terça-feira, 31 de agosto de 2010

239 - PRIMEIRO AMOR







          No final da década de 1960, Joel ainda vivia em sua cidade natal, a pequena Francisco Santos, no sertão piauiense. Naquela época, o tímido e raquítico garoto sequer iniciara nos originais e marcantes namoros da adolescência. Nem mesmo havia paquerado as garotas do local.

          Porém, certo dia, tudo mudou. Em uma manhã de domingo, Joel atirava de baladeira em lagartixa pelos monturos em volta da cidade quando seu coração bateu mais forte. Viu passar aquela que seria a sua primeira paixão. No início, a pretendente não lhe deu a mínima atenção. Ao contrário, sempre que Joel se aproximava ela cuidava em se afastar rapidamente.

          Mesmo insistindo, Joel não conseguia qualquer receptividade. Até que em um final de tarde encontrou sua pretendente com um ferimento na perna e se dispôs a ajudá-la. Desde então prestou enorme e dedicada assistência. Limpou e cuidou do ferimento e ainda arrumou comida para a amada.

          Com a confiança adquirida o relacionamento logo evoluiu. Joel finalmente conseguiu um contato mais íntimo com sua namorada, com quem passou a se encontrar diariamente, sempre no mesmo horário.

          Os encontros se tornaram tão frequentes que o experiente pai desconfiou dos constantes sumiços do garoto e resolveu segui-lo. De longe, viu Joel conduzindo sua namorada para um local mais isolado da pequena roça nos arredores da cidade. Como desconfiara, o menino estava mesmo apaixonado. Porém não era com a nora dos seus sonhos. Era preciso uma providência enérgica e acabar logo com o namoro. Afinal, Joel se encantara por uma faceira e saltitante Jumentinha.



Colaboração: José Joel Rodrigues dos Santos

(imagem Google)

sábado, 28 de agosto de 2010

238 - CARRO PRÓPRIO





        Poucas situações excitam tanto a vaidade humana quanto a compra de um carro novo. Não bastasse o conforto e a comodidade que o meio de transporte oferece, o carro é também um indicador de prosperidade do dono. Por isso que minha tia Francisca Cavalcante, Quinha, costumava dizer:

          - Flavin tá bem de vida. Anda de “carro próprio”.

         No final da década de 1990, o contador varzealegrense Francisco Demontiê Batista se agradou da Blazer, luxuoso e confortável utilitário da marca Chevrolet. Tanto que possuiu, seguidamente, três carros do mesmo modelo.

          Naquela época, em Fortaleza, Demontiê trocou uma Blazer de cor prata por outra zero quilômetro de cor azul. No automóvel recém adquirido viajou com a família para acompanhar a concorrida festa de agosto em Várzea Alegre.

          Logo ao chegar à Terra do Arroz, Demontiê se encontrou com o bancário Luiz Bitu e o agricultor Zé de Lula. O bancário convidou os dois para a um churrasco no sítio Sanharol, próximo à cidade:

          - Zé de Lula, vamos aqui comigo – disse Luiz.

         O agricultor, com sua originalidade matuta, mesmo sabendo que a Blazer era nova e vendo que Demontiê sequer retirara os plásticos do banco, retrucou:

        - Luizin, eu vou com Tiê. Depois que Marcão da oficina pintou de azul o carro de Tiê eu ainda num andei nele não.



(imagem Google)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

237 - COALHADA




          Certo dia, em Várzea Alegre, no aprazível sítio Buenos Aires, ao encontrar o agricultor Pé Véi* doente e deitado em uma rede, o produtor rural Francisco Fiúza de Lima (Fatico) recomendou:

          - Pé Véi, você tá meio fraco. É bom ir na rua tomar um soro...

          Com indisfarçável temor de consultar o médico, reforçado por sua conhecida falta de coragem, o espirituoso agricultor, da rede, respondeu:

          - Fatico, se a quaiada que tomo toda boca de noite num resolve, avali o soro.

           A coalhada trata-se de um saboroso alimento resultante da coagulação do leite, bastante apreciado no interior nordestino. E talvez nem Pé Véi soubesse, mas segundo reportagem do Jornal Folha de Pernambuco, “o soro da coalhada é bastante rico em vitaminas e minerais e é tomado puro, em jejum, há milênios em vários países do Oriente Médio e da Europa Oriental”.



* Apelido de José de Souza Lima

Colaboração: Francisco de Souza Sobrinho

terça-feira, 24 de agosto de 2010

236 - ENVELHECER SORRINDO




         Nascida em 1933, no sertão cearense, Rosa Amélia sempre foi uma mulher de destaque em Várzea Alegre. Jovem e bonita, com graça e simpatia, encantou os rapazes de sua geração. Atualmente, com vida social e profissional intensa, continua distribuindo intensa alegria e invejável disposição.

         No fim da década de 1980, em viagem para Fortaleza, na agência de Zé de Ginu, Rosa Amélia se acomodou na primeira poltrona do ônibus da empresa Vale do Jaguaribe. Em certo momento, também entrou no coletivo o agricultor e poeta popular Zaqueu Guedes, seis anos mais velho, e que há muito tempo não encontrava a conhecida conterrânea.

         Zaqueu cumprimentou rapidamente Rosa Amélia e tratou de ocupar um assento no fundo do lotado ônibus. Logo ao sentar, com seu jeito autêntico e caricato, esbanjando indiscrição, gritou:

          - Rosamélia, que foi que aconteceu muié? Deu o cupim, foi? Tu é de que ano?

          Mesmo sem se incomodar com a situação, rindo do comentário do velho agricultor, Rosa Amélia respondeu:

         - Foi, Zaqueu. Deu o mesmo cupim que deu em tu. Tu muito mais véi que eu.



(imagem Google)

domingo, 22 de agosto de 2010

235 - BEM-PARECIDO






          No interior do nordeste, por força de rígidos conceitos machistas, homem jamais pode achar outro bonito. Mesmo que se refira a tipos globais como Giannechini ou Márcio Garcia só se permite falar que o tal homem é bem-parecido. Aquele que teimar em descumprir a regra, usando bonito em vez de bem-parecido, com certeza recebe a pecha de baitola*.

          Nascido em Francisco Santos, pequena cidade do sertão piauiense, ainda adolescente José Joel Rodrigues do Santos migrou para Teresina em busca de novos horizontes.

          No início da década de 1970, na capital piauiense, o raquítico Joel teve a oportunidade de conhecer o famoso cantor Ronnie Von. Apelidado na época pela apresentadora Hebe Camargo como “o Príncipe”, o bem trajado artista ostentava beleza pouco vista sob o causticante sol nordestino. O jovem piauiense se deslumbrou com a apresentação e se impressionou com a boniteza do renomado cantor da “jovem guarda”

          Muitos anos depois, já casado e pais de um casal de filhos, em uma descontraída conversa com amigos, Joel confessou:

        - Naquele dia eu achei Ronnie Von tão bonito, mas tão bonito, que eu tive medo de ser viado.





* palavra inicialmente usada no Ceará e depois em muitas cidades do interior nordestino que significa homossexual masculino.

Colaboração: José Joel Rodrigues dos Santos

(imagem Google)

sábado, 21 de agosto de 2010

234 - O NAMORO DE ZÉ DO NORTE






          Em Várzea Alegre, sertão cearense, meu querido tio paterno José Cavalcante Cassundé desenvolve há décadas o comércio de calçados. Nascido em 1940, desde cedo adquiriu o apelido Zé do Norte. Certamente por falar tão alto que sua voz se compara aos estrondos dos conhecidos e assustadores trovões do norte.

          Por volta de 1956 iniciou um namoro com Maria Luiza Freitas. Bem diferente de hoje, naquela época os relacionamentos consistiam em tímidas visitas à casa da namorada. Assim, no começo da noite, Zé de Norte se dirigiu à residência de sua pretendente e na sala permaneceu sentado em um banco de madeira.

          Depois de mais de uma hora imóvel, sem nada falar, Zé do Norte olhou para a namorada e outras pessoas presentes e, com sua voz retumbante, se despediu:

          - Boaaaaaaaa noite.

          Para surpresa de todos, ao levantar do banco e dar o primeiro passo, todo desajeitado, Zé do Norte caiu de cara no chão. Antes que dona Ritinha, mãe da namorada, se aproximasse para ajudá-lo, o jovem saiu sem olhar para trás. Pulava igual saci, pois o período imóvel ao lado da namorada causara forte dormência em uma das pernas.

          A desastrada queda marcou o fim de um namoro que mal começou. Zé do Norte nunca mais voltou para esquentar o duro banco da casa de sua primeira namorada.



Colaboração: Luiz Cavalcante

(imagem Google)

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

233 - OLHAR "PIDÃO"




          Meu querido tio materno Paulo Danúbio confessa sofrer de um incontrolável e inconveniente costume. Sempre que é convidado para algum jantar ou vai a restaurantes, o conhecido professor não consegue se concentrar na sua mesa e saborear seu próprio prato. O pedido do vizinho de restaurante parece muito mais interessante, atraindo o olhar pidão do mestre.

          Mesmo sem submeter o recorrente comportamento a um especialista, o professor sustenta que o esquisito hábito surgiu na infância. Nos tempos de menino em Várzea Alegre, na década de 1960, Paulo Danúbio, muito apetitoso, não se contentava com a comida servida em casa. Assim, desde cedo, com a fome canina, desenvolveu o costume de espiar as refeições preparadas na casa dos vizinhos mais abastados.

          Naquela época de proles numerosas, as crianças ainda não gozavam da atenção e prioridade alcançada nos dias atuais. Os olhos arregalados de desejo dos pequenos pouco sensibilizavam os adultos. Quando surpreendidos espiando a refeição dos outros ainda sofriam severa repreensão dos pais.

          O bem sucedido professor reconhece que não adianta nem mesmo ir a boas churrascarias e pedir pratos fartos e variados. Por mais que tente se controlar não consegue disfarçar a estranha compulsão e espia indiscretamente a comida servida na mesa vizinha.



(imagem Google)

terça-feira, 17 de agosto de 2010

232 - DOSE DUPLA






            Conversar tranquilamente nos bancos de praça trata-se de um dos programas que mais curto nas frequentes viagens a Várzea Alegre. E quando se tem a companhia de Francisco Basil de Oliveira, o popular Chico Basil, o papo simples se torna ainda mais interessante. No último mês de julho, na Praça do Abrigo, no centro da cidade, o velho e espirituoso ferreiro me contou mais uma de suas simples e divertidas histórias:

          Depois de acordar bem cedo e morrendo de vontade de tomar uma cachaça para “equilibrar os nervos”, um viajante procurou um bar numa isolada área rural do sertão cearense. Pela estrada de chão batido caminhou mais de meia légua até encontrar um pequeno comércio aberto. Ao entrar no acanhado estabelecimento, o forasteiro pediu logo uma dose dupla de aguardente.

          Enquanto o entranho visitante reparava as prateleiras empoeiradas e quase vazias do pequeno comércio, o balconista se abaixou e encheu um copo de cachaça. O esnobe freguês, mesmo tremendo de vontade, mas querendo mostrar superioridade se dirigiu ao humilde balconista apontando para o copo cheio:

          - Na cidade grande, onde moro, não é educado beber a primeira dose. Sirva-se primeiro, rapaz.

          Embora estranhando a pouco convincente cordialidade do visitante, o dono do botequim tomou a cachaça de um só gole. Mal o bodegueiro devolveu o copo vazio para o balcão, o freguês, forçando ainda mais o estranho sotaque, falou:

         - Agora ponha uma caprichada pra mim...

         - Me adesculpa, seu Zé. Num tem mais não. Num quis ser maleducado. Bebi as últimas doses desse derradeiro lito – disse o modesto comerciante mostrando a garrafa vazia e estendendo a mão para receber o pagamento da bebida.

 
(imagem Google)

domingo, 15 de agosto de 2010

231 - LARDÂNIA




            Julio Verne conta a história da volta ao mundo em 80 dias. Certamente, na conhecida aventura, os personagens do escritor francês não passaram nem perto de uma distante cidade fundada pela mente criativa e desequilibrada de um cearense.

            Você pode até conhecer o Japão ou algum lugar do outro lado do planeta. Mas com tempo e disposição ainda poderá ir mais longe.

            Em Várzea Alegre, pequena e conhecida cidade do sertão cearense, Valeriano sustenta com seriedade a existência da longínqua Lardânia e realça a dificuldade para chegar nesse quase inacessível lugar.

           O varzealegrense recomenda que o trajeto seja cumprido por um grande caminhão. Assim, a carroceria vai abarrotada dos pneus necessários para trocar até o destino. O percurso é tão longo que o motorista gasta doze pares de sapatos dirigindo o caminhão. Para refazer a desgastada pintura, só na ida o veículo para por três vezes.

           Apenas uma mente alucinada é capaz de criações tão espetaculares. Inclusive, corre por aí uma forte desconfiança que seu Abel escondeu sua valiosa Pedra de Clarianã lá pelas bandas da Lardânia de Valeriano.



(imagem Google)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

230 - MARIA DOS TIJOLOS






           Maria dos Tijolos viveu por vários anos em Várzea Alegre, distribuindo alegria e ingenuidade. Nascida simplesmente Maria, adquiriu seu incomum sobrenome por passar o dia inteiro circulando pelas ruas oferecendo tijolos de leite. A vendedora, com pouca lucidez, não se incomodava em voltar pra casa com todos os doces na bandeja, pois sua maior satisfação era caminhar livremente pela cidade e conversar com as pessoas.
 
           Aos domingos, na missa da Igreja de São Raimundo Nonato, Maria dos Tijolos adorava escutar o coral cantando os louvores à Nossa Senhora, principalmente o composto pelo talentoso Padre Zezinho:

            “(...) Maria que eu quero bem

            Maria de puro amor

            Igual a você ninguém

            Mãe pura do meu Senhor (...)”

           A vendedora dos doces, de batom vermelho nos lábios de sua desdentada boca, não escondia a satisfação ao ouvir o belo hino. Com um riso tímido e as mãos juntas próximo ao rosto, Maria dos Tijolos se sentia a verdadeira e única homenageada pela bela canção, mesmo alertada por um das cantoras do coral da igreja,:

           - Maria, deixa de ser besta, essa música é pra Nossa Senhora. Num é pra tu não, viu.

 

Colaboração: Israel Batista

(imagem Google)

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

229 - MACUNAÍMA VARZEALEGRENSE





          Macunaíma, conhecido personagem do escritor modernista Mário de Andrade, simbolizou na literatura a indolência nacional. Por sua vez, o agricultor varzealegrense José de Souza Lima, de alcunha Pé Véi, corporificou na vida real a falta de disposição para o serviço pesado.

           Em uma quente tarde do cinzento mês de novembro, época de estiagem no sertão cearense, Francisco Fiúza de Lima, Fatico, recomendou a Pé Véi que cortasse alguns galhos de muquém e desse para alimentar o sofrido gado.

          Ao receber a ordem, o indisposto empregado coçou a cabeça e se dirigiu ao patrão, sugerindo:

         - Fatico, nera melhor mandar fazer uma escada pro gado subir e comer as foias do pé de muquém?



Colaboração: Francisco de Souza Sobrinho

(imagem Google)

terça-feira, 10 de agosto de 2010

228 - TAPA NA CARA






            A barbearia de Vicente Cezário foi durante muitos anos um dos lugares mais freqüentados de Várzea Alegre. Lá, todos os assuntos eram tratados e discutidos. Dos temas políticos aos policiais, nada escapava aos comentários dos assíduos freqüentadores do recinto.

           Embora conhecida como uma cidade ordeira e pacífica, certa noite, na segunda metade do século passado, um morador de Várzea Alegre aplicou uma violenta tapa no rosto de um juiz de direito.

           No dia seguinte, os empresários Otacílio Correia, Acelino Leandro e outras personalidades do pequeno município cearense conversavam na barbearia. Vicente Cezário, sabendo do acontecido com o juiz, estranhou porque ninguém do grupo tocava no assunto. Mas receava colocar a humilhante agressão na pauta.

           Em certo momento, aproveitando uma pequena pausa nas conversas, o barbeiro olhou para os fregueses e, com o pincel de barbear na mão, esbanjando sutileza, provocou:

            - Mas disse que ele só caiu porque tava com a boca aberta...



Colaboração: Francisco de Souza Sobrinho

domingo, 8 de agosto de 2010

227 - NOITE NO CABARÉ

            No final do século passado, em uma manhã de sábado, dia de movimentada feira, cedo da manhã o agricultor Joaquim Fiúza decidiu realizar umas compras na sede do município de Várzea Alegre.

            Animado por umas cachaças tomadas no mercado público, o agricultor resolveu passar pela zona boêmia da pequena cidade do interior cearense, onde permaneceu durante toda a noite.

             Ao chegar, ainda bem cedo, o agricultor foi recebido pela sua esposa Isabel no terreiro da casa do sítio Chico,

             - Muito bonito, Joaquim! Tu pensa que eu não sabendo que tu dormiu no cabaré?

             - Ôxi, Isabel. Dormi nada. Quem é que dorme com um barulho daquele?



Colaboração: Giovani Costa

(imagem Google)

sábado, 7 de agosto de 2010

226 - DEVO NÃO NEGO



            Em alguns casos o temido Acidente Vascular Cerebral – AVC - deixa como sequela uma fraqueza em lado do corpo, comumente chamada no interior cearense como a banda morta.

             Mas Francisco das Chagas Bezerra, popular Chico Piau, no final do século passado, mesmo depois de sofrer o derrame não perdeu sua disposição. Logo após pequena melhora mas ainda caminhando com dificuldade em face da dormência no lado esquerdo do corpo, Chico resolveu ir ao centro comercial da cidade de Várzea Alegre.

           Inacim, ao ver Chico Piau em surpeendente recuperação resolveu lembrar-lhe de um fiado pendente em sua loja de tecidos. O comerciante então abordou Chico e disse:

            - Chico, assim que puder passe lá comigo pra gente acertar aquela conta.

           Com sua sagacidade, gracejando do seu próprio sofrimento, Chico Piau respondeu:

            -Inacin, pode esquecer. Essa conta é da banda que morreu e defunto não paga dívida.



Colaboraççao Rodrigo Victor Rolim

(imagem Google)
 

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

225 - COMO PARAR DE FUMAR





             Segundo especialistas, em face da relação de prazer compensatório que o cigarro assume na vida das pessoas, parar de fumar trata-se de umas das missões mais difíceis que se pode enfrentar.

             Na década de 1990, em Fortaleza, minha tia materna Socorro Costa e sua filha Alana assumiram entre si o compromisso de parar de fumar. Assim, planejaram para o primeiro momento a diminuição dos cigarros consumidos durante o dia. Para alcançar o complexo mas louvável intento decidiram acender o primeiro cigarro apenas após o almoço.

            Porém, às oito horas da manhã, ainda do quarto, pouco tempo após acordar, Alana gritava para Tia Socorro:

            - Mamãe, esse almoço não sai não? Eita demora grande!!!!!



Colaboração: Klébia Fiúza

(imagem Google)

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

224 - CALÇOENE






              Distante cerca de trezentos e setenta quilômetros de Macapá, Calçoene é um município amapaense pródigo em ouro e com muitas outras riquezas naturais e arqueológicas.

             Na década de noventa trabalhei vários meses naquele simpático município e, dentre outras características, fiquei impressionado com a quantidade de chuva que cai na região. Ali, em meio à floresta, registra-se um dos maiores índices pluviométricos do Brasil. Em média, chove por ano quase dez vezes mais que na árida caatinga cearense, onde nasci.

             Certo domingo, aproveitando uma trégua das chuvas, com um grupo de moradores locais, fui conhecer a praia de Goiabal, distante cerca de quatorze quilômetros da sede do município. Na ida perguntei sobre a origem do nome Calçoene. Um dos moradores começou a explicar que o diferente nome se originara da junção da palavra calço - que significa cunha - com a letra ene.

             Porém, naquele momento, um antigo e espirituoso oficial de justiça do lugar, conhecido como Dom Pedro, interrompeu a explicação e disse que não era nada disso. Segundo ele, há muitos anos, no fim do mês de dezembro, os primeiros moradores do local se reuniram na beira do rio que cruza a cidade para comemorar o nascimento de Cristo. Para ornamentar o local, fincaram ao chão vários pedaços de madeira com letras de papel pregadas, formando a frase FELIZ NATAL. Quando estavam todos reunidos na celebração natalina, de repente soprou um forte vento que fez tombar pra trás a madeira que sustentava a letra N de Natal. Segundo o cômico meirinho, nesse instante, um velho morador gritou a frase que originou o nome do rio e da cidade:

          - Minino, corre ali, calça o ene, calça o ene.



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terça-feira, 3 de agosto de 2010

223 - MEDO DE ALMA




           Nos últimos tempos, várias produções artísticas e culturais vêm abordando o intrigante e polêmico tema da vida após a morte. É o caso da novela da seis da Rede Globo, Escrito nas Estrelas, que apresenta em seu enredo os limites entre os planos físicos e espirituais.

           Durante muitos anos Maria Francalino de Souza, conhecida por Mãezinha, trabalhou na casa grande do Coronel Dirceu Pimpim, realizando serviços domésticos. No final da década de 1970, a modesta Mãezinha veio a falecer em Várzea Alegre, pequena cidade do sertão cearense.

           Filha mais nova do Coronel Dirceu, Rosália conviveu bastante com Mãezinha e, por conta de suas fragilidades nervosas, ficou ainda mais impressionada com a morte da antiga empregada. Na época, morando em Fortaleza na casa de sua irmã mais velha, Rosália passava a noite fechando as frestas das portas e janelas para impedir a entrada de almas no cômodo. Já depois da meia-noite, Rosália olhou para Socorro Costa, sobrinha e companheira de quarto, e falou:

          - Socorro tou com medo da alma de Mãezinha. Você também tem medo de alma?

         Sem conseguir dormir por conta do movimento e barulho no quarto, Socorro, com sagacidade e inteligência, conseguiu tranqüilizar sua tia, dizendo:

          - Largue de besteira. Mãezinha viveu a vida toda em Várzea Alegre e nunca andou em cidade grande. Como ela poderia chegar aqui em Fortaleza? Num tem nem perigo. Ela nem sabe andar aqui na capital.


(imagem Google)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

222 - TOALHA NO OMBRO





            No final do século passado, Vicente Cesário, conhecido barbeiro de Várzea Alegre, sofreu um derrame* e sua reabilitação foi acompanhada pelo experiente médico da cidade do sertão cearense, Dr. Pedro Sátiro.

            Depois que Vicente se recuperou e voltou ao trabalho, os frequentadores da barbearia estranharam o seu comportamento. O velho barbeiro utilizava sempre uma toalha no ombro e no seu próprio estabelecimento tomava vários banhos por dia.

            Também achando estranha a atitude do vizinho de comércio, Airton de Senhor perguntou:

            - Seu Vicente, que quentura danada é essa aqui na barbearia? O senhor passa o dia todo com essa tolha e toda hora se banha?

             O popular barbeiro, caminhando com dificuldades, com amolada navalha na mão, olhou para Airton e respondeu:

             - Dotô Pêdo recomendou cuidado com a bebida. Disse que só poderia tomar uma cachacinha quando eu fosse tomar banho pra espaiar o sangue.



* Acidente Vascular Cerebral - AVC

(imagem Google)