terça-feira, 27 de dezembro de 2016

957 - DE CANOA QUEBRADA AO MORRO BRANCO

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Mesmo apaixonados pelo sertão, não dispensamos uma boa praia. Assim, nos últimos dias de 2016 viajamos com a família para algumas das famosas e paradisíacas praias cearenses, nos municípios litorâneos de Aracati e Beberibe. 

Na diferenciada Praia das Fontes, como o próprio nome indica, nos molhamos com a água salgada do mar e, em seguida, a poucos passos, nos enxaguamos com a água doce que jorra das falésias.

Bem próximo ao mar, também nos refrescamos na belíssima Lagoa de Maceió, local onde a Lagoa do Uruaú se encontra com o oceano, formando um cenário encantador.  

Na famosa Canoa Quebrada, pacata vila de pescadores descoberta por cineastas franceses na década de 1960, sobrevoamos a deslumbrante praia a bordo de parapentes e depois caminhamos pela “Brodway”, agitada rua de bares e restaurantes.

         Na Praia de Morro Branco conhecemos o famoso Buraco da Sogra e o deslumbrante labirinto de areias coloridas, cenário de novelas, filmes e séries. Entre uma informação e outra, o nosso guia José Maurício nos ensinou truques fotográficos e nos falou sobre a origem do nome do lugar. 

         -  Querem saber como tirar fotografia sem barriga ? – indagou o bem humorado guia.

        Eu, em causa e interesse próprio, respondi:

-  Com certeza. Me diga logo como é...

Fingindo seriedade, o guia ensinou:

- É só focar do pescoço pra cima...

        Sobre a origem do nome do lugar, José Maurício nos ensinou que os pescadores, ao voltar do alto-mar, guiavam-se pela enorme duna, chamando-a de Morro Branco. Não bastasse, o guia também nos apresentou outra versão para a denominação da vila praiana de Beberibe:

           - O povo aqui também diz que a praia tem esse nome em homenagem a Michael Jackson.

- Como assim? Ele andou por aqui ? – perguntei.
- Não, num teve aqui não. Mas ele dizia: nasci negro mas morro branco...
(imagem Google)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

956 - NATAL INESQUECÍVEL (Republicado de novo)


         Em 1993, meu querido primo Hudson Batista Rolim recebeu um irrecusável convite para passar a noite de Natal na casa da nova namorada, no Bairro Cidade dos Funcionários, em Fortaleza. Cedo da noite, o apaixonado estudante vestiu a melhor roupa e apanhou o ônibus para cear na casa dos sogros.

       Depois de cruzar toda cidade, Hudson se impressionou ao chegar à bela e enfeitada casa da namorada. Semana antes, após um animado forró, na madrugada que a deixara ali em frente, não observara quão bonita era a casa da sua amada.

        Naquela noite natalina esperava conhecer muito mais da sua futura família. No portão, Hudson foi recebido friamente pelo dono da residência, seu futuro sogro. Mesmo assim foi conduzido a uma mesa, onde, sozinho, recebeu completa atenção dos bem vestidos garçons. Não sabia que a família de sua namorada vivia em tão boas condições. Consumindo uísque 12 anos e provando saborosos petiscos, o filho de varzealegrenses pensou: “dessa vez eu amarrei o meu burrin na sombra”.

         Mas já se aproximava da meia-noite e nada da namorada aparecer na festa. Até que finalmente ela ingressou pelo portão da garagem e passou a cumprimentar e desejar feliz natal a todos. Ao ver o namorado, a jovem se surpreendeu e falou:

         - Credo, tu tá é aqui Hudson? E eu esperando você lá em casa. Num sabia que tu conhecia doutor João, nosso vizinho.

        Assim, os namorados se despediram, atravessaram a rua e entraram na modesta casa, onde um casal de velhos cochilava na poltrona assistindo na TV ao especial de Roberto Carlos. Dali, o resto da noite, tomando coca-cola e comendo pedaços de um duro e frio peru,  Hudson, tentando esconder a decepção, observou pela janela o movimento e as luzes do animado castelo em frente que por poucas horas foi seu.

Colaboração: Hudson Batista Rolim

(imagem Google)

sábado, 3 de dezembro de 2016

955 - O CORTE DE COSTA (Republicado)



Por muitos anos meu querido e saudoso primo José Costa Neto não soube o que era uma barbearia ou um salão de beleza. Nesse período, cortava seus cabelos loiros em casa ou nas feiras livres de Fortaleza, quando acompanhava nossa avó Maria Amélia nas compras. O serviço era rápido e sem luxo. O próprio freguês segurava o espelho enquanto o improvisado barbeiro trabalhava com a tesoura.

Mas naquela manhã de dezembro da década de 1970, Costa estava animado. Seu tio Paulo Danúbio recebera o décimo-terceiro salário do novo emprego de ascensorista e levou o sobrinho adolescente ao Salão Presidente, espaço luxuoso e bem frequentado do centro da capital cearense. Ao chegar ao local, uma bonita moça pediu ao novo freguês:

- Venha aqui. Primeiro vamos lavar o seu cabelo...

Costa seguiu a bela jovem mas, desajeitado, em vez de sentar-se normalmente à cadeira apropriada para o serviço, abaixou a cabeça em frente à torneira usada para molhar o cabelo. Percebendo que o cliente não costumava ir ao salão, a funcionária indicou a posição correta para o rapaz sentar e lavar os cabelos.

À medida que a moça usava aromáticos shampoos e condicionadores e alisava o couro cabeludo de Costa, o tímido e carente rapaz se animava. Ao fim do serviço o freguês apresentava nas calças um volume que não trouxera ao salão. Quando Costa, buscando disfarçar a incontrolável ereção, saiu caminhando em direção à cadeira do cabeleireiro, o tio Paulo Danúbio indagou:

- Meu sobrin por que você tá andando corcunda desse jeito? Você impenou a coluna?


Colaboração: Paulo Danúbio Carvalho Costa
(imagem Google)

terça-feira, 22 de novembro de 2016

954 - FECHANDO O GOL (blog há 7 anos)


           Grande parte do povo brasileiro acredita e faz uso de simpatias, feitiços, magias, mandingas, encantamentos, orações, amuletos, talismãs, feitiçarias, benzimentos e tudo mais relacionado com as ciências ocultas.

           No popular ambiente futebolístico as crenças estão ainda mais presentes. Os torcedores e os próprios atletas mantêm comportamentos supersticiosos buscando elevar o rendimento, pois acreditam que ajudam a equipe no alcance de suas metas. Há jogadores que não trocam a chuteira ou a cueca porque na primeira vez que as usou fez gols ou jogou bem.

          Eu não acreditava muito nessas coisas, mas recentemente minha amiga e conterrânea Klébia Fiúza me ensinou uma mandinga infalível. A simpatia cita um popular e irreverente varzealegrense, conhecido por suas histórias engraçadas. Consiste simplesmente em repetir umas palavras no momento em que o time adversário ataca. A frase, repetida com fé, fecha a nossa meta, impedindo o gol da equipe contrária.

         Neste final de semana, quando meu Fortaleza joga suas últimas chances de permanecer na série B e o querido Flamengo tem jogo decisivo na disputa pelo título do Brasileirão, usarei mais uma vez a frase mágica. No momento em que a bola chegar ao campo de defesa dos meus times eu repetirei insistentemente:

       - Cu de Zé de Lula. Cu de Zé de Lula. Cu de Zé de Lula...


(imagem Google)

terça-feira, 15 de novembro de 2016

953 - CHIFRES DO BEM

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Vários momentos marcaram a nossa rápida mas agradável viagem em família do último final de semana e feriado, cujo destino principal foi Brasília. 

Começamos o passeio acompanhando a etapa brasiliense da meia maratona Asics GoldenRun, suntuosa corrida que contou com a importante participação de atletas do Estado do Amapá, entre os quais minha querida esposa Eliziê. 

No dia seguinte à prova, 14 de novembro, comemorando o aniversário da minha mulher, conhecemos Pirenópolis, cidade goiana localizada a cento e sessenta quilômetros da Capital Federal, pródiga em paisagens e rica em histórias. Mesmo em um dia chuvoso, degustamos um pouco das lindas cachoeiras da região, provamos da diversificada culinária local e conhecemos parte de suas inusitadas histórias.

Logo ao chegar,  nos chamou atenção um personagem presente em todos os cantos da bucólica cidade do cerrado: uma imponente figura com corpo de homem e cabeça de boi, ostentando enormes e pontiagudos chifres.

Ficamos curiosos para saber por qual razão a cidade se orgulha de tão gozado símbolo. Após rápida e superficial pesquisa, descobrimos que o chifrudo se trata do Mascarado, um dos personagem das Cavalhadas, animada manifestação religiosa do município, com origem em tradições portuguesas, ocorrente durante a Festa do Divino Espírito Santo.

Com roupas coloridas e espalhando alegria durante o evento festivo, acredita-se que o chifrudo Mascarado também espanta os maus espíritos. Se os cornos causam vergonha e traduzem conotação negativa em muitas regiões do gigantesco e diversificado Brasil, em Pirenópolis, nas praças, comércios e residências, os Mascarados realçam os seus enormes chifres sem qualquer cerimônia, embelezando e alegrando o atraente município do centro-oeste brasileiro.


(imagem google)

sábado, 5 de novembro de 2016

952 - SHAOLIN DE VÁRZEA ALEGRE






A grande tela do cinema me levou de volta à infância. Hoje, com minha filha Alice Maria, assisti ao filme SHAOLIN DO SERTÃO, maravilhosa comédia cearense que conta a história de Aluísio Li, um padeiro de Quixadá que sonha em ser um grande lutador.
Não bastassem as imagens, os figurinos e as falas típicas do meu sertão natal, a película me trouxe a lembrança da época em que eu e todos os meninos da minha geração sonhávamos ser lutadores chineses como Shaolin ou Bruce Lee.
Na década de 1970 vivia-se o auge dos filmes de Kung Fu, produzidos na antiga colônia britânica de Hong kong. Essas obras se espalharam pelo mundo e chegaram ao à época isolado sertão cearense.
Ao sair do Cine Alvorada, dos irmãos Zé e Raimundo de Borgin, em Várzea Alegre, os meninos da minha época de criança pulavam, gritavam e golpeavam como se fossem um dos  protagonistas de sucessos como  “Dragão Chinês” ou “Shaolin Contra os Filhos do Sol”.
Eu e meus amigos só acordávamos do sonho e descobríamos não possuir os poderes e as técnicas dos heróis do cinema chinês quando alguém, do meio da rua, nos alertava insistentemente:
- Larguem de besta.  Vão infiá bufa em cordão. Vocês vão é rachá o quengo* com esses pinote** desmatelado...
* cabeça
** salto
(imagem Google)

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

951 - ÁGUA MINERAL (Blog há 7 anos)



        Se comunicar sempre foi uma necessidade entre os seres humanos. Nos tempos remotos, para se entender, os homens usaram gestos, sinais, códigos, que só depois de um longo período se organizaram em uma linguagem. Mas aquilo que surgia como fator de integração entre os povos nem sempre cumpriu completamente esse papel. Os indivíduos traduzem as informações recebidas de acordo com fatores sociais, culturais, religiosos e muitos outros.

       Certo dia, um novo garçom foi apresentado para gentilmente servir água, café e outros lanches em todas as inúmeras salas do nosso trabalho. Com atenção, cuidou em verificar as particularidades de cada um dos diferentes doutores que trabalhavam naquele importante órgão público. Uns preferiam café preto, outros com leite. Uns com açúcar, outros com adoçante. Uma bela e jovem doutora, cuidadosa com os seus dentes e estômago, atenta às orientações dos especialistas, logo alertou:

        - Eu gosto da minha água natural, tá? Sempre natural.

        A partir daquele dia, o dedicado garçom não deixou faltar a água solicitada. Antes mesmo de ser chamado aparecia na sala trazendo em sua equilibrada bandeja o precioso líquido. Porém, passados alguns meses, no meio de uma manhã, recebeu uma ligação para ir imediatamente ao gabinete. Ao chegar, foi logo cobrado pela chefe:

        - Por que ainda não trouxe minha água? Você não sabe que eu costumo beber bastante água pela manhã?

        - Perdão, doutora, mas desde cedo tá faltando água. Tão trocando uns canos da rua. Desculpa eu perguntar. Por que a senhora prefere água da torneira?


(imagem Google)

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

950 - PEDAL DA LUA DE MEL

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Neste último final de semana recebi o convite da Equipe Extrema para acompanhar os amigos William Tavares, Raphael Bruno, Washington Magalhães, Odinircio Coutinho e Cleibe Junior em um desafio titânico. Os cinco ciclistas, partindo de Macapá,  resolveram encarar de uma só vez dois radicais percursos: Volta da Nova Colina e Volta do Camaipi.



Como pouquíssimos ciclistas do Amapá já completaram, isoladamente, um desses pedais, seria inimaginável alguém enfrentar as duas difíceis jornadas, de cerca de trezentos e cinquenta quilômetros, em uma só tocada.



Afora poucos mais de cem quilômetros de asfalto, o restante do pouco povoado percurso, singrando campos e florestas, segue em estradas rudimentares, com sucessivas e íngremes subidas. Não bastasse, em várias descidas, quando se aproveitaria para imprimir mais velocidade, os ciclistas se surpreendiam com perigosas pontes em madeira.



O fundamental apoio ao grupo coube aos solícitos Adriano Fioresi, Dilma Barbosa e Luciano Baia. Eu me encarreguei apenas de registrar em fotos e vídeos o esforço dos insanos ciclistas.



Mesmo encarando sol causticante, intensa poeira e inesperada chuva na parte final do trajeto, Washington, Coutinho e Junior, com raras paradas para descanso, conseguiram finalizar a peleja em pouco mais de um dia.



Acompanhei e testemunhei grande parte do roteiro, suficiente para compreender porque essa ciclomaluquice ganhou o apelido de PEDAL DA LUA DE MEL. Afinal, no brutal e desafiante percurso, como nos dias após o casamento, os guerreiros ciclistas encararam uma foda atrás da outra.



(imagem Google)


terça-feira, 18 de outubro de 2016

949 - ARTILHARIA (Blog há 7 anos)


     O menino que nasceu Raimundo se transformou em João Sem Braço logo após passar pelo infortúnio de perder o membro superior esquerdo em um acidente. Mas a falta do braço não impediu o conhecido varzealegrense de atirar de baladeira, jogar sinuca e realizar com habilidade outras atividades que em regra exigiriam a utilização dos dois membros.

     Em um campeonato realizado na quadra de esportes da Escola Presidente Castelo Branco, João Sem Braço foi escalado para jogar futebol de salão, hoje futsal, pelo time de alunos do Colégio São Raimundo Nonato.

     A equipe iniciou bem o campeonato, mas, na última partida, contra o rival Presidente Castelo, sofreu dois gols ainda no primeiro tempo. Descontrolado, João Sem Braço, para surpresa da torcida, passou a chutar contra a baliza defendida pelo goleiro do seu time. Bastava a bola chegar aos seus pés que o descontrolado jogador chutava fortemente contra o próprio patrimônio. Após sofrer uns cinco gols contra, o técnico finalmente pediu um tempo e, com rispidez, se dirigiu ao seu atleta;

     - João Sem Braço, você ficou doido? Por que ta fazendo gol contra?

     Com seu jeito irreverente, o jogador apresentou sua justificativa:

     - Já que vamos perder o campeonato, quero ser pelo menos o artilheiro.



Colaboração: Klébia Fiúza

(imagem Google)

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

948 - CICLOEXPEDIÇÃO DO RIACHO DO MACHADO AO VELHO CHICO



     "Nasci pela Ingazeiras,

     Criado no oco do mundo.

     Meus sonhos descendo ladeiras,

     Varando cancelas,

     Abrindo porteiras..."


     Pedalando por 560km pelos terrenos secos  e acidentados do sertão nordestino, na  CICLOEXPEDIÇÃO DO RIACHO DO MACHADO AO VELHO CHICO, me peguei várias vezes cantarolando esses versos do cearense Ednardo.

     
     Eu, Lanussi, Jorgin, Reginaldo, Carlin, Batista, Thales e Lamark, todos do cariri cearense, neste mês de outubro de 2016, saímos de Várzea Alegre-CE, terra do intermitente Riacho do Machado, e, após setenta e quatro horas queimando pneu de bicicleta pelo semiárido do Ceará, Paraiba, Pernambuco, Bahia, Alagoas e Sergipe, alcançamos as margens do belíssimo Rio São Francisco, na cidade alagoana de Piranhas.

     No difícil percurso, nas noites de descanso, recuperamos as energias em pousadas de Barro-CE, Salgueiro-PE e Petrolândia-PE


     Vivemos dias de hercúleo esforço, intensa emoção e grata superação. Para cumprir a planejada meta contamos com o fundamental apoio de vários colaboradores e com a estrutura disponibilizada por meu irmão Luiz Fernando.


     Ainda vestidos com as armaduras(camisas)  do evento e ao lado de nossas bicicletas, no Centro Histórico da cidade de Piranhas, na Cachaçaria Altemar Dutra, comemoramos o inesquecível feito.


     No fim da noite, extenuados e felizes, nos dirigimos ao hotel para o merecido descanso. Ali, como em todos os lugares que passamos, as pessoas se admiraram e elogiaram a nossa coragem. Um jovem e humilde funcionário do estabelecimento, ao escutar breve relato do nosso longo percurso, falou:


     - Meu avó também já foi duas vez numa barra circular* daqui até o Juazeiro pagar promessa pro Pade Ciço.


     Eu, ainda retirando alguns equipamentos da minha moderna e levíssima bicicleta de carbono, cantando vitória por nosso insuperável feito retruquei:


    - Com certeza seu avô demorou mais duma semana pra chegar daqui de Piranhas no Juazeiro do Norte,  ?


      O jovem rapaz respondeu:


     - fez em três dia e três noite, descansado pouco e dormindo ao relento no mei da estrada...


* modelo simples de bicicleta da marca Monark
(Imagem Google)

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

947 - DESPERTADORA



     Em minha vida, por dádiva de Deus, gozo sempre do privilégio de conviver com pessoas especiais, que me ensinam, me acolhem, me estimam, e, sobretudo, me toleram.

      Por alguns anos, na década de 1980, morei em Fortaleza com minha avó materna Maria Amélia. Ela, professora aposentada, tutora de vários filhos e netos, me tratava com regalia, me mimava, me punha dengo. Porém, como todos nós humanos, desenvolveu algumas manias. Mantinha hábitos como acordar bem cedo e, de certo modo, se incomodar com aqueles que amanheciam o dia dormindo.

     Eu, naquela época, estudante do período noturno, nem todo dia precisava levantar cedo e informava com antecendência à minha querida avó os dias da semana que possuía atividade no início da manhã. Para facilitar a comunicação avó-neto, colava na porta do meu quarto uma agenda escrita em letras garrafais com os horários dos meus compromissos semanais.

     Minha avó, esbajando vitalidade, iniciava sua rotina diária na madrugada. Ainda escuro, rezava o terço, ouvia programas de rádios, arrumava os guarda-roupas, mexia em sacos plásticos e trocava móveis de lugar. E, mal entrava os primeiros raios de sol pela janela do quarto, caso todo esse barulho não bastasse para  despertar o sonolento adolescente, ela ia à minha cama, me sacodia e perguntava:

     - Flavin? Flavin? Hoje é dia de te acordar cedo????

(Imagem Google)

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

946 - ÚLTIMA MERENDA (blog há 7 anos)


         Francisco Basil de Oliveira, ferreiro aposentado, ganhou fama em Várzea Alegre pela maneira cômica de contar histórias simples do cotidiano cearense. Nada escapava da suas narrativas, nem mesmo momentos críticos e delicados da existência humana. Sobre a certeza da morte, o espirituoso e realista Chico Basil costumava dizer:

         - O rim de morrer é não poder espantar as moscas.

        Entre suas várias histórias sobre a viuvez, o ferreiro contava como verdadeira uma acontecida há vários anos no Riacho Verde, progressista distrito varzealegrense.

        Certa tarde, uma velha senhora cuidava de seu moribundo esposo que sofria em uma rede. O pobre enfermo, respirando com dificuldade, disse:

        - Muié, pelo cheiro tu tá fazeno bolo de caco, ? Me dê um pedacin.

        Enxugando a testa do febril esposo, ela argumentou:

       - Mas Zé, que é que eu vou servir na boca da noite, quando o povo começar a chegá pa teu velório?


*colaboração: Antônio Alves da Costa Neto
(imagem Google)

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

945 - LAGOSTA (Blog há 7 anos)


     Depois de estudar alguns anos no Colégio Agrícola de Lavras da Mangabeira, o varzealegrense Paulo Danúbio se mudou para Fortaleza no início da década de setenta. No Liceu do Ceará, foi cursar o primeiro ano do ginasial – hoje sexta série do ensino fundamental.

     O aluno, que mais tarde se formou em biologia pela Universidade Estadual do Ceará e se tornou um bem conceituado professor, adorava as aulas de ciências. Já nos primeiros dias, logo que chegou ao tradicional colégio da Capital Alencarina, buscou participar ativamente das aulas. Certo dia, a professora de ciências, falando sobre os aspectos alimentares e nutricionais dos crustáceos, fez uma pergunta aos alunos:

     - Quem aqui da sala já comeu lagosta?

     Para a surpresa da educadora, o aluno Paulo Danúbio foi o único a levantar o braço.

     - Mas, Paulo. Você acabou de chegar do interior, não sabia que os crustáceos faziam parte da culinária de Várzea Alegre.

     - Desculpa, professora, eu não entendi direito. Lagosta era uma jumentinha que vivia lá pelos tabuleiros, perto do colégio agrícola das Lavras.




(imagem Google)

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

944 - LANTERNINHA (Blog há 7 anos)


     O sinal de televisão com qualidade, sem chuvisco e chiado, demorou a chegar ao sertão cearense. Somente no final da década de setenta, com o surgimento das antenas parabólicas e outros meios modernos de retransmissão, foi que passamos a acompanhar com regularidade os programas televisivos.

      Em férias escolares, quando eu viajava para Fortaleza me contentava em ficar o dia inteiro diante do aparelho de televisão vendo desenhos animados. Nada desviava minha atenção da Pantera Cor de Rosa, do Tom e do Jerry ou do Marinheiro Popeye. E se a televisão em preto e branco de minha avó Maria Amélia já me encantava, imagine ver uma comédia infantil na tela gigante de um moderno e confortável cinema. Pois, em uma dessas viagens, no ano de 1977, meu tio Paulo Danúbio me levou junto com meu primo Sergio Ricardo para assistirmos no famoso cine São Luiz ao filme campeão de bilheteria daquele ano: O Trapalhão Nas Minas do Rei Salomão.

     Encantados com a beleza do cinema, eu e Serginho nos divertíamos com as graças e estripulias dos personagens de Renato Aragão, Dedé Santana e Mussum. No meio do filme, fomos surpreendidos com um avião de papel que voara pela projeção e caíra sobre nós. Eu, de imediato, apanhei o avião, e o arremessei novamente. A sombra do avião foi projetada na grande tela.

     Pouco tempo depois chegou um senhor com uma lanterna na mão e chamou tio Paulo.  Os dois conversaram baixinho por algum tempo. Embora concentrado no filme, eu percebi que meu tio gesticulava muito e nos apontava insistentemente.

     Logo na saída do cinema, ainda na movimentada e tradicional Praça do Ferreira eu perguntei:

     - Ti Paulo, o que aquele homem da lanterna queria com o senhor?

     - Comigo nada. Ele queria era botar vocês pra fora. Não pode jogar papel pra cima. Atrapalha o filme. Ele só desistiu quando eu disse a ele assim: “Seu lanterninha esses mininos vieram do interior. Viajaram quase quinhentos quilômetros só pra ver os Trapalhões”.


(imagem Google)

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

943 - BAIÃO 'VERSUS' PIZZA (Blog há 7 anos)


     Com cerca de quatorze anos de idade, no à época isolado sertão cearense, meus hábitos alimentares eram bem ortodoxos. Em casa, como comum, o fogão funcionava de acordo com a rotina do mercado de carnes da cidade. Em cada dia da semana minha mãe servia um prato diferente. Lembro que toda sexta, dia da matança dos animais, tinha fígado de boi no jantar. No almoço do sábado, apreciávamos a “carne batida”, conhecida em outros lugares como picadinho. A deliciosa galinha caipira só enfeitava o cardápio do almoço dos domingos.

          Hoje lembrei que graças ao meu padrinho José Iran Costa conheci a culinária de outros lugares. Eu estava no Crato para passar apenas o dia curtindo o parque de exposições, e Iran Junior e seu pai convenceram meus genitores para que eu ali permanecesse no tradicional evento do interior nordestino.

          Assim eu fiquei por mais uns dias no progressista Crato junto com doutor Iran e sua família. Foram dias inesquecíveis, repletos de divertimentos e novidades. Em um fim de tarde, fomos a um restaurante e nos foi servido algo diferente. Uma massa com coberturas coloridas trazida em uma forma arredondada. Eu estava sendo apresentado à pizza. Quando madrinha Lolanda me ofereceu o tradicional prato italiano, eu, garoto tímido, mesmo sem nunca ter provado da estranha comida, por não saber sequer como me servir, disse:

          - Obrigado madinha, eu num gosto de pizza.

          Assim, eu jantei com o meu padrinho Iran um tradicional baião de dois, enquanto com o canto do olho observava seus filhos Guilherme e Iran Junior, usando estranhos molhos vermelhos e amarelos, degustar a aparentemente saborosa massa italiana.

(imagem Google)