jovem Marty McFly no seu retorno ao passado. Quando a exibição do filme terminou e as luzes foram acessas, olhei para o lado e vi meu primo, com a cabeça inclinada para frente, roncando:

- Sergin, acorda. Tu num viu o filme não, macho?

O querido e saudoso primo, que infelizmente não nos acompanhou na viagem para o futuro, acordou meio assustado, esfregando os olhos e justificou:


- Ei, Flavin. Tu num disse que era pra relaxar no cinema?

sábado, 15 de agosto de 2015

918 - PEDAL PARA O IGARAPÉ




 Hoje, ainda pela madrugada, comecei o dia de sábado pedalando, saudável atividade que me divertiu na infância e voltou a encantar minha vida. Com mais treze amigos, levados por nossas bicicletas, fomos a uma localidade distante cerca de 50km de Macapá.
 
         Ao chegar ao simples e belo lugar, esquecemos imediatamente o cansaço das pedaladas, das diversas subidas, mergulhando na água fria do Igarapé. Além de nos refrescar no banho e nos divertir com um animado bate papo, resolvemos uma questão que nos atormentava desde que programamos o pedal para aquela localidade. Afinal, o Igarapé que deu nome ao lugar se chama "Das Armas" ou "Das Almas"?

         Um antigo morador do local, José Carlos, proprietário do pequeno estabelecimento comercial construído à margem do Igarapé, nos esclareceu que seu pai, José Flexa, nascido naquele lugar, contava que há muitos anos o pequeno córrego era bastante utilizado por caçadores. Numa dessas aventuras pelo Igarapé, a canoa afundou e os caçadores perderam suas armas. Dai em diante, por essa razão, o riacho passou a ser chamado de Igarapé das Armas.

         Dúvida sanada, preparávamos nossas bicicletas para retornar à Macapá quando Seu José Carlos comentou com Socorro, única ciclista mulher do nosso grupo:

         - Moça, você acredita em alma? Tem morador antigo que fala que o nome do Igarapé pode ser "Das Almas", pois aqui e ali aparecem umas visagens por aqui... pedalando...

(imagem Google)

terça-feira, 21 de julho de 2015

917 - NOME EMBRULHADO



Muitos pais sofrem com a difícil escolha do nome dos filhos. Alguns costumam homenagear parentes ou amigos, outros preferem manter a tradição da família e há ainda aqueles que se preocupam com o significado e a sonoridade do nome escolhido.
 
Em uma manhã de setembro de 1974, no sítio Rosário, em Várzea Alegre, o agricultor Francisco das Chagas de Souza, conhecido como Pitá, arrumava as compras que fizera na sede do município cearense, quando sua esposa Célia, deitada em uma rede armada na modesta residência do casal, amamentando um bebê, lembrou:

- Pitá, esse minino nasceu ontem e ainda num tem nome.

Calado, o agricultor continuou a desembrulhar os produtos comprados no Mercado Novo, na Bodega de Geraldo Bitu. Mais uma vez escutou a voz da mulher:

- Pitá, você se lembrou de trazer a barra de sabão caboclo pra lavar os cueiro* do minino?

- Tá aqui – respondeu, Francisco das Chagas.

Ao estender a surrada folha do jornal O Povo que embrulhava o sabão, o agricultor leu a destacada manchete: “BRASILEIRO É ELEITO PRESIDENTE DA FIFA”. Naquele mesmo instante, gritou:

- Célia, jå sei o nome que nós vamos botar no minino.  Vai ser João Havelange.

* fraldas em pano usadas para envolver nádegas e pernas da criança.
Colaboração: João Havelange Oliveira de Souza
(imagem Google)

domingo, 31 de maio de 2015

916 - BALADA DO CICLISTA LOUCO


Neste domingo, dia 31 de maio de 2015, um grupo de amigos, liderado pelo comerciante e ciclista Mauro Bala, no passeio intitulado Pedal dos Loucos, saiu cedo da manhã pela estrada em direção à tradicional comunidade rural do Carmo do Maruanum, distante cerca de 55 quilômetros de Macapá.

Por conta do insano passeio, a localidade das louceiras, agricultores e extrativistas recebeu uma invasão de mais de cinquenta dispostos e animados ciclistas que se encantaram com a beleza simples do lugar e com a simpatia dos seus moradores.

O desafio de descer e subir íngremes ladeiras, em uma sofrida estrada de chão, sob um sol escaldante, foi recompensando pelas belas paisagens do caminho e especialmente pelo refrescante banho no balneário do Rio Maruanum.

Um dia inesquecível e marcante na vida dos ciclistas que fez lembrar versos da Balada do Louco, do grupo de rock psicodélico Mutantes, que, em 1972, cantou:

Sim, sou muito louco, não vou me curar
Já não sou o único que encontrou a paz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, eu sou feliz


(imagem Google)

sexta-feira, 8 de maio de 2015

915 - CESINHA DE NENÊ DE ZÉ VITOR


Na nossa rica infância em Várzea Alegre, sertão cearense, convivemos com César Souza Lima, um garoto especial, que, com os inseparáveis óculos fundo de garrafa e a voz compassada, marcou pela sua ingenuidade e simpatia.

Minha irmã Flaviana manteve um contato ainda mais próximo e intenso com Cesinha de Nenê de Zé Vitor, como conhecido. Na pré-escola, na turma da professora Airles Pires, formou com ele um dos casais da animada quadrilha de São João. Na fase adulta, reencontraram-se no Crato, onde continuaram a amizade de infância.

Certa vez, na década de 1970, Nenê de Zé Vítor, atrás do balcão do seu comércio no centro de Várzea Alegre, conversava com o político e oficial de registro João Francisco, irmão de Maçonaria. Enquanto os adultos se entretiam no bate papo, Cesinha, ainda criança, brincava embaixo do balcão.

Após longa conversa, João Francisco, vestido com o tradicional paletó preto, deixou o estabelecimento de Nenê e se dirigiu ao templo local da Maçonaria, onde, um dos irmãos da discreta sociedade reparou:

- Mestre João Francisco, por que hoje você veio pra reunião com um sapato preto e outro branco?

João olhou para a baixo, sorriu e lembrou:

-  Com certeza foi Cesinha de Nenê de Zé Vitor que pintou meu sapato enquanto eu conversava com o pai dele...

Cesinha nos deixou recentemente. Em sua passagem, sem perceber qualquer preconceito, conseguiu cruzar pela vida com uma doce e permanente pureza de criança.


(imagem Google)  

terça-feira, 28 de abril de 2015

914 - DÍVIDA SANGRENTA (Republicado)



     Diariamente os noticiários policiais mostram trágicas histórias de assassinatos motivados por dívidas. Em muitos casos, são irrisórios os valores envolvidos nas discussões que dão causa aos violentos crimes.

        Certo dia, na pacata Várzea Alegre, sertão cearense, o agricultor aposentado Zé de Lula encontrou seu amigo e contador Demontiê Batista e, com ar sério, falou:

        - Tiê, tou devendo sete real no bar de Buzuga. Por amor ao nosso padroeiro São Raimundo, me arrume dois real pra pagar e evitar uma morte.

        - Zé de Lula, porque só dois reais se você deve sete? – Retrucou o preocupado contador.

        - É porque Buzuga desce a ladeira do Gibão* muntado numa bicicleta na maior carreira. Quando me vê solta o guidon e com as mão me mostra sete dedos. Cinco numa e dois noutra. Quero pagar dois pra mode ele desocupar uma das mão e agarrar no guidon.



* sítio localizado próximo da sede do município de Várzea Alegre

Colaboração: Kleber Dakson Fiúza(Manin de Saraiva)

sexta-feira, 17 de abril de 2015

913 - A GRAÚNA DE OURO (Republicado)



       Um dia chegou às minhas mãos um livro explicando a origem dos nomes próprios. Em uma ação automática, fui logo à letra “F” e descobri que Flávio, de origem latina, significava "da cor do ouro”. Embora com o cabelo preto que nem “a asa da graúna*”, não posso negar que gostei dessa qualidade aurífera do meu nome.

       Anos antes, na década de setenta, em férias por Fortaleza, assisti na TV preto e branco da minha avó Maria Amélia ao programa do Jornalista Flávio Cavalcante. Lembro que ele, encerrando cada trecho do programa, chamava a propaganda levantando o dedo indicador e falando firmemente:

        - Nossos comerciais, por favor.

       Eu era ainda menino e naquele primeiro momento não gostei do apresentador. Achei aquele homem antipático e arrogante. Numa humilhante atitude, ele quebrava e jogava no lixo o disco diante do cantor convidado ao programa. Imaginei logo que meu nome fosse alguma homenagem ou referência àquele presunçoso jornalista e apresentador de TV.

      Quando retornei a Várzea Alegre, no sertão cearense, abordei meu pai e perguntei:

      - Papai, o senhor escolheu meu nome por causa do apresentador Flávio Cavalcante?

       Meu querido pai acabava chegar da sua budega. Depois de um dia inteiro de balcão, ele, calçando sua confortável chinela japonesa, me olhou e disse:

       - Meu fi, quando você nasceu aqui não tinha nem energia elétrica direito, quanto mais televisão. É que, depois de Tereza Amélia, a gente resolveu dar aos filhos nomes com a letra “F”: Fernando, Flávio e Flaviana. Você não vê que até o cachorro de vocês se chama Flay.



* Ave típica do nordeste brasileiro usada em alegoria do escritor cearense José de Alencar para explicar a cor negra dos cabelos de sua personagem Iracema.

(imagem Google)

segunda-feira, 13 de abril de 2015

912 - CEARENSE EM PARIS (Republicado)

      


      Pode parecer esnobe para um cearense do sertão, mas em outubro de 1997 eu conheci Paris. A cidade me encantou com sua história, cultura e beleza. Contudo, como o mundo não falava noutro assunto, eu também desejava ver o local exato onde ocorrera o fatídico acidente que dias antes vitimara a carismática Princesa Diana.

       Em uma tarde livre da excursão me informei com o recepcionista do hotel como fazer para chegar ao túnel onde morreu Lady Di e seu namorado milionário. Ele me apresentou um mapa com as diversas linhas de metrô e me disse que descesse na Estação D’Alma, bem próximo ao túnel de mesmo nome, onde ocorreu o sinistro.

       Com o mapa na mão e uns francos* no bolso tomei o metrô da “Cidade Luz”. Ao chegar à estação indicada, desceu apenas um casal que saiu na frente. Eu segui atrás e vi quando o rapaz e a moça cruzaram tranquilamente a porta.

       Na minha vez de passar eu fiquei bloqueado na saída da estação. Procurei a maçaneta e não a encontrei. Tentei empurrar com o ombro, porém a porta nem se moveu. Por alguns minutos fiquei sem saber o que fazer. Pensei em retornar ao desembarque e buscar outro caminho, mas vi que havia uma câmera apontada para mim. Se voltasse, a segurança do local desconfiaria de uma invasão ao metrô. 

       Já estava me batendo um desespero quando vi o contorno de uma mão riscado na porta. Encostei minha mão sobre o desenho e as duas bandas da porta se abriram de repente. 

       Ufa! Só assim o matuto cearense foi solto e pude finalmente ver de perto e chorar no exato local onde a eterna princesa britânica faleceu.


(imagem Google)

terça-feira, 7 de abril de 2015

911 - O LADRÃO ESFAQUEADO (Republicado)


Logo após o seu casamento com Maria Aparecida Feitosa Costa, ocorrido em 1976, Antônio Ulisses foi residir na rua Coronel Pimpim, no imóvel onde hoje funciona a Sorveteria Ki-Delícia.

Certa madrugada, foi acordado por sua esposa, que, assustada com um estranho barulho, desconfiava que havia um ladrão dentro de casa.

Assim, Antônio Ulisses tomou coragem e foi ver o que acontecia. Na cozinha, percebeu que o larápio havia desarrumado algumas coisas e preparado outras para levar. Como a porta do banheiro estava entreaberta, desconfiou que o ladrão estava naquele cômodo.

Empunhando uma faca tipo peixeira, decidiu enfrentar o meliante. Tentou entrar no banheiro, mas o ladrão segurava a porta, impedindo sua passagem. Disposto a encará-lo, Antônio Ulisses planejou empurrar a porta com força e desferir uma única facada no perigoso bandido.

Não deu outra. Em uma ação rápida e eficiente, com extrema força, empurrou com o ombro a porta do banheiro e desferiu um golpe transfixante na barriga do elemento.

Felizmente não se tratava do larápio, a facada atravessou um saco com roupa suja que sua esposa guardava pendurada dentro daquele cubículo. Era o saco que impedia a total abertura da porta. Em vez de atingir o abdômen do ladrão, furou várias peças de roupa, inclusive algumas das que mais gostava, como a calça do conjunto de mescla azul que usara em seu casamento.


* extraído do livro "Conte Essa, Conte Aquela - Histórias de Antônio Ulisses"
(imagem Google)