sábado, 31 de julho de 2010

221 - CUIDADO COM O ÔNIBUS





 
            Helena, uma conhecida personagem das ruas de Várzea Alegre, apresentava transtornos mentais que dificultavam seu entendimento sobre o mundo, inclusive a respeito dos riscos que a vida moderna apresenta.

            Certa tarde, na década de 80, pela área urbana da movimentada rodovia do algodão, na altura da rua do capim, Helena caminhava despreocupadamente pelo meio da pista de asfalto. Ao ver a arriscada cena, uma atenta moradora, temendo grave atropelamento, alertou:

           - Helena, sai do mei da pista, cuidado com o Crateús*.

            A caminhante, com ar de repulsa, deu uma rabiçaca* e falou:

            - Nan...Ele sabe qu’eu sou operada...



* Conhecida empresa de ônibus que há muito tempo circula com rapidez pelas estreitas rodovias do interior cearense.

*No dicionário cearês significa virar o rosto violentamente em sinal de desprezo. (http://www.dicionarioceares.50webs.com/r.html)

(imagem Google)



sexta-feira, 30 de julho de 2010

220 - A GOLA DO VESTIDO




         Minha avó materna Maria Amélia Gonçalves Costa deixou preciosos ensinamentos para todos os seus descendentes. Na sua casa, em Fortaleza, a professora aposentada acolheu e se dedicou à educação de alguns seus netos. Muitos, como eu, ainda adolescentes, deixaram a pequena cidade natal para estudar na capital cearense.

          Com sabedoria, minha querida avó desenvolveu uma técnica especial para codificar sua conversa ao telefone. Para evitar constrangimentos e disfarçar o assunto tratado, quando falava com as filhas sobre algum neto ou neta que estava por perto, ela dizia:

        - Sabe, Socorro, a “gola do vestido” tá do mesmo jeito...

       Por cautela, sempre cifrava o diálogo:

       - Pois é, Terezinha, a “manga da camisa” não tem jeito... Minha filha, quanto à “gola de vestido”, só pessoalmente...

        No início da década de setenta, quando sua filha Maria Zélia iniciou relacionamento com José Macedo, a professora aposentada já inovava na maneira de alertar sobre o momento de suspender o namoro da noite. Na época, como ainda costume no rádio, nos intervalos da programação, a TV Ceará (canal 2) informava o horário. Para alertar sobre o avanço da hora sem melindrar o cortês namorado de sua filha, a conhecida varzealegrense aumentava bastante o volume do seu velho televisor colorado no momento em que o locutor da TV Ceará falava:

         - Macarrão Fortaleza informa: na Capital Alencarina são exatamente vinte e uma horas e trinta minutos.



Colaboração: José Macedo de Santana

(imagem Google)

terça-feira, 27 de julho de 2010

219 - RABO DE BURRO




           Em uma noite da segunda metade do século passado, na casa situada na antiga Rua do Juazeiro (atual Rua Doutor Leandro), Zé Vieira do Chico observava suas netas se preparando para uma concorrida festa que aconteceria no tradicional Clube Recreativo de Várzea Alegre - CREVA. Percebendo a incontida animação das jovens, o experiente agricultor alertou:

            - Tomem cuidado. Tem muito rabo de burro* por aí.

          Mesmo retocando a maquiagem, uma das netas respondeu carinhosamente:

           - Vozin, não se preocupe não. Ninguém vai tirar pedaço da gente não.

           O velho agricultor, com sua sagacidade, retrucou:

          - Vozin num tá com medo de arrancar pedaço não. Vozin tá preocupado é deles botar um pedaço em vocês.





* Rabo de Burro – expressão usada no sertão cearense que significa rapaz de má conduta molestador de inocentes e virgens moças.

Colaboração: Francisco de Souza Sobrinho

(imagem Google)

domingo, 25 de julho de 2010

218 - AVC



         O varzealegrense Francisco das Chagas Bezerra, popularmente chamado Chico Piau, sempre viveu intensa e despreocupadamente. Destemido, desde jovem desafiava o perigo, inclusive montando em cavalo brabo.

         Porém, ainda novo, pouco depois de cruzar a barreira dos cinquenta anos, Chico sofreu um AVC - Acidente Vascular Cerebral, conhecido como derrame. Mesmo comprometendo a parte motora, a lesão cerebral sofrida não afetou o aguçado humor do varzealegrense.

        Após um período hospitalizado, o paciente voltou para casa e recebeu a descontraída visita de Antônio Ulisses. Na conversa, o amigo perguntou;

        - Chico, o que você sentiu? Como é esse AVC?

       - Antônio Ulisses, é simples. A gente só sente uma moleza e grita: Ai Vou Cair.



(Imagem Google)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

217 - ARROZ DOCE



          Prosseguindo em umas das muitas atividades desenvolvidas por seu avô materno, Antônio Ulisses por muitos anos comprou oiticica e algodão dos agricultores de Várzea Alegre. Com o fim da safra e o velho armazém abarrotado dos produtos agrícolas, o corretor revendia-os a Inácio Parente, próspero usineiro com negócios em Iguatu.

           Por conta desse intenso comércio, Antônio Ulisses realizava algumas viagens ao vizinho município onde encontrava Inácio Parente. Certa manhã, no início da década de oitenta, após tratar dos preços dos produtos agrícolas, o rico usineiro convidou o corretor varzealegrense para almoçar no recém inaugurado restaurante La Barranca, localizado em Iguatu em privilegiada margem do Rio Jaguaribe.

          Logo ao entrar Antônio Ulisses estranhou o refinado restaurante. Acostumado a comer em modestos cafés e em boxes do mercado público da sua Várzea Alegre, o corretor sentiu-se perdido e desconcertado no interior do chique estabelecimento. Naquele dia, os garçons serviam apenas as carnes diretamente na mesa. Para se abastecer dos outros pratos o cliente se dirigia a um farto buffet instalado no meio do restaurante.

         Sempre muito apetitoso, Antônio Ulisses foi até as guarnições do buffet e passou a se servir. Mesmo diante de enorme variedade de comida, encheu logo seu prato com arroz e feijão. Em seguida, o convidado passou direto para o balcão de sobremesas e, sem saber que era um doce, colocou porções de pudim de leite sobre a montanha do seu prato. Entranhando a atitude do corretor, o educado Inácio Parente, com discrição, alertou:

       - Meu caro Antônio Ulisses, esses doces aí a gente só come depois, como sobremesa. Você tá misturando pudim de leite com sua comida?

         Orgulhoso, o matuto corretor não admitiu o engano. Antes de sentar à mesa e ser forçado a comer todo o arroz e feijão com pudim, Antônio Ulisses falou:

        - Seu Inácio eu gosto assim mesmo. Vez por outra eu como um pudinzin junto com arroz.



Colaboração Irapuan Costa.
(Imagem Google)

quinta-feira, 22 de julho de 2010

216 - O REVÓLVER DE ZÉ VIEIRA





          Em um fim de tarde, na segunda metade do século passado, no sítio Chico, conhecida zona rural de Várzea Alegre, um andarilho bateu à porta da casa do agricultor Joaquim Fiúza e pediu um copo d’ água. Ao perceber a situação de penúria e o visível cansaço do caminhante, o hospitaleiro sertanejo também lhe ofereceu um prato de comida e um local para atar a rede e passar a noite. Após saciar a sede e a fome, o esquisito homem falou pouco. Disse apenas que caminhava sozinho de Canindé ao Juazeiro do Norte cumprindo uma promessa.



          Um pouco mais tarde, já noite, quando se preparava para dormir, Joaquim Fiúza passou a temer o estranho e calado romeiro que abrigara em um canto da sala de sua casa. Por cautela, após combinar baixinho com a esposa Izabel, para causar temor ao romeiro deitado no cômodo ao lado, de dentro do quarto, separado da sala apenas por meia parede*, o agricultor travou com a mulher um diálogo sobre fantasiosa arma:



           - Izabel, cadê o revolver que pedi emprestado de Zé Vieira?



            - Taí no baú, Joaquim – respondeu, Izabel.



            - E tá carregado? – continuou, o agricultor.



            - Tá chein de bala. – afirmou com segurança a dona de casa.



            No dia seguinte, logo cedo, antes dos primeiros raios de sol, o humilde romeiro, no cumprimento da promessa iniciada na cidade cearense de Canindé, seguiu sua penosa caminhada em direção à terra do Padre Cícero.



           Quando soube da história, o agricultor Zé Vieira, com sua sabedoria matuta e humor refinado, imediatamente reclamou:



           - Joaquim, num proceda mais assim não. Você me deixou desprotegido, desarmado.



* parede interna que não vai até o telhado

Colaboração: Francisco de Souza Sobrinho

(imagem Google)

terça-feira, 20 de julho de 2010

215 - VOTO DE LONGO PRAZO




        O egoísmo torna o homem impaciente e ansioso pelo pronto atendimento dos seus pleitos. Com os políticos as características imediatistas e excludentes se apresentam ainda com mais força. Para muitos só há dois grupos de pessoas: os que os apóiam e os que não os apóiam.

       Mas Joaquim Alexandrino, conhecido com Joaquim Vermêi, mestre de obras, do sítio Chico, com pouco estudo, na segunda metade do século passado, com visão eleitoral de longo prazo foi por diversas vezes vereador no município cearense de Várzea Alegre.

          Na intensa e difícil campanha para reeleição à Câmara Municipal o vereador visitava os eleitores em suas casas e disputava o voto no trabalho de corpo a corpo.

          Muitas vezes, para tristeza do candidato, alguns eleitores diziam:

         Seu Joaquim, me adesculpe, eu já tenho compromisso com outro candidato nessa eleição.

        O experiente político não mostrava desagrado ou decepção com a negativa e nem perdia a oportunidade da visita. Já pensando nos futuros pleitos, insistia:

         - Seno assim me agaranta pra próxima.



Colaboração: Eliana Maria Araújo O. Bezerra (Vereadora Eliana)

(imagem Google)

segunda-feira, 19 de julho de 2010

214 - O ELEGANTE ANCHIETA




        Ainda não descobriram maneira mais eficaz e prazerosa para conhecer as pessoas de um lugar. Caminhando despretensiosamente pelas ruas das cidades você encontra não só o povo comum, mas também personagens interessantes e diferentes.

       No sertão cearense, na Secretaria de Cultura do Município de Várzea Alegre, há uma homenagem a essa gente especial, com o resumo da história de cada uma delas.

        Nas tranqüilas, estreitas e acidentadas ruas da cidade de Várzea Alegre, circularam personalidades distintas como o paquerado seresteiro José de Anchieta Ferreira Leite, que iniciou curso de medicina em faculdade do Rio de Janeiro. Sua biografia, registrada na secretaria municipal, também inclui a incursão na música e participação, na década de 50, como figurante em filmes como “Tira a Mão Daí” e “O Massagista da Madame” .

       Anchieta, como conhecido, já adulto,desenvolveu um problema mental que interrompeu a sua vida acadêmica e artística na Cidade Maravilhosa.

       De volta a Várzea Alegre, na segunda metade do século passado, mesmo doente, sempre reaparecia pelas sossegadas ruas da pequena cidade com seu andar elegante, usando camisa de pano passado e com a calça bem acima da linha da cintura. De repente, Anchieta entrava na bodega de Luiz Silvino, no centro comercial, e, com fineza e elegância, encostava-se ao velho balcão de madeira e perguntava:

       - Luiz, aí tem cigarro a folote* que me dê um?





* expressão usada em Várzea Alegre com o significado de “sobrando”, “em excesso”.

Ilustração: Danilo Macedo Marques http://www.danilomarques.com.br/
Colaboração: Luiz Cavalcante(Luiz Silvino)

domingo, 18 de julho de 2010

213 - LEMBRANÇA DE PAPAI




          Alguns antigos e saudáveis hábitos mereciam uma proteção legal contra o cruel processo de extinção. Dentre esses costumes um já provoca enorme falta: a conversa na calçada. Muito motivos, sobretudo a agitada vida moderna e a violência das grandes cidades, já não permitem esse interessante encontro. Felizmente, nas pequenas localidades do interior brasileiro os moradores ainda persistem no agradável momento de confraternização.

          Em um desses preciosos encontros, aguardando as solenidades da Sala de Leitura José Cândido Dias, no simpático distrito de Mangabeira (São José), município cearense de Lavras da Mangabeira, ingressei em uma prazerosa roda de conversa na freqüentada calçada do político Alfredo Lemos. Várias pessoas participaram do animado papo, entre as quais o advogado João Gonçalves de Lemos, os poetas José Telles e Israel Batista, e o meu primo e irmão André Costa Tanaka, também causídico.

        Ali, no divertido bate papo, entre várias histórias, ouvi uma acontecida na época da morte do agricultor Thomaz de Lemos, no final da década de 1950. Segundo os irmãos João e Alfredo Lemos, logo após a morte do pai, os inúmeros filhos se reuniram no distrito lavrense para dividir os bens móveis não inventariados. Doutor Manoel Gonçalves de Lemos, dedicado médico radicado na vizinha Várzea Alegre, olhou para o precioso relógio de parede e disse:

       - Eu queria levar uma coisa que lembrasse papai. Vou ficar com esse relógio. É mesmo que tá vendo ele.

       Maria Gonçalves Lemos, conhecida como Mariquinha, filha e herdeira de Tomaz, também muito espirituosa, de chofre, respondeu:

       - Deca*, pois leve a bengala, parece demais com papai. Ele não se separava dela de jeito nenhum.



*apelido carinhoso do médico Manoel Gonçalves de Lemos (Dr. Lemos).

(imagem Google)

sábado, 17 de julho de 2010

212 - CAPTANDO RECURSO




         A amizade entre o agricultor José de Souza Lima ( Véi) e o proprietário rural Francisco Fiúza de Lima (Fatico) rendeu muitas e interessantes histórias em Várzea Alegre, pequena cidade do interior cearense.

        Certo dia, na década de setenta, um inconveniente conterrâneo, ao presenciar Véi “captando recursos”, observou:

         - Véi, você já tem uma dívida grande com Fatico. Toda hora você pede dinheiro a ele.

        O simples agricultor, com seu humor característico, respondeu:

       - De jeito maneira. Fatico é que me deve um bocado. Toda vez eu peço dez e ele só me dá cinco.



Colaboração: Raimundo Santiago
(imagem Google)

terça-feira, 13 de julho de 2010

211 - ESTRONDO


        


         Nas desembocaduras de alguns rios da região amazônica, como na do Rio Araguari, no Amapá, ocorre a impressionante Pororoca. O fenômeno, que em tupi-guarani também significa estrondo, ocorre no encontro das correntes fluviais com as águas do oceano Atlântico. A força das ondas provoca um barulho ensurdecedor e inconfundível, escutado a quilômetros de distância.

        Certo dia da década de noventa, depois de uma animada “Festa de Agosto” em Várzea Alegre, o funcionário público Raimundo Luiz Sobreira de Oliveira curtia uma enorme ressaca cochilando em uma rede. De repente, Mundin, como conhecido, foi despertado por um enorme barulho. Os estampidos soavam cada vez mais fortes. Assustado, viu sua esposa Carla Menezes entrar no quarto e perguntou:

          - Que estrondo é esse, Carla? Calabaça já tá soltando os fogos da procissão de São Raimundo?

          - Nada não Mundin. Tou comendo umas “cream cracker” – respondeu Carla, ainda com a boca cheia e mastigando as famosas e crocantes bolachas da Fábrica Fortaleza.



Colaboração: Antônio Gerson Bezerra de Morais (Pirocha)
(imagem Google)

domingo, 11 de julho de 2010

210 - INTELIGÊNCIA CONJUGAL




        Francisco das Chagas Bezerra, varzealegrense conhecido como Chico Piau, mesmo com a vida um pouco desregrada, superou todas as crises do seu casamento com Lourdes Rocha. Com humor inteligente e espirituosidade, conseguiu administrar os momentos conflituosos da vida conjugal.

         Certa manhã, depois de passar a noite fora, Chico resolveu continuar a bebedeira em casa, para onde levou alguns amigos. Ao ver a situação do esposo, Lourdes passou calada pela sala onde estavam os farristas e foi até a cozinha. De lá resmungou:

         - Eita Chico vida boa, Chico sem futuro, Chico apresentado. Chico, tu me paga...

           Esbanjando seriedade, Chico Piau olhou para os seus incomodados amigos e falou:

            - Essa muié é assim. Passa o dia todin brincando com esse macaco no quintal.


Colaborador: Reginaldo Correia

sábado, 10 de julho de 2010

209 - EXIGENTE



        Os padrões de beleza mudam de acordo com o lugar e o nível social dos frequentadores. Quanto mais requintado e luxuoso o ambiente, maior a exigência estética.

        Por isso que o bem-humorado médico varzealegrense Cézar Costa costuma dizer que os hotéis cinco estrelas são ocupados por pessoas “desencardidas”, bem diferentes do simples e sofrido povo do sertão.

        Também em Várzea Alegre, na Praça do Abrigo, em uma noite da década de 90, um grupo de amigos admirava a beleza de uma jovem conterrânea que por ali passava. Depois de ouvir atentamente a opinião de todos, Darlan Fiúza, em uma das suas espirituosas tiradas, contestou:

        - Que conversinha é essa! Muié só é bonita quando realça no Iguatemi*.

* conhecido shopping de Fortaleza.

(imagem Google)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

208 - BANQUETE PARA OS "PAULISTAS"





        Seguindo a rota dos nordestinos do sertão, muitos varzealegrenses migraram para São Paulo em busca de novas oportunidades de trabalho. Mas depois de algum tempo, quando, em férias, voltam à cidade natal são recebidos com festa e alegria pelos familiares e conterrâneos.

         Certo dia da década de 1970, no sítio Bueno Aires, em Várzea Alegre, o proprietário rural Francisco Fiúza de Lima (Fatico) e sua esposa Francisca Gonçalves Fiúza (Risalva) prepararam um verdadeiro banquete no almoço para oferecer a um grupo de parentes e amigos que acabara de chegar de São Paulo. A mesa estava repleta de deliciosos pratos preparados especialmente para os visitantes.

         José de Souza Lima, modesto agricultor de apelido Pé Véi, sentado em um banco no canto da sala, observava os conterrâneos se empanturrar com a comida oferecida pelos seus patrões Fatico e Risalva. Em certo momento, um dos visitantes finalmente chamou Pé Véi para próximo da farta mesa e perguntou:

         - Você tem vontade de ir pra São Paulo, Pé Véi?

        O agricultor, sem desviar o olhar de uma apetitosa porção de galinha caipira servida para os visitantes, com água na boca, respondeu:

         - Tenho não. Tenho vontade é de chegar do Sunpaulo.


(imagem Google)



quarta-feira, 7 de julho de 2010

207 - APOSENTADO





        Grande parte das cidades do interior cearense movimenta sua economia com o dinheiro oriundo da aposentadoria rural. Após dezenas de anos de trabalho árduo no campo, o homem simples do sertão espera ansiosamente pela liberação dos seus merecidos proventos através do órgão previdenciário.

        No início da década de 1980, depois de alguns meses aguardando a burocracia autorizar o primeiro pagamento, José de Souza Lima, de apelido Véi, se dirigiu finalmente à agência do Banco do Brasil de Várzea Alegre para receber o ansiado aposento.

         Sem esconder a satisfação, o modesto agricultor recebeu o dinheiro da funcionária da casa bancária e pôs o maço de cédulas imediatamente no bolso da calça. A gentil caixa, então, orientou:

        - Seu José, é bom o senhor conferir o valor que tá recebendo.

        - Carece não, já tou sastifeito só com a capa – respondeu Véi, com incontida alegria.



(imagem Google)

terça-feira, 6 de julho de 2010

206 - BARBAS DE MOLHO





        Em uma manhã de sábado da década de 1970, dia de feira e movimento na pequena cidade do interior cearense, José de Souza Lima, agricultor varzealegrense conhecido como Pé Véi se aproximou de seu patrão e pediu:

       - Fatico, me dê cinquenta cruzeiro pra mode eu tirar o cabelo e aparar a barba.

       - Mas Pé Véi, pra que tanto dinheiro? - perguntou Francisco Fiúza de Lima, o proprietário rural de apelido Fatico.

        - É que tenho de pagar Vicente Cezário, Pacin, Vicente David, Antôi Bento, Raimundo Inácio...- listou o vivaz  personagem de Várzea Alegre.

        - Hômi, então vá num barbeiro que você não deva ainda. – aconselhou Fatico.

       - Me dê cem cruzeiro, apois assim preciso pegar um transporte pra tirar a barba e o cabelo no Cedro*.


* cidade localizada no centro-sul cearense, a 40 km de Várzea Alegre.

(imagem Google)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

205 - A LIÇÃO DA COBRANÇA



        Atualmente os modernos escritórios de cobrança possuem enorme e eficiente estrutura. Com pessoal qualificado, uso de novas tecnologias, os cobradores se especializaram em recuperar passivos das empresas.

        Em Várzea Alegre, no sertão cearense, no final da década de 1970, um marchante do mercado de carnes mandou um desaforado bilhete de cobrança para Oliveira Brito, agricultor conhecido como Vêra.

        O espirituoso varzealegrense olhou fixamente para o escrito no pedaço de papel e, com sua voz alta de matuto desinibido, falou ao portador:

       - Hômi, diga a seu patrão que não me impressiono com isso não. Eu aprendi a ler com os biête de cobrança que Inacin* mandava pra eu.

* Inácio Gonçalves da Costa, comerciante do ramo de tecido em Várzea Alegre.
(imagem Google)

domingo, 4 de julho de 2010

204 - O SAMBA DAS GUEDES



        Em todas as épocas os jovens buscam formas, maneiras e lugares para se divertir. Como nos antigos bailes e tertúlias, atualmente se encontram em agitados eventos denominados Rave’s, com muita música mecânica e incontida animação.

        Nas décadas de 1940 e 1950 os rapazes de Várzea Alegre se divertiam em uma modesta casa situada na Rua Doutor Leandro, antiga Rua do Juazeiro. Ali, aos sábados e domingos, as irmãs Almerinda e Alice promoviam um evento que se tornou conhecido como o Samba das Guedes.

        Durante o dia, Almerinda e Alice Guedes eram exímias engomadeiras. No ferro à brasa passavam os paletós de linho branco dos elegantes homens da época. Nas noites de sábado e domingo, em sua casa, sob a iluminação de candeeiros à querosene, vendiam bebida e recebiam os rapazes em uma reunião animada pela harmônica do grande músico Bié.

        No animado samba da pequena cidade cearense, jovens da época como Sérgio Carvalho, Zé Carvalho, Edvar Moreno, Luiz Diniz, Barroso, Manoel Bezerra, Zé Menezes, Andre Menezes e Zé Rolim marcaram presença.

        Meu querido tio Sérgio Carvalho se anima quando fala sobre a sua juventude e lembra que não era bom dançarino, mas mesmo sem ser um “pé de valsa” não perdia o concorrido “Samba das Guedes”.

 
(imagem Google)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

203 - SALTO NO FUTEBOL(Republicado)



       A grande maioria dos comentaristas esportivos aponta a seleção brasileira de futebol da copa do mundo de 1982 na Espanha como uma das melhores de todos os tempos. Daquele escrete canarinho participaram craques como Zico, Falcão, Sócrates, Oscar e Junior, jogadores que escreveram sua história no futebol.

       Depois de mais de vinte anos de espera por um título, o país inteiro sonhou com a conquista do tetracampeonato através do selecionado comandado pelo brilhante técnico Telê Santana.

       A seleção iniciou a competição de maneira arrasadora, vencendo sucessivos jogos e eliminando adversários de peso como a temível Argentina. A cada partida a nação se cobria ainda mais de verde e amarelo.

      Contudo, no dia 5 de julho, em Barcelona, sucumbimos diante da surpreendente seleção italiana. Em dia inspirado do atacante Paolo Rossi, os italianos venceram os brasileiros por três gols a dois.

      Milhões de torcedores brasileiros choraram com a inesperada derrota da seleção. A sensação era de luto, de perda de um título que o mundo já considerava do Brasil.

      Na casa da minha querida avó Maria Amélia, mesmo com o final da partida, todos permaneceram anestesiados, sem saber o que dizer ou comentar, apenas ouvindo a voz do famoso locutor de TV Luciano do Vale. Minha avó, que assistira ao jogo sentada em sua cadeira de balanço e de costas para a televisão, buscou justificar a eliminação e consolar os tristes expectadores. Arrotando conhecimento sobre o futebol, a robusta torcedora, vestida em seu “robe” característico, comentou:

      - Também, depois que João do Pulo perdeu a perna eu não acreditava mais nessa seleção.