terça-feira, 29 de junho de 2010

202 - CEARENSE EM PARIS




        Pode parecer esnobe para um cearense do sertão, mas em outubro de 1997 eu conheci Paris. A cidade me encantou com sua história, cultura e beleza. Contudo, como o mundo não falava noutro assunto, eu também desejava ver o local exato onde ocorrera o fatídico acidente que dias antes vitimara a carismática Princesa Diana.

       Em uma tarde livre da excursão me informei com o recepcionista do hotel como fazer para chegar ao túnel onde morreu Lady Di e seu namorado milionário. Ele me apresentou um mapa com as diversas linhas de metrô e me disse que descesse na Estação D’Alma, bem próximo ao túnel de mesmo nome, onde ocorreu o sinistro.

       Com o mapa na mão e uns francos* no bolso tomei o metrô da “Cidade Luz”. Ao chegar à estação indicada, desceu apenas um casal que saiu na frente. Eu segui atrás e vi quando o rapaz e a moça cruzaram tranquilamente a porta.

       Na minha vez de passar eu fiquei bloqueado na saída da estação. Procurei a maçaneta e não a encontrei. Tentei empurrar com o ombro, porém a porta nem se moveu. Por alguns minutos fiquei sem saber o que fazer. Pensei em retornar ao desembarque e buscar outro caminho, mas vi que havia uma câmera apontada para mim. Se voltasse, a segurança do local desconfiaria de uma invasão ao metrô.

       Já estava me batendo um desespero quando vi o contorno de uma mão riscado na porta. Encostei minha mão sobre o desenho e as duas bandas da porta se abriram de repente.

       Ufa! Só assim o matuto cearense foi solto e pude finalmente ver de perto e chorar no exato local onde a eterna princesa britânica faleceu.


(imagem Google)

domingo, 27 de junho de 2010

201 - NAMORANDO EM SILÊNCIO





         Os corredores de pequenas distâncias treinam até respiração para as competições de alto nível. Os atletas inspiram durante a largada e só soltam o fôlego uma vez durante o rápido percurso.

        Na década de 50, em busca de emprego, o ferreiro varzealegrense Chico Basil migrou com toda família para São Paulo. Ao chegar à grande cidade, um conterrâneo cedeu um barraco de apenas um cômodo para o migrante cearense viver com mulher e vários filhos pequenos.

         Se durante o dia era complicado administrar tanta gente dentro de um pequeno cômodo, à noite tornava-se ainda mais complicado. Todos dormiam amontoados, dividindo colchões velhos ou no chão frio.

         Durante a madrugada, na única hora possível para namorar, Chico e sua esposa Chicola buscavam fazer tudo no maior silêncio para não despertar os filhos. O casal, como atletas de 100 metros, desenvolveu uma técnica para “vadiar” discretamente.

         Conta, o espirituoso ferreiro, que prendiam a respiração durante o ato, e, só quando atingiam o clímax, já relaxados e recompostos, soltavam de uma vez um grito que acordava os filhos:

        - Fuuuuuiiiiittttttttttttttttteeeeee.....



(imagem Google)

sábado, 26 de junho de 2010

200 - BRASIL X PORTUGAL




        O jogo na Copa da África entre a seleção brasileira e a seleção portuguesa pôs em campo e levou para as arquibancadas povos com muitas afinidades e semelhanças.

        Por raízes históricas falamos a mesma língua e herdamos dos nossos colonizadores vários costumes. Tanto os portugueses quanto os brasileiros adoram o futebol. Eles possuem o festejado Cristiano Ronaldo. Nós, as estrelas de Kaká, Robinho, Luiz Fabiano e muitos outros

        Mas hoje, vendo reportagens na TV antes do jogo, percebi que eles torcem de uma forma muito mais comportada que nós brasileiros.

        Vi na TV a reação dos torcedores portugueses e os achei muito educados, bem diferentes de nós brasileiros. Durante a cobertura da Copa passaram jovens portugueses gritando para torcedores verde-amarelos:

        - Tens tia? Tens Tia?

        Depois da partida, conversando pelo msn com minha amiga e conterrânea Klébia, que mora em Portugal há vários anos, consegui alguns esclarecimento A frase dos portugueses trata-se de uma evolução de “vai pra cona da tua tia”, que corresponde ao nosso velho e batido:

        - Vá pra puta que pariu.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

199 - BEIJO NA BOCA




       Ao longo da história, o beijo na boca teve vários significados. Desde simples forma de saudação, símbolo de reconciliação e perdão, só a partir da idade média beijar na boca se tornou ato exclusivo de amantes.

       Na década de sessenta o comerciante varzealegrense José Teixeira de Morais foi ao modesto cinema da cidade cearense assistir a um filme romântico. Não era comum o cine Odeon projetar películas com cenas de intimidade entre os casais. Mas naquele dia, o filme trazia várias e calientes cenas de beijos na boca entres os protagonistas da romântica história.

       Os momentos ardentes do filme deixaram Zé Teixeira bastante excitado. Encerrada a sessão cuidou logo de sair rápido e correr para casa, para viver com a esposa as cenas do filme.

       Porém, no caminho, já bem perto de sua residência, quando descia rapidamente a ladeira da Praça José Correia Lima, tropeçou fortemente nos desníveis da calçada e gritou:

      - Arriéguaa da topada. Esqueci até o que ia fazer em casa.
 

(imagem Google)

quarta-feira, 23 de junho de 2010

198 - O FILHO OBEDIENTE





       O simpático José Teixeira de Morais foi um próspero comerciante de Várzea Alegre. De boa prosa e humor refinado, cultivou muitas amizades durante toda sua vida.

        Zé Teixeira, como conhecido, sempre viajava a negócios para a progressista cidade do Crato. Nessas idas à “Capital do Cariri”, além dos contatos comerciais, o varzealegrense aproveitava para manter outros contatos.

          No início da década de 1950, à época casado com Amélia Ribeiro Teixeira, o comerciante fez uma das viagens de negócios ao Crato. No fim da tarde, namorava em um banco da praça com uma jovem cratense quando passou uma varzealegrense e criticou:

         - Eita, Zé Teixeira! Quando eu chegar em Várzea Alegre vou contar a dona Amelinha.

          Antes que a nova namorada descobrisse que era casado, o baixinho e espirituoso Zé Teixeira logo respondeu para a conterrânea:

          - Tem nada não. Mamãe não se importa que eu namore não. Mamãe só acha ruim quando eu bebo ou fumo.

 
Colaboração: Régis Teixeira Leandro
(imagem Google)

terça-feira, 22 de junho de 2010

197 - O JUMENTO É NOSSO IRMÃO





       Nascido em Várzea alegre, no sertão cearense, o escritor Antônio Vieira se notabilizou como o "Padre do Jumento". O título de um dos seus vários livros, “O Jumento é Nosso Irmão”, foi popularizado na voz inconfundível do grande Luiz Gonzaga:
É verdade, meu senhor
Essa estória do sertão
Padre Vieira falou
Que o jumento é nosso irmão.
       No mês de outubro, na comemoração do aniversário do município de Várzea Alegre, várias competições esportivas acontecem na cidade, entre as quais a corrida dos jumentos, a mais esperada de todas.

       Na semana do município da década de 1980 vários competidores prepararam seus animais para a difícil disputa. Francisco, jovem conhecido por sua missão diária de transportar leite do sítio Sanharol para Várzea Alegre, era considerado o favorito da competição. Com seu jumento, forte e bem treinado, o simpático rapaz circulava diariamente pelas ruas da cidade, distribuindo nas residências o precioso líquido branco. Tanto que até hoje, mesmo não mais cumprindo importante tarefa, Francisco ainda é chamado por Tico do Leite.

       No dia da corrida Valentin, Filhin, Roberto, Tico do Leite, Neguin do Gibão e outros rapazes, montados em seus animais, se emparelharam na linha de largada em frente à casa de Seu Joaquim Diniz, no centro da cidade. Iniciada a disputa, como previsto, o jumento montado por Tico do Leite disparou na frente, já subindo a Rua dos Perus com grande vantagem sobre os demais.

       A corrida continuou com Tico de Leite e seu rápido jumento cada vez mais na dianteira. No final do percurso, Neguin do Gibão subiu a ladeira da Rua Doutor Leandro e recebeu a bandeirada já conformado com o segundo lugar, mas, para sua supresa, descobriu que ganhara a corrida. Tico do Leite chegou apenas em último lugar. Com muita raiva, puxando com força seu jumento pelo cabresto, o favorito reclamou:

       - Esse bicho vinha numa carreira danada na frente. Na Rua do Juazeiro desviou o camin e pegou o beco de dona Ritinha no rumo do Sanharol, como faz todo dia. Ele achava que nós tava era entregando o leite.


  
Colaboração: Klébia Fiúza.

(imagem Google)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

196 - CANTADAS PERIGOSAS





         Na década de setenta, o comerciante Zé Leandro acolheu um novo casal de moradores para ajudá-lo no trato com a terra do Buenos Aires, sítio homônimo à capital argentina, mas localizado próximo a cidade cearense de Várzea Alegre.

        O rapaz e a moça, recém casados, logo começaram a desempenhar suas árduas funções no terreno rural. No decorrer dos dias, a jovem e bonita lavradora chamou a atenção de Zé Leandro. Na primeira oportunidade a sós com a moradora o comerciante abusou dos galanteios.

        No final da tarde desse mesmo dia, após uma jornada intensa de trabalho na roça, o marido, com uma inseparável faca tipo peixeira na cintura, foi até a casa grande do sítio e reclamou:

       - Seu Zé, minha muié me contou que o sinhô tá com inxirimento pro lado dela. É divera?

        O proprietário do terreno rural, sentado em uma cadeira de balanço do alpendre da casa, com uma incompreensível e inesperada calma, respondeu:

          - É verdade sim.

         Já colocando a mão perto da bainha da faca, o morador com fama de valente e destemido deu um passo à frente, e, com voz ainda mais raivosa, disse:

          - Seu Zé, eu num vi aqui pro Bozinário* para ser desrespeitado não.

          O comerciante, ainda com a mesma traquilidade, com impressionante capacidade de convencimento, completou:

         - Rapaz, peraí qu’eu explico. É uma prova que eu tiro. Todas que vem  trabalhar aqui eu faço o teste. Se a muié aceitar eu mando logo embora. Pois não quero nenhuma desmantelada trabalhando aqui não.



*corruptela  varzealegrense de Buenos Aires
Colaboração: Régis Leandro Teixeira
(Imagem Google)

domingo, 20 de junho de 2010

195 - CAPOTADA





        Certa manhã, Raimundo Alves Bezerra, popularmente conhecido como João Sem Braço, montado em um velho e manso cavalo, saiu do sítio Gibão para vender uns capotes* na feira do sábado da sede do município de Várzea Alegre.

        Ao chegar à pequena cidade do interior cearense, em vez de buscar negociar as aves, João Sem Braço se meteu a beber cachaça no interior do mercado. Ali passou o dia jogando conversa fora, contando lorotas e tomando doses da aguardente Ypióca.

        Já no final da tarde, com dificuldade montou no cavalo e se dirigiu de volta ao sítio Gibão, levando todos os capotes pendurados à cela. Na saída da cidade, próximo ao Sanhorol, o cavalo seguia trotando normalmente quando se assustou, freou bruscamente e jogou João Sem Braço no chão de terra batida da estrada. O comerciante Buzuga, que por ali passava de bicicleta e viu a desajeitada queda, aproximou-se, e acudiu o embriagado cavaleiro:

        - Eita queda feia Negão! Você bem? zonzo?

        Bastante atordoado, mas tentando demonstrar que estava em perfeitas condições, João, com voz trôpega, disse:

        - Tou sim Zé de Lula, pela graça de meu São Francisco do Juazeiro e do Padin Cíço do Canindé. Mas num venho mais nunca na rua de capote pra vender cavalo.



Colaboração: Regis Teixeira Leandro

* ave introduzida no Brasil pelos colonizadores portugueses, também conhecida como Galinha de Angola, Pitada, Picote, Guiné e Galinha do Mato.

sábado, 19 de junho de 2010

194 - OJUARA




        Outro dia voltei a um ponto que freqüentei bastante no início da década de noventa. Recém chegado em Macapá, adorava os eventos promovidos no La Bamba, Cabaré Safari e outras casas noturnas. No encerramento dessas festas, pela madrugada, era obrigatória uma parada para restabelecer as forças com um caldo quente.

       Na Rua General Rondon, em frente à caixa d’água da CAESA, funcionava um restaurante de venda de caldos variados. Certa madrugada, depois de uma alegre e intensa farra, parei para apreciar a saborosa mujica de camarão ali servida. Enquanto aguardava o atendimento, chamou-me a atenção a placa com o original nome do estabelecimento. Quando o garçom apareceu, eu falei:

       - Que nome original! OJUARA. Deve ser indígena, como Ubajara, Ubirajara, né?

        O simpático Garçom, anotando o pedido, disse:

        - Mano, num sei se o dono daqui é índio não, mas acho que Ojuara é Araujo de trás pra frente.

 
(imagem Google)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

193 - O CUPIDO





           No mundo moderno, quando as pessoas não mais dispõem de tempo para se conhecer, muitas das uniões entres homens e mulheres são organizadas por agências matrimoniais. É comum também o uso da internet e de outros meios de comunicação para conhecer sua alma gêmea.

          Em Várzea Alegre, sertão cearense, no ano de 1968, o jovem Lincolin Matias Filho, após um breve namoro com Fátima, resolveu casar com jovem moça. Assim, vestiu a melhor roupa e e se dirigiu à residência dos seus sogros - Raimundo Crueira e Benedita. Já na casa situada atrás da usina de beneficiamento de algodão de Seu Josué Diniz, depois de uma breve conversa, o jovem, visivelmente nervoso, foi logo dizendo:

          - Seu Raimundo, eu vim pedir a mão de sua filha Fátima em casamento.

         O barbeiro Raimundo Crueira, surpreso com o pedido da sua filha caçula, ponderou:

        - Mias fias é pra mode casar mermo. Mas se fosse ao meno Hilma, que já inteirou 15 ano. Fátima é mais nova, só tem 13.

       Ao ouvir a observação de seu sogro, Linconli perguntou:

       - Então o sinhô me dá Hilma?

       - Benedita, traz Hilma aí – gritou o barbeiro para sua esposa que preparava um café na cozinha.

       Lincolin, então, não perdeu viagem. Acatou a ponderação do sogro e pouco tempo depois contraiu núpcias com a cunhada. Sempre que conta sua inusitada história de amor, Hilma não esconde a  alegria e diz:

         - E hoje já são mais de quarenta anos de felicidade.



Colaboração: Hilma Matias da Silva

(imagem Google)

quarta-feira, 16 de junho de 2010

192 - "MÃO DE VACA" GASTADOR



          A capacidade de pensar diferente é um presente de Deus para os homens. O desenvolvimento humano só surgiu ao longo da história graças às contestações e ao inconformismo com os padrões impostos por cada época. Felizmente os conceitos mudam durante a vida e também são distintos em cada lugar do Mundo.

          Morando em Macapá desde 1991, criei fama de ser “pouco gastador”. No órgão público em que trabalho existe um placar entre os mais sovinas onde me colocaram numa posição de destaque. Para minha surpresa, estou inclusive à frente de alguns colegas nascidos em Minas Gerais, Estado do sudeste brasileiro conhecido pelo caráter cauteloso e econômico do seu povo.

          Mas como os conceitos mudam de um lugar para outro, em Várzea Alegre, interior cearense, onde nasci e vivem meus pais e familiares, minha fama é bem diferente.

          Desde criança, sobre as questões financeiras, sempre ouvi o meu querido pai, bodegueiro, falar:

          - Meu fii, aperte o cinto, a crise tá braba.

         Hoje, quando visito meus familiares no Ceará, percebo uma preocupação de todos com alguns dos meus gastos, considerados excessivos. Quando me organizo para realizar alguma compra, mesmo pequena, meu velho pai, consultado, sem esquecer a velha doutrina econômica, adverte:

         - Meu fii, vá devagar. Cuidado para não dar um passo maior que a perna.



(imagem Google)

terça-feira, 15 de junho de 2010

191 - ZERO A ZERO NÓS GANHANDO



       O Brasileiro é um povo modesto e humilde, mas quando torce pelo clube preferido ou pela seleção canarinho sofre de certo complexo de superioridade.

      Mesmo ganhando o nervoso jogo na estréia de uma Copa do Mundo e assumindo a liderança isolada do grupo, o torcedor brasileiro não se satisfaz com o resultado. Quer muito mais. Deseja goleada, anseia por show, como na época de Garrincha, Pelé e outros craques do passado.

      Mas os tempos são outros. Vivemos os dias das retrancas e dos resultados apertados, época do futebol força e dos esquemas táticos de Parreira e Dunga, quando o importante é ganhar, mesmo que por meio gol a zero.

      Em Várzea Alegre, no interior cearense, os resultados magros assim são relativos, tanto numa partida de futebol como no desempenho escolar.

      Na década de 1970, um aluno do antigo primário chegou da escola chorando e trazendo um boletim de notas escolares na mão. Ao ver a tristeza do filho, o paciente pai do estudante perguntou:

      - Meu fii, por que é que você tanto chora?

      - É porque eu tirei um zero em matemática.

      O velho e conformando pai buscou tranquilizar o filho, dizendo:

       - Num fique assim não, hômi. Zero é mió que nada.



(imagem Google)


segunda-feira, 14 de junho de 2010

190 - LUIZIN E O PÉ DE FEIJÃO





         Nós pais sempre contamos histórias interessantes dos filhos. Especialmente as peraltices dos pupilos na infância, pois toda criança apronta das suas.

        No último fim de semana levei minhas filhas à sede da nossa associação para participar de uma interessante programação da semana do meio ambiente. Cada uma delas plantou uma muda do belíssimo Ipê Amarelo.

        Elas e todas as demais crianças participantes do evento adoraram a nova experiência. Colocaram as plantinhas no buraco, mexeram na terra com as mãos, viveram a emoção de contribuir diretamente com a melhoria do nosso ambiente.

        Realizada a fase da plantação, imediatamente cada um dos meninos e meninas cuidou de regar as suas mudinhas. Luizinho, filho caçula do colega Manuel Felipe, de menos de três anos idade, depois de derramar algumas garrafas de água na sua muda de Ipê, olhou para o pai com carinha triste e reclamou:

        - Papai num funcionando...

        - Por que, meu filho? - indagou o atencioso pai.

        - Molhei muito e ela num cresceu...



(imagem Google)

domingo, 13 de junho de 2010

189 - A COPA DE SHAKIRA



       Na última quinta-feira o mundo assistiu ao show de abertura da Copa do Mundo da África do Sul. Na primeira vez que os gramados africanos recebem o famoso torneio, chamou atenção o jeito alegre e irreverente dos anfitriões.

       Em três horas de show, com a apresentação de vários artistas locais e estrangeiros, destacou-se a presença carismática do Prêmio Nobel da Paz Desmond Tutu. Em seu descontraído discurso, em meio a gritos, o bispo sul-africano com participação histórica na luta conta o regime discriminatório do “apartheid” disse: “Somos todos Africanos...”

          O espetáculo encerrou com a performance da linda artista Shakira. A Colombiana, com sua dança sensual, despertou sentimentos entre os bilhões de expectadores do planeta.

         Nos últimos momentos do show, eu passava pela portaria do meu trabalho, quando uma servidora, com flagrante inveja da namorada do tenista Nadal, disse:

           - Mas também, essa mulher nem canta, fica só dublando e se rebolando.

         Um colega que apreciava os passos, gestos e rebolados da colombiana, sem desviar o olho do televisor instalado na recepção, disse:

           - Mas a Shakira nem precisa saber cantar. Quem precisa e canta muito bem é Alcione, Ângela Rô Rô...



(imagem Google)

sábado, 12 de junho de 2010

188 - O PREÇO DO PROGRAMA



          Há cerca de dois anos o mundo se surpreendeu com a revelação do encontro em um motel entre o famoso jogador Ronaldo e travestis da cidade do Rio de Janeiro.

           Embora tais relações não devessem mais chocar nem surpreender, pois recorrente e comum desde o início dos tempos, o caso envolvendo o Fenômeno reforçou o debate sobre o tema da homossexualidade.

          Na mesma época, na pequena cidade de Várzea Alegre, no sertão cearense, o irreverente veterinário Hermi Cesar indagou a um conhecido cambista:

           - Cuiú, tão dizendo que tem um baitola da cidade pagando cinqüenta reais por um programa com ele. Você comeria um por cinquenta?

           O bem-humorado vendedor de apostas do Jogo do Bicho, que sempre sofreu com dificuldades financeiras, anotando na pula* os números da milhar apostada pelo veterinário, sem sequer levantar a cabeça, respondeu:

          - Hômi, faz tempo que não pego numa oncinha**. Do jeito que a coisa anda, por cinqüenta tanto eu como, como dou...



* folha da caderneta usada para anotar os números do ‘jogo do bicho’.

** Nota de cinqüenta reais que estampa a foto da onça pintada.

(imagem Google)

sexta-feira, 11 de junho de 2010

187 - "MOITEL"



          Em meados do século passado a iniciação sexual dos jovens era bem mais tardia, difícil e arriscada. Além da pouca informação sobre o tema, o mundo ainda não passara pela liberação das últimas décadas, quando surgiram novos e eficientes métodos anticoncepcionais e de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis.

        Contam em Várzea Alegre que na década de 1950, um jovem rapaz com os hormônios fervendo, depois de muita insistência, conseguiu marcar um encontro amoroso com uma mulher mais velha e liberada.

        Como ainda não existiam os convenientes motéis, o lugar sugerido pela mulher para as intimidades foi o interior de uma grande roça localizada nas imediações da pequena cidade.

         Assim, no dia marcado, no início da noite, o rapaz se dirigiu ao local indicado. Desajeitado, pulou algumas cercas e atravessou uma mata de jurema e outras árvores espinhosas.

         Ao encontrar a desejada mulher em um pequeno descampado, o jovem, ainda ofegante, com as calças impregnadas de carrapichos foi longo retirando a fivela do cinto e desabotoando os botões da braguilha.

          Contudo, a experiente mulher, com um riso irônico, apresentando desculpa pouco plausível, jogando água fria na quentura do desesperado rapaz, disse:

          - Pera minino, largue de ser avexado. Hoje vim só pra mostrar o lugar.



(imagem Google)

quinta-feira, 10 de junho de 2010

186 - PLEONASMO INVERTIDO



         No próximo mês de julho completo vinte anos de formado. Em 1990 recebi o diploma de bacharel pela centenária Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Naquela época não pressenti a dimensão da conquista nem imaginei a transformação que o curso provocaria em minha vida profissional e pessoal.

          Com o canudo na mão e sem o anel no dedo, viajei logo em seguida até a minha cidade natal, Várzea Alegre, para comemorar a formatura. Ali, certamente em face da minha desenvolvida estatura de pigmeu cearense, familiares e amigos sempre me trataram carinhosamente por Flavin.

          Ao chegar à pequena cidade do interior cearense, recebi o cumprimento de um humilde conterrâneo.

          - Eita tá foimado, o fii de Luiz Silvino da Budega agora é dotô Flavin.

          Ciente de que o título de doutor não cabe ao simples bacharel, pouco acostumado à pompa do grau, e percebendo que o tratamento soava meio contraditório, supliquei:

        - Hômi, num carece me chamar assim não. Continua Flavin mesmo. Pois doutor e Flavin não casa direito não. É como mandar subir pra baixo.

(imagem Google)

quarta-feira, 9 de junho de 2010

185 - NOME ESQUECIDO




          Em Várzea Alegre, no sertão cearense, não estranhe nem se espante se cruzar pela Rua com Bodin, Cu, Cuiú, Rabugento, das Cachorras, Agulha, Peixin, Baygon, Priquitinha, Bebe Ovo, Masca Fumo, Muriçoca, Fofão e muitos outros. Todos são simpáticos moradores da cidade e atendem gentilmente por esses apelidos.

         Francisco Ângelo nasceu no sítio Mocotó, zona rural do município, tornou-se motorista profissional, conta hoje com cerca de sessenta anos, porém não adianta procurá-lo por seu nome de batismo e registrado em cartório. Na verdade, todos o tratam por uma diferente alcunha, fato comum nas pequenas cidades do interior do Brasil.

         Quando ainda menino, de família muito humilde, após a missa do domingo Francisco Ângelo pedia esmola na calçada da igreja matriz de São Raimundo Nonato. Certo dia, um paroquiano perguntou:

          - Cadê a lata para juntar as “pratas” da esmola?

        O garoto Francisco Ângelo, ainda com a mão estendida, usando a curta e enrolada expressão que a partir de então substituiu seu nome, respondeu:

         - Misquece.


(imagem Google)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

184 - BANHO QUENTE




          No feriadão de Corpus Christi, percorrendo enorme distância entre os Estados do Amapá e o de Goiás, viajei com a família no interesse de conhecer Caldas Novas, chamada “Paraíso das Águas Quentes”. Em 1722 o bandeirante Bartolomeu Bueno Filho descobriu a região já habitada pelos Caipós e Xavantes. Chegou a vez da comitiva Tucuju-Cariri encontrar as águas termais.

           O local atrai pessoas de diversos lugares e idades. O mais jovem e o mais velho turista se divertem juntos mergulhando nas piscinas quentes dos diversos clubes e parques da região. Não bastasse o prazer proporcionado pelo banho, corre ainda a crença de que as águas mornas curam. Não sei se é verdade, mas minha inconveniente bursite no ombro direito não se manifestou durante todo o passeio.

          Se de dia curtíamos os parques, durante a noite caminhávamos pelo movimentado centro da cidade. Em uma dessas noites, depois de curtir o carrossel infantil instalado próximo à Prefeitura, buscamos um lugar para jantar. As crianças sugeriram a rede de lanchonete Bobs, mas terminamos no Dodys (antigo Papas), restaurante que serve a tradicional comida goiana, instalado na Praça mestre Orlando, próximo à Igreja de Nossa Senhora das Dores. Ali, dentre outros pratos, saboreamos a sugerida e deliciosa “galinhada com piqui”.

            Em todo o roteiro observei a animação das turmas da terceira idade. Durante o dia se divertiam nas piscinas quentes e à noite esquentavam os salões de dança. Bom saber que, quando atingirmos essa melhor idade, os alegres velhinhos de hoje, como “bandeirantes”, já abriram os caminhos para a nossa geração.

          Nesta época fria do ano a maravilhosa região goiana mistura o clima ameno do balneário Caldas da cearense Barbalha com as águas termais da potiguar Mossoró. No Parque Lagoa Quente, onde há séculos os bandeirantes encontraram um ribeirão com águas quentes, eu relaxava dentro de uma piscina com a água beirando os cinqüenta graus. Em dado momento, um simpático banhista Caldense, com seu sotaque de dupla sertaneja, me alertou:

           - Môooço, demore muito ness’água não.

           Eu, inocentemente, perguntei:

           - Pru mode de quê, hômi?

          E o goiano completou:

          - Se ficar muito tempo periga cozinhar os ovo.



(imagem Google)

domingo, 6 de junho de 2010

183 - ENTRADA FRANCA



           Meu querido primo Sérgio Ricardo, na década de oitenta, em um fim de tarde, foi até a Farmácia de Raimundin e convidou seu amigo Gean Claude para a festa daquela noite que ocorreria no Clube Recreativo de Várzea Alegre – CREVA.

            Ao receber o convite, Gean disse:

            - Raimundin ainda não fez o pagamento da semana. Pra não variar, tou liso igual muçum*. Não posso ir não, Sergin.

           - Hômi, Gean. Dinheiro não é problema não. Deixe comigo.

           O jovem balconista da farmácia se animou. Seria muito bom participar do baile no tradicional CREVA sem comprometer o seu apertado orçamento. Farmácia fechada, Gean passou rapidamente em casa, tomou um banho completo, vestiu a melhor roupa e saiu ao encontro do amigo.

           A festa já iniciara e os dois decidiram ir direto ao Clube. Enquanto o amigo foi à bilheteria, Gean permaneceu aguardando próximo à entrada. Sergin voltou e tomaram a grande fila para ingressar na concorrida festa. Ao chegar à roleta, Sergin entregou apenas o seu ingresso e falou para o Diretor do CREVA:

          - Seu Chico Progresso, deixe meu amigo Gean entrar. Ele tá sem dinheiro.

         Com a irrecorrível negativa do diretor do clube, Sergin olhou para o decepcionado amigo e se justificou:

         - Você viu , Gean? Eu fiz o que pude.


(imagem Google)
* peixe sem escamas e de pele lisa.

sábado, 5 de junho de 2010

182 - A FORÇA DA VERDADE



          Há um provérbio francês que diz: apenas a verdade ofende. Outro, iugoslavo, vai mais adiante e aconselha: diga a verdade e saia correndo. Pelas sentenças populares fica claro que o que não somos pouco nos incomoda.

          Meu primo José Costa Neto sofria de um grave problema na visão. Seus óculos eram do tipo “fundo de garrafa”, com mais de dez graus de correção em cada lente. Antes de dormir colocava os óculos embaixo da sua “cama de campanha”. Ao acordar, buscava o pince-nez* tateando o chão.

          Costa, como conhecido, por muitos anos morou em Fortaleza com minha avó Maria Amélia. Certa noite, na década de setenta, voltava à pé de uma animada tertúlia quando um bêbado lhe abordou pedindo dinheiro. Como não foi atendido, o inconveniente pedinte vociferou:

         - Você é um baitola, ladrão, corno, marginal...

         Costa, impassível, ouvia tranquilo as agressões verbais. Até que o pedinte disse:

         - E também é um cego sem vergonha.

        Nesse momento Costa perdeu a compostura, arregaçou as mangas da camisa e partiu para cima do bêbado, gritando:

         - Cego não. Agora você me ofendeu.


* palavra francesa que originalmente significa óculos sem haste em que uma mola prende ao nariz mas usada no Ceará como sinônimo para todos os tipos óculos.

(imagem Google)

sexta-feira, 4 de junho de 2010

181 - EM RIBA DO MURO



        Na vida é importante assumir claramente suas posições, mostrar e demonstrar o que pensa. Mas há inúmeras pessoas que não expressam as suas opiniões. Não se definem e preferem acompanhar tudo de cima do muro.

         Em 1992, dois ex-prefeitos, as duas maiores lideranças políticas de Várzea Alegre - os médicos Iran Costa e Pedro Sátiro - disputaram a eleição para prefeitura da pequena cidade do interior cearense.

        No meio da acirrada campanha, um eleitor chegou à casa de Raimundo Alves Bezerra, conhecido como Raimundo Gibão, e, disse:

        - Seu Raimundo, tou para ficar louco, não sei o que fazer. Devo favor demais a dotô Pêdo e a dotô Iran. Os dois agora são candidato e eu num sei como resolver. Sou amigo dos dois, gosto dos dois. Que qu’eu faço seu Raimundo?

        Percebendo que, na verdade, o eleitor temia revelar o candidato preferido, Raimundo Gibão foi curto e grosso:

      - Faça assim, hômi: Dê a bunda a um e vote no ôto!



Colaboração: Antônio Alves de Morais

(Imagem Google)

quinta-feira, 3 de junho de 2010

180 - "POLIGROTA"



       Eu sempre sofri no aprendizado das línguas estrangeiras. Claro que falta disciplina e perseverança, mas já iniciei o estudo em cursinhos especializados por diversas vezes e não consigo avançar.



       Buscando justificar a acentuada dificuldade com os idiomas, remonto ao período da minha infância, na isolada Várzea Alegre. Se hoje o inglês controla a internet, fala nos filmes, toca nos videoclips, naquela época era raro o contato do cearense do interior com outra língua.



       Na minha querida cidade natal os velhos rádios só tocavam musicais nacionais. O Cine Alvorada projetava apenas filmes dublados. Era muito mais fácil encontrar um extraterrestre do que um estrangeiro caminhando pelas terras secas do interior cearense.



       Na sala de aula do Centro Educacional São Raimundo Nonato, no antigo primeiro grau, nossa professora Terezinha Rolim se esforçava para ensinar a língua da terra do tio Sam. Numa das lições, a mestre perguntou:



      - Quem sabe traduzir a frase Mary is girl ?



     O irreverente aluno "Airton de Senhor", sem pestanejar, levantou a mão e respondeu:



      - Maria de Zé Miguel.



(imagem Google)