domingo, 16 de setembro de 2012

653 - SOLTANDO AS TIRAS




Lembro que, na década de setenta, em Várzea Alegre, sertão cearense, meu querido pai, Luiz Cavalcante, após um dia de intenso trabalho na bodega, ao chegar em casa sempre pedia a um de nós:

- Meu fii, pegue minha chinela japonesa*...

O simples e confortável calçado era o prêmio que seus pés recebiam depois de várias horas de trabalho duro, afinal, em sua longa jornada, o bodegueiro não sentava um só momento.

Hoje vejo que a velha e modesta chinela deixou o canto escuro do banheiro onde era guardada lá em casa e passou a frequentar lugares refinados como shoopings, boites e restaurantes. Meu velho pai continua na sua bodega em Várzea Alegre, foram as chinelas Havaianas, com enorme sucesso e incrível ascensão social, que ganharam o mundo.

Meses atrás visitava meu tio José Cavalcante Cassundé, Zé do Norte, em sua sortida sapataria de Várzea Alegre, quando me espantei com o pedido de um cliente:

- Seu Zé do Norte, minha zapragata* currulepo arrancou o biloto, aqui vende as correa?

Maior espanto eu senti quando, em tempos de sucesso das alpargatas Havaianas, meu tio, comerciante há décadas, confirmou a oferta avulsa das tiras. Falando alto, como de hábito, se dirigiu a uma das suas vendedoras:

- Ei minha fia, pegue aí uma correa de japonesa. E só um real o par...


* corruptela de alpargata, tipo de calçado usado pelos cangaceiros, muito usada no Nordeste.  Também conhecida por alpercata, passou a nominar as atuais chinelas de dedo.

* as chinelas japonesas eram sandálias de borracha usadas pelas classes econômicas mais baixas, principalmente para serviços domésticos e trabalho na construção civil.

(imagem Google)

Nenhum comentário:

Postar um comentário